Verdade inconveniente: futuro chefe da nação mais poderosa do mundo tem ideias que vão de encontro à luta mundial contra as mudanças climáticas.
Vanessa Barbosa
Publicado em 9 de novembro de 2016 às 14h45.
Última atualização em 9 de novembro de 2016 às 14h49.
São Paulo - Aconteceu. Donald Trump foi eleito novo presidente dos Estados Unidos. A consagração do bilionário sem experiência política e dono de uma língua inclinada a comentários misóginos, racistas e anti-semitas chegou como uma surpresa atordoante.
Choraram os democratas, caíram os mercados financeiros, abalou-se a Europa e a esperança de metade dos americanos que votaram em Hillary Clinton, a então candidata favorita à sucessão do governo Obama.
Mas a vitória do republicano não representa apenas o começo de uma era de incertezas políticas. A julgar por suas opiniões, Trump é um outsider — e potencial ameaça — no debate sobre o maior desafio ambiental de nossos tempos: o combate às mudanças climáticas.
Quando for empossado oficialmente, em janeiro de 2017, ele ocupará não apenas o cargo máximo da maior potência mundial, mas o de segundo maior poluidor do mundo, só perdendo para a China.
Os EUA são responsáveis por 13 por cento das emissões mundiais de gases efeito estufa e são o mais rico entre os seis maiores emissores. A perda de seu apoio seria um empecilho prático nos esforços para estimular uma indústria mais limpa e conter as mudanças climáticas.
Ao longo de sua campanha, Trump ameaçou cancelar o Acordo de Paris, o pacto histórico das Nações Unidas adotado por praticamente todos os países do mundo, para limitar o aumento da temperatura global a dois graus Celsius acima dos níveis pré-industriais, até 2100.
Junto com a China e mais de 190 nações, o acordo, criado em dezembro passado na COP21, em Paris, estabeleceu um quadro de compromissos para todos os países reduzirem as emissões.
O governo dos EUA prometeu cortar suas emissões em 28 por cento até 2025 em relação aos níveis de 2005. Com Trump no poder, tudo pode mudar.
Um universo ameaçadoramente paralelo
Contrariando as esmagadoras evidências científicas, o recém-eleito presidente dos Estados Unidos tuitou dezenas de vezes o que pensa a respeito das mudanças climáticas, negando sempre a contribuição humana para o problema.
Uma das teorias de conspiração mais bizarras do republicano é de que a mudança climática é um "conceito" criado pela China para sabotar a indústria americana.
Ele também prometeu cortar todos os gastos do governo americano pró-clima e disse que nomearia um negacionista climático (pessoa que nega a existência do aquecimento global) para chefiar a equipe de transição da Agência de Proteção Ambiental, encarregada de proteger a saúde humana e o meio ambiente daquele país.
Na busca por popularidade junto a uma indústria que definha, Trump prometeu reabrir minas de carvão (o combustível fóssil mais sujo) fechadas em lugares como West Virginia, Pennsylvania e Ohio.
O que esperar daqui para a frente
Em artigo intitulado "Eleição de Trump nos EUA choca cientistas", a revista Nature destaca a preocupação de muitos cientistas diante da possibilidade de cortes de financiamento às pesquisas científicas.
"Trump será o primeiro presidente anti-ciência que já tivemos", diz Michael Lubell, diretor de assuntos públicos da American Physical Society em Washington DC. "As conseqüências serão muito, muito severas."
O resultado do pleito americano também repercutiu com força na 22ª Conferência das Partes (COP 22) sobre mudança do clima, que começou na segunda-feira (7) em Marraquexe, Marrocos.
Representantes de mais de 190 países definirão nas próximas duas semanas os detalhes do acordo mundial de Paris, que tem como desafio frear o aquecimento do planeta.
"O mundo não vai esperar pelos EUA, nem o clima. Este ano, os impactos da mudança climática custaram aos EUA centenas de bilhões de dólares e colocaram 40 milhões de pessoas em risco de fome somente na África do Sul", disse Annaka Peterson, Oficial de Programa Sênior, Oxfam América, em comunicado para a imprensa.
"O próximo presidente precisa trabalhar com o Congresso para avançar mais rápido para reduzir as emissões e proteger os direitos de homens e mulheres na linha de frente da crise climática", acrescentou.
Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, afirma que, em alguma medida, as convicções pessoais de Trump terão de se enquadrar na realidade climática.
"A agenda climática deixou de depender de apenas um país, como no passado. O Acordo de Paris já tem 102 ratificações, além da americana, e esses países não vão esperar pelos EUA para agir, porque isso é interesse deles. Uma economia inteira baseada em energias renováveis está em movimento no mundo, e representa uma fatia crescente do PIB e da geração de empregos nos próprios EUA", complementa.
Resta esperar que os planos declarados de Trump não passem de retórica de campanha. Afinal, a crise climática é real, e furacões, secas extremas e mares crescentes não negociam.