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Por que a honra importa

Livro do filósofo americano Tamler Sommers propõe uma revalorização do conceito da honra na sociedade ocidental

TRUMP: o autor não deixa de reconhecer que muito da terminologia que ele utiliza no livro tem sido ecoada pelas piores excrescências da alt-right americana / REUTERS/Leah Millis

TRUMP: o autor não deixa de reconhecer que muito da terminologia que ele utiliza no livro tem sido ecoada pelas piores excrescências da alt-right americana / REUTERS/Leah Millis

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Da Redação

Publicado em 30 de junho de 2018 às 15h28.

Última atualização em 2 de julho de 2018 às 10h09.

Uma das mudanças morais mais significativas de nossa sociedade nos últimos séculos foi a perda de espaço cultural da noção de honra, substituída por outras noções como a de direitos e de dignidade. Essa mudança se torna particularmente sensível quando contrastamos nossa sociedade ocidental com culturas nas quais a honra ainda tem um papel central: como nas culturas árabes muçulmanas. Em geral, esse contraste resulta em nosso favor: a honra é invocada quando pais matam filhas que feriram a “honra” da família, quando homens participam de duelos por motivos fúteis, quando se justifica uma divisão rígida entre homens e mulheres, quando grupos exclusivistas hostilizam e afastam pessoas vistas como indignas.

Por isso, é uma surpresa que o filósofo Tamler Sommers, em seu novo livro Why Honor Matters, efetue uma defesa da honra como um critério importante para a sociedade, e que o nosso abandono da honra tem tido efeitos ruins para nossa sociedade. Seria possível, ele argumenta, recuperar o lado positivo da honra sem cair nos extremos e aspectos negativos aos quais ela hoje é associada.

Na parte mais convincente do livro, Sommers argumenta que o fim da ideia de honra (na verdade, uma diminuição severa, posto que ela ainda resiste em âmbitos específicos como em times esportivos) acarretou algumas perdas importantes para o Ocidente. Tornamo-nos progressivamente mais individualistas, egoístas, menos dispostos a cooperar pelo bem comum e mais covardes frente ao perigo. Além disso, a vida perde uma importante dimensão de conquista da estima perante os demais, o que a deixou mais vazia e sem propósito. A honra, e toda mitologia ao redor dela, provê objetivos importante para a vida individual que convergem para objetivos sociais.

Sommers estabelece um contraste entre a honra e a dignidade, o conceito que, segundo ele, substituiu a primeira. Baseado em noções iluministas da igualdade dos homens, a noção de dignidade é aplicada a todos os seres humanos sem exceção. Temos dignidade humana pelo mero fato de existirmos. Supostamente, isso serviria para promover a paz e o amor universal, mas o contrário – ao menos no caso do amor – é o que ocorre: perdemos um vínculo concreto que nos ligava ao nosso povo. Em seu lugar colocamos um amor abstrato que, por se aplicar a todos igualmente, não se aplica a ninguém. Com o objetivo de unir toda a humanidade, nos isolamos em nós mesmos. O resultado é uma sociedade mais atomizada e, como contrapartida, um Estado mais centralizador e opressivo.

A honra, ao contrário da dignidade, precisa ser conquistada. E quem a conquista ganha o direito de participar de uma elite. Para atingir esse fim, é necessário desempenhar alguma virtude, algum ato de sacrifício do interesse pessoal de curto prazo em nome de um valor maior que promove a coesão social ou a sobrevivência do grupo: coragem, solidariedade, hospitalidade. Com esse tipo de estrutura cultural vigente, teríamos vidas mais dedicadas a valores e, por isso, mais preenchidas de significado.

Não fica claro, contudo, como fazer para reestabelecer o papel da honra. Sommers parece acreditar que basta uma mudança na mentalidade das classes pensantes. Mas será que estamos dispostos a voltar a acreditar nas mitologias que sustentam os códigos da honra? Mais confuso, no entanto, é o tipo de mudança que ele propõe. Sommers não quer abandonar por completo a ética iluminista baseada nos direitos e na dignidade. Ele também não quer que importemos para cá os abusos cometidos em nome da honra em outras culturas.

Em alguns casos, ele argumenta que se tratam de perversões da ideia de honra. A xenofobia, por exemplo, seria uma negação do valor da hospitalidade. Mas aqui ele parece estar engajado em mero wishful thinking (pensamento influenciado pelo próprio desejo). A construção de códigos de conduta que promovem a coesão social pode muito bem ter resultados brutais para indivíduos, ainda mais se forem indivíduos de fora do grupo.

Enquanto o livro era escrito, Trump foi eleito. Sommers não deixa de reconhecer que muito da terminologia que ele utiliza no livro tem sido ecoada pelas piores excrescências da alt-right americana (movimento conservador de direita). Criar uma ética que dê conta da natureza hierárquica e social dos seres humanos, preenchendo suas vidas de sentido, mas sem deixar de lado o apreço pelo indivíduo e sua liberdade de perseguir diversos fins. Talvez esse projeto de cultura de honra de fundo iluminista seja impossível. Ousar sonhá-la, contudo, tem seu valor.

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