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Não é o fim do Estado Islâmico, diz professor da King's College

A perda de Mosul é o começo do fim para o EI? Para o professor Antonio Perra, da King’s College de Londres, é preciso ter cautela

Mosul, no Iraque, depois da queda do Estado Islâmico (Thaier Al-Sudani/Reuters)

Mosul, no Iraque, depois da queda do Estado Islâmico (Thaier Al-Sudani/Reuters)

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Carolina Riveira

Publicado em 21 de julho de 2017 às 15h44.

Última atualização em 21 de julho de 2017 às 17h53.

Julho marcou duas grandes derrotas para o Estado Islâmico: numa tacada só, o grupo perdeu a cidade iraquiana de Mosul, capital de seu autoproclamado califado, e grande parte de Raqqa, cidade síria que era um importante território sob seu controle.

Ao anunciar a retomada de Mosul, o premiê iraquiano, Haider Al-Abadi, afirmou que o episódio marca o “afundamento” do ISIS, enquanto o presidente americano, Donald Trump, escreveu em seu Twitter que “a vitória em Mosul demonstra que os dias [do ISIS] no Iraque e Síria estão contados”.

É o começo do fim do Estado Islâmico? Para o professor Antonio Perra, que estuda os conflitos do Oriente Médio na Universidade Birkbeck e na King’s College de Londres, é preciso ter cautela.

Perra, que também é analista político da organização Muslim Engagement and Development (que busca engajar muçulmanos no Reino Unido e combater a islamofobia), acredita que o ISIS vai agora focar em novos ataques e na intensificação de sua propaganda extremista na internet.

“Temo que talvez a queda do califado signifique que o ISIS simplesmente vai mudar de tática”, diz. Veja a entrevista completa abaixo.

O Estado Islâmico foi de fato enfraquecido pela perda de Mosul e Raqqa? 

Eu diria que certamente perder esses territórios os enfraqueceu, se pensarmos sobre o Califado em si e não sobre a ideologia que o originou. Com a captura de Mosul e Raqqa, dois redutos desabaram, mostrando que o esforço do Estado Islâmico em tentar transformar uma ideologia tão extrema em uma força geopolítica real não conseguiu ir tão longe. Já estamos testemunhando uma lenta, mas aparentemente clara, restauração das atividades normais na região — a CNN estava recentemente em Raqqa filmando a rotina diária nas ruas, algo que há um ano seria impensável. Além disso, a maior parte do poder do ISIS se baseia em sua força de atração de combatentes estrangeiros, e à medida que o califado cai, suas possibilidades de recrutar combatentes serão muito impactadas.

Além da questão simbólica que essas cidades representavam para o Califado, a perda de Mosul e Raqqa vai causar muitos impactos econômico ao ISIS?

Com toda certeza. A maior parte da economia do ISIS depende de duas coisas: primeiro, seu poder de taxar e extorquir a população que controla dentro de seus territórios; segundo, seu comércio de petróleo. Em 2016-2017, o ISIS perdeu 57% de seu território e 73% da população sob seu controle, então, sem dúvidas, as finanças serão afetadas a longo prazo. Vale lembrar que um dos principais traços do Estado Islâmico é justamente sua capacidade de ter um território — e agora, à medida que o perde, acredito que isso vá causar problemas financeiros, e suas atividades podem se tornar dependentes de fundadores e doadores.

O Ocidente e o governo iraquiano estão tratando a retomada de Mosul como uma grande vitória contra o Estado Islâmico. Já é hora de comemorar? 

A história nos mostrou diversas vezes que devemos ser cautelosos com esse tipo de declaração e com discursos de vitória. Ao mesmo tempo que, com certeza, o colapso do Califado físico do ISIS é uma grande conquista, devemos ter em mente que a ideologia por trás dele não vai ser facilmente derrotada. Pelo contrário, temo que talvez a queda do califado signifique que o ISIS simplesmente vai mudar de tática, mudando para uma posição mais clandestina, mais capaz de causar morte e destruição. E sobre os ataques na Europa, isso é um risco também.

Sem Mosul e Raqqa, a partir de agora, quais serão as principais regiões de força do ISIS? Quais serão seus próximos passos?

Há muitos aspectos a serem considerados. Primeiro, precisamos pensar sobre os combatentes do ISIS que saíram de zonas de guerra e se mudaram para todo o Oriente Médio e o Norte da África, espalhando sua ideologia radical por basicamente todo o globo. Serão precisos esforços sérios para impedi-los de se misturar com a população comum e conduzir operações clandestinas, ataques, ou até mesmo de avançar em direção à Europa. Em segundo lugar, o ISIS tem muitos braços, nas Filipinas, na Nigéria, na Somália, no Paquistão etc., e todos esses grupos juraram lealdade ao al-Baghdadi [líder do Estado Islâmico] e são mais do que capazes de conduzir operações destrutivas sozinhos. Além disso, o problema dos chamados “lobos solitários” está sempre presente, e é obviamente muito difícil de tratar. Em terceiro lugar, atividades criminosas talvez se intensifiquem. O DEA [Agência de Combate às Drogas dos Estados Unidos] confirmou recentemente que o ISIS está envolvido com o tráfico de drogas no Sinai e nos Balcãs em direção à Europa. Considerando a perda de território e a diminuição das receitas, o ISIS talvez recorra mais e mais a esse tipo de comércio. E por fim, o ISIS deve focar as atenções numa atividade online ainda mais intensa. O grupo já mostrou que tem um gosto pela internet, e não há razão para acreditar que isso será impactado pelas perdas geopolíticas.

O quão importante é o papel desse marketing na internet para o ISIS e para os demais grupos terroristas? Essa é uma de suas principais armas?

Essa capacidade de usar ferramentas sofisticadas de propaganda, vídeos de alta qualidade, e a constante presença na internet realmente fizeram diferença para o ISIS. É difícil precisar exatamente quanto, mas é evidente que causa um efeito. Temos que lembrar que organizações terroristas tradicionalmente precisaram se esforçar para monopolizar a narrativa e apresentar sua versão dos fatos para audiências mais suscetíveis. Antes da internet (com as redes sociais), era muito mais difícil fazer isso; hoje, eles podem facilmente alcançar todo mundo ao redor do globo.

Dentre os grupos terroristas, podemos dizer que o ISIS foi um tipo de pioneiro nesse uso da internet e das redes sociais?

Podemos sim dizer que o ISIS foi sim um pioneiro. Não consigo pensar em uma organização terrorista antes deles que tenha investido nesse tipo de recursos, com propaganda em vídeos de alta resolução, para citar um exemplo. E a linguagem desses vídeos também mudou ao longo do tempo: no começo, eram majoritariamente em árabe, o que mostrava uma tentativa inicial de controlar a narrativa no Oriente Médio, ou pelo menos, entre a população que falava árabe. Então, eles progressivamente começaram a adotar o inglês, e isso é uma mostra da tentativa do ISIS de influenciar as narrativas fora do Oriente Médio e alcançar qualquer pessoa que tenha um laptop e um conhecimento básico de inglês.

E como combater a propaganda online dos grupos extremistas? O Reino Unido, por exemplo, aprovou no ano passado uma legislação muito rígida e polêmica sobre segurança na internet. E depois dos ataques a Londres, a premiê britânica, Theresa May, disse que a internet tem de parar de ser “um lugar seguro” para terroristas.

Isso levanta uma questão inacreditavelmente difícil e delicada, que é o equilíbrio entre segurança e direitos civis. Em todo o mundo ocidental parece haver um debate sobre isso: como prevenir os terroristas de se comunicarem, de espalharem mensagens violentas e de radicalizarem pessoas pelo mundo, e, ao mesmo tempo, garantir que a privacidade dos cidadãos seja respeitada? Um exemplo é a criptografia. O governo americano pediu à Apple uma ferramenta para descriptografar mensagens, o que a empresa se recusou a fazer, porque isso permitiria que o governo acessasse virtualmente qualquer mensagem em qualquer celular. É difícil encontrar uma solução para essa questão, mas meu ponto de vista é que, primeiro, é preciso uma ampla cooperação entre a sociedade civil (sobretudo as empresas de tecnologia) e os governos para monitorar e conter o extremismo online. Em segundo lugar, autoridades religiosas precisam fornecer uma narrativa uniforme que possa contrariar a dos grupos extremistas islâmicos. Somente quando uma contra-mensagem tão efetiva quanto a do ISIS for fornecida, sua propaganda online poderá ser paralisada — ou, pelo menos, enfraquecida.

Além do ISIS, com quais outras ameaças terroristas no Oriente Médio é preciso se preocupar no momento?

Estamos tão focados no ISIS que é fácil esquecer a infinidade de outros grupos que controlam a região. É importante atentar para o al-Nusra (ex-braço da al Qaeda), que é atualmente o maior e mais poderoso grupo terrorista da Síria. Esses jihadistas também têm apoio dos árabes não-sírios (como a Arábia Saudita) e dominam uma coalizão de 64 facções. Embora nem todas essas facções tenha ambições territoriais como o al-Nusra, isso dá uma boa ideia de que tipo de problema estamos enfrentando nesse momento. Será preciso um esforço gigante, tanto político quanto militar, para cortar as fontes de financiamento desses grupos.

Se concluirmos que o ISIS realmente sai parcialmente derrotado com a perda de seu califado físico, isso significa que o terrorismo como um todo se enfraqueceu?

Duvido que seja o caso. Temos nos deparado com ameaças terroristas há décadas e, embora elas possam ser contidas e enfraquecidas, não podem ser eliminadas. Veja o que aconteceu depois da Guerra ao Terror.

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