Por que a Síria está em guerra há 7 anos
Relembre como a Síria era antes desse conflito complexo, entenda as causas que contribuíram para o seu surgimento e como tudo começou
Gabriela Ruic
Publicado em 14 de março de 2018 às 15h10.
Última atualização em 14 de março de 2018 às 15h10.
São Paulo – A guerra na Síria completa sete anos nesta semana. Enquanto o mundo observa com atenção aos desdobramentos recentes desse conflito, como tentativas de um cessar-fogo entre os principais envolvidos em prol da entrada de ajuda humanitária e a evacuação de feridos, a população segue agonizando em um cenário de violência e incertezas.
Desde que tudo começou, em 2011, quase meio milhão de pessoas foram mortas (a maioria delas civil), cerca de 6 milhões se deslocaram internamente e pouco mais de 5 milhões abandonaram a Síria em busca de refúgio em outros países. Até o momento, não há qualquer sinal de que as hostilidades irão cessar e as perspectivas para a paz seguem nebulosas.
Mas quais motivos que explicam a guerra? Para responder essa pergunta, EXAME compilou abaixo alguns pontos essenciais para entender a crise da Síria e o caminho percorrido por sua população nos últimos anos. Confira abaixo.
Como era a Síria antes da guerra?
A Síria pré-guerra era um país em desenvolvimento e com uma população de 22 milhões de pessoas, além disso estava relativamente estável quando a guerra estourou. Entre os anos 2000 e 2010, sua economia crescia numa média de 4,5% ao ano, segundo dados do Banco Mundial, e era pouco dependente do petróleo.
Por outro lado, esses indicadores não acompanharam as mudanças demográficas e não tardou até que o desemprego assombrasse a população. A situação era particularmente delicada no campo, onde a fatia de emprego caiu de 33% para 13% em uma década.
O desemprego, combinado com outros fatores de risco como pobreza, a alta concentração de poder do Executivo, a corrupção e restrição de liberdades civis acabaram por compor um panorama de instabilidade. Esse cenário, no entanto, não era exclusivo da Síria: estava presente também em outros países árabes.
Nesta época, fim da primeira década dos anos 2000, especialistas já previam que uma onda de crises políticas estava por vir para o mundo árabe, um evento mais tarde se consolidou e ficou conhecido como “Primavera Árabe”, mas ninguém antecipou a escala do que aconteceria em solo sírio.
Quando o conflito começou?
A “Primavera Árabe” foi uma série de manifestações pró-democracia que se alastraram no fim de 2010 e início de 2011 pelo Oriente Médio e norte da África e que resultaram na queda de governos no Egito e na Líbia. A origem desses movimentos é complexa e é o resultado de uma mistura de fatores, entre econômicos e políticos.
Essa onda logo chegou à capital síria, Damasco, e na cidade de Daraa como demonstrações pacíficas. Foram, no entanto, duramente reprimidas pelo presidente Bashar Al-Assad , que ascendeu ao poder em 2000 substituindo seu pai (Hafez, que assumiu em 1970) e continua no posto até hoje. Meses depois, o cenário era o de um conflito armado entre governo e forças de oposição.
E é aqui que a guerra na Síria ganha contornos ainda mais complexos: embora os protestos envolvessem setores não-sectários da sociedade, trouxe à tona tensões étnicas e religiosas que sempre estiveram no pano de fundo da formação do país. Um exemplo? A maioria dos sírios são muçulmanos da corrente sunita, enquanto Assad é alauíta.
Não se pode deixar de lado que essas turbulências proporcionaram a ascensão e consolidação do Estado Islâmico (EI) na região, por exemplo. O grupo terrorista se aproveitou do vácuo de poder e das instabilidades para controlar vastas porções de território na Síria, inclusive estabelecendo uma “capital” na cidade de Raqqa, antes controlada por insurgentes.
Quem está envolvido?
A guerra na Síria é um emaranhado de participantes que lutam entre si. Entre os atores estão milícias locais, que tem concepções diferentes sobre como o futuro do país deve ser (democracia? Teocracia?), forças governistas, grupos terroristas, uma nação inteira sem estado e até potências globais.
Em linhas gerais, de um lado temos a Síria, hoje apoiada principalmente pela Rússia , que deseja ampliar a sua influência no Oriente Médio e relevância no cenário global, e pelo Irã, que pretende impedir que opositores sunitas derrubem Assad e se alinhem com a Arábia Saudita.
Aqui, temos ainda a organização libanesa Hezbollah, que confia nos sírios para manter uma espécie corredor de fornecimento de armas enviadas pelos iranianos para o Líbano, além de milícias xiitas que querem proteger locais que consideram sagrados pelos seguidores dessa vertente do islamismo.
Do outro lado, contra o regime de Assad, temos os insurgentes, que são predominantemente sunitas, mas não menos diversos. O maior deles é o Exército Livre da Síria, que advoga pela democracia. No entanto, há grupos baseados na religião, como o Jabhat Fateh al-Sham, que diz ser um ex-braço sírio da rede Al Qaeda.
Entre as potências estão os Estados Unidos , que tentam negociar uma transição que retire Assad do poder, a Turquia, cujo interesse primordial é evitar que os curdos na Síria fortaleçam um movimento pela sua independência, e países árabes do golfo, ávidos por evitar a influência iraniana na região. Estão unidos em uma coalizão que também luta contra o EI.
No meio do caminho, há o EI, que é alvo da coalizão, dos curdos, de opositores e do governo. Vale notar que o grupo sempre teve ambições transnacionais, que culminariam na expansão do califado islâmico para além das fronteiras da Síria e do Iraque. Embora esteja atualmente enfraquecido pelas derrotas territoriais que sofreu nos últimos meses, o grupo chegou a controlar amplas porções de territórios e cidades tanto na Síria quanto no Iraque.
Por fim, mas não menos importantes, os curdos unidos sob o Partido de União Democrática, e que ocupam áreas no norte do Iraque da Síria. Estão unidos com as Forças Democráticas da Síria, outro grupo opositor aliado da coalizão.
Isso fez com que se tornassem o principal alvo dos militantes do EI, com quem travou combates intensos nos últimos anos. Ao mesmo tempo em que são aliados importantes da coalizão na luta contra os extremistas, estão sob o radar dos grupos de oposição por suas ambições territoriais e também da Turquia, inimiga histórica.
Especialistas consideram que essa diversidade de atores e interesses é um dos principais motivos que fazem com que o conflito tenha durado tanto tempo. E a expectativa é a de que a guerra siga intensa daqui em diante, ainda mais quando se tem em mente, por exemplo, que a Turquia agora se mobiliza para barrar avanços desse grupo na Síria e no Iraque.