Por que Xi Jinping e o Papa deveriam comparar notas
Apesar de parecerem inimigos naturais, líderes assumiram seus cargos com desafios surpreendentemente similares
Da Redação
Publicado em 7 de abril de 2014 às 17h08.
Xi Jinping e Jorge Mario Bergoglio pareceriam ser inimigos naturais. O presidente chinês dirige um governo que esmaga a liberdade religiosa, limita a procriação e possui um histórico sombrio de direitos humanos. Bergoglio – mais conhecido como Papa Francisco – deseja ter acesso aos muitos cidadãos de Xi para espalhar os ensinamentos da Igreja Católica, desafiar o controle do dogma imposto pelo Partido Comunista e até mesmo chegar à Coreia do Norte.
Contudo, esses líderes mundiais deveriam mesmo compartilhar notas. As tarefas que ambos enfrentam, após assumirem seus cargos com apenas um dia de diferença em 2013, são surpreendentemente similares – e não apenas porque ambos lideram congregações de mais de um bilhão de pessoas cada, observa Stephan Richter, editor da revista on-line The Globalist.
“Aí é só onde os surpreendentes paralelos começam”, escreve Richter. “O Partido Comunista da China e a Igreja Católica compartilham mais do que certas características organizacionais, como o fato de serem estruturas de poder com um forte domínio masculino. Além disso, ambas as instituições oferecem ideologias ou sistemas de fé com reivindicações absolutistas. Não é uma proposta fácil em uma era em que cada vez menos pessoas estão inclinadas a aderir a proposições tão rígidas”.
Ao observar os enormes desafios enfrentados por Xi e pelo Papa, é inevitável se perguntar se esta é uma questão do que Richter chama de “dois pastores, duas revoluções culturais”. Ambos têm muito o que organizar para reformar burocracias rígidas que transitam mais em fracassos éticos e corrupção do que seus predecessores quiseram admitir. Ambos estão redobrando esforços para reduzir a pobreza. Ambos enfrentam uma resistência poderosa e sombria às reformas a que se comprometeram. Tanto o Partido Comunista quanto o Vaticano sofrem de desilusão e de uma perda de legitimidade entre as massas. E, apesar das melhores intenções, não está totalmente claro se algum dos dois terá sucesso.
O Papa Francisco, é claro, chegou às manchetes por dizer e fazer coisas previamente impensáveis. Purgar e investigar líderes eclesiásticos que outrora eram considerados intocáveis – incluindo aqueles envolvidos com o Banco do Vaticano – está causando ondas de choque. O mesmo acontece com as medidas do pontífice para enfrentar os maiores escândalos da Igreja. Seu pedido para que os bispos de todo o mundo pesquisem entre os católicos sobre o atrativo dos ensinamentos da Igreja é um passo revolucionário por si só.
Também Xi parece estar tentando purgar o sistema. Ele passou os primeiros 12 meses no cargo solidificando sua base de poder. No início do segundo ano, no entanto, pode ser que a verdadeira luta esteja começando. A investigação do ex-chefe de segurança Zhou Yongkang, da sua família e de seus comparsas – que acumularam um estimado de US$ 14,5 bilhões em ativos ilegítimos – poderia ser o maior inquérito por corrupção da história moderna.
Também nesta semana, um ex-oficial militar sênior, o general Gu Junshan, foi acusado de malversação de fundos estatais e abuso de poder. O general aposentado Xu Caihou, ex-vice-presidente da comissão militar na administração do ex-presidente Hu Jintao, também está sendo investigado por corrupção.
Essas medidas sugerem que a campanha anticorrupção de Xi poderia ir mais profundo do que os funcionários previam. É cedo, e pode ser que Xi simplesmente esteja procurando alguns alvos fáceis para sustentar sua boa-fé como governante – ou simplesmente que esteja despindo Pedro para vestir Paulo. Mas é difícil exagerar o efeito assustador que isso tudo está provocando em Pequim. Caso essas purgas continuem, Xi teria mais liberdade para tornar realidade seu grande discurso de mudar o modelo de crescimento da China.
Afinal de contas, apartar o governo da China da economia requer controlar as poderosas empresas estatais e os interesses na banca paralela que enriquecem os membros do Partido. Assim como essa espécie de máfia dentro da burocracia da “Cúria Romana” do Vaticano tem muito a perder com a reforma do Papa Francisco, os muitos milionários e bilionários que as corporações chinesas criaram estão enfrentando um escrutínio incômodo. Xi sabe que no final ele terá que reprimir as apropriações de terras, as operações ilícitas, as negociações com informações privilegiadas e as procuras de rendas que mancharam a imagem de Pequim se ele for promover uma mudança real.
Xi também parece entender, assim como o Papa, que precisa desenvolver uma melhor percepção das reclamações e preocupações do seu rebanho. Além das suas funções de presidente, chefe militar e secretário-geral do Partido, Xi agora também é tzar da internet. Embora tenha o objetivo de silenciar a dissensão, a medida também deve medir a opinião pública. Qual é a maior ameaça à legitimidade do Partido Comunista – os subornos, a desaceleração do crescimento econômico, a poluição, os estilos de vida luxuosos dos funcionários públicos ou a política do filho único? Conquanto sinistro, o monitoramento obsessivo das salas de bate-papo e dos sites de microblogging dá a Xi uma porta para o pensamento dos seus súditos.
A grande questão é até onde esses homens irão para aumentar a transparência de organizações opacas e excessivamente verticais. Eu vou consentir com os vaticanologistas no caso do Papa Francisco, mas receio que haja um limite para o que Xi fará nos seus dez anos no cargo. “Aumentar a abertura é uma manobra arriscada, não apenas porque causará a ira de muitas pessoas de dentro”, explica Richter. “Também pode se transformar facilmente na proverbial Caixa de Pandora”.
Mesmo assim, é estimulante ver Xi começando a enfrentar a corrupção dos funcionários que está corroendo a alma política da China. E se alguma vez ele precisar de um camarada com quem discutir coisas, ele poderia encontrar um no lugar mais inesperado.
Xi Jinping e Jorge Mario Bergoglio pareceriam ser inimigos naturais. O presidente chinês dirige um governo que esmaga a liberdade religiosa, limita a procriação e possui um histórico sombrio de direitos humanos. Bergoglio – mais conhecido como Papa Francisco – deseja ter acesso aos muitos cidadãos de Xi para espalhar os ensinamentos da Igreja Católica, desafiar o controle do dogma imposto pelo Partido Comunista e até mesmo chegar à Coreia do Norte.
Contudo, esses líderes mundiais deveriam mesmo compartilhar notas. As tarefas que ambos enfrentam, após assumirem seus cargos com apenas um dia de diferença em 2013, são surpreendentemente similares – e não apenas porque ambos lideram congregações de mais de um bilhão de pessoas cada, observa Stephan Richter, editor da revista on-line The Globalist.
“Aí é só onde os surpreendentes paralelos começam”, escreve Richter. “O Partido Comunista da China e a Igreja Católica compartilham mais do que certas características organizacionais, como o fato de serem estruturas de poder com um forte domínio masculino. Além disso, ambas as instituições oferecem ideologias ou sistemas de fé com reivindicações absolutistas. Não é uma proposta fácil em uma era em que cada vez menos pessoas estão inclinadas a aderir a proposições tão rígidas”.
Ao observar os enormes desafios enfrentados por Xi e pelo Papa, é inevitável se perguntar se esta é uma questão do que Richter chama de “dois pastores, duas revoluções culturais”. Ambos têm muito o que organizar para reformar burocracias rígidas que transitam mais em fracassos éticos e corrupção do que seus predecessores quiseram admitir. Ambos estão redobrando esforços para reduzir a pobreza. Ambos enfrentam uma resistência poderosa e sombria às reformas a que se comprometeram. Tanto o Partido Comunista quanto o Vaticano sofrem de desilusão e de uma perda de legitimidade entre as massas. E, apesar das melhores intenções, não está totalmente claro se algum dos dois terá sucesso.
O Papa Francisco, é claro, chegou às manchetes por dizer e fazer coisas previamente impensáveis. Purgar e investigar líderes eclesiásticos que outrora eram considerados intocáveis – incluindo aqueles envolvidos com o Banco do Vaticano – está causando ondas de choque. O mesmo acontece com as medidas do pontífice para enfrentar os maiores escândalos da Igreja. Seu pedido para que os bispos de todo o mundo pesquisem entre os católicos sobre o atrativo dos ensinamentos da Igreja é um passo revolucionário por si só.
Também Xi parece estar tentando purgar o sistema. Ele passou os primeiros 12 meses no cargo solidificando sua base de poder. No início do segundo ano, no entanto, pode ser que a verdadeira luta esteja começando. A investigação do ex-chefe de segurança Zhou Yongkang, da sua família e de seus comparsas – que acumularam um estimado de US$ 14,5 bilhões em ativos ilegítimos – poderia ser o maior inquérito por corrupção da história moderna.
Também nesta semana, um ex-oficial militar sênior, o general Gu Junshan, foi acusado de malversação de fundos estatais e abuso de poder. O general aposentado Xu Caihou, ex-vice-presidente da comissão militar na administração do ex-presidente Hu Jintao, também está sendo investigado por corrupção.
Essas medidas sugerem que a campanha anticorrupção de Xi poderia ir mais profundo do que os funcionários previam. É cedo, e pode ser que Xi simplesmente esteja procurando alguns alvos fáceis para sustentar sua boa-fé como governante – ou simplesmente que esteja despindo Pedro para vestir Paulo. Mas é difícil exagerar o efeito assustador que isso tudo está provocando em Pequim. Caso essas purgas continuem, Xi teria mais liberdade para tornar realidade seu grande discurso de mudar o modelo de crescimento da China.
Afinal de contas, apartar o governo da China da economia requer controlar as poderosas empresas estatais e os interesses na banca paralela que enriquecem os membros do Partido. Assim como essa espécie de máfia dentro da burocracia da “Cúria Romana” do Vaticano tem muito a perder com a reforma do Papa Francisco, os muitos milionários e bilionários que as corporações chinesas criaram estão enfrentando um escrutínio incômodo. Xi sabe que no final ele terá que reprimir as apropriações de terras, as operações ilícitas, as negociações com informações privilegiadas e as procuras de rendas que mancharam a imagem de Pequim se ele for promover uma mudança real.
Xi também parece entender, assim como o Papa, que precisa desenvolver uma melhor percepção das reclamações e preocupações do seu rebanho. Além das suas funções de presidente, chefe militar e secretário-geral do Partido, Xi agora também é tzar da internet. Embora tenha o objetivo de silenciar a dissensão, a medida também deve medir a opinião pública. Qual é a maior ameaça à legitimidade do Partido Comunista – os subornos, a desaceleração do crescimento econômico, a poluição, os estilos de vida luxuosos dos funcionários públicos ou a política do filho único? Conquanto sinistro, o monitoramento obsessivo das salas de bate-papo e dos sites de microblogging dá a Xi uma porta para o pensamento dos seus súditos.
A grande questão é até onde esses homens irão para aumentar a transparência de organizações opacas e excessivamente verticais. Eu vou consentir com os vaticanologistas no caso do Papa Francisco, mas receio que haja um limite para o que Xi fará nos seus dez anos no cargo. “Aumentar a abertura é uma manobra arriscada, não apenas porque causará a ira de muitas pessoas de dentro”, explica Richter. “Também pode se transformar facilmente na proverbial Caixa de Pandora”.
Mesmo assim, é estimulante ver Xi começando a enfrentar a corrupção dos funcionários que está corroendo a alma política da China. E se alguma vez ele precisar de um camarada com quem discutir coisas, ele poderia encontrar um no lugar mais inesperado.