EXAME.com (EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 4 de setembro de 2013 às 13h32.
O americano Michael Porter é hoje a maior referência mundial em estratégia. Professor da Harvard Business School, onde coordena um programa para presidentes de empresas que faturam mais de 1 bilhão de dólares, ele também gerencia na universidade o Instituto para Estratégia e Competitividade (um renomado centro de estudos de políticas públicas) e é diretor do ranking de competitividade de nações do Fórum Econômico Mundial.
Em meio a aulas e consultorias a dezenas de empresas e países, como Nova Zelândia, Taiwan e Líbia, Porter também tem investido parte de seu tempo pregando sobre um tema que, segundo ele, ganhará cada vez mais relevância para as empresas: a responsabilidade corporativa. Ele escreveu o primeiro artigo exclusivamente sobre o assunto em 1999.
O mais recente deles, publicado pela Harvard Business Review no final de 2006, foi eleito por um júri de críticos como o melhor da publicação no ano. Em todos eles, Porter bate na mesma tecla: as empresas estão perdendo dinheiro porque ainda não aprenderam a enxergar a responsabilidade corporativa como algo estratégico. Numa visita ao Brasil, ele falou com exclusividade a EXAME sobre por que quebrar essa barreira será crucial para a sobrevivência das companhias no futuro.
EXAME Há alguns anos o senhor afirma que as empresas encaram a responsabilidade social corporativa como um simples instrumento de relações públicas ou de marketing. Por quê?
Michael Porter - Eu diria que a área de responsabilidade social passou por dois estágios. O primeiro deles foi o da reação a pressões políticas, quando as empresas se viram forçadas a dar respostas para questões que elas não pensavam ser sua responsabilidade. Há muitos casos emblemáticos desse período.
Um deles é o da Nike, que no início da década de 90 passou a ser vítima de um boicote por parte de consumidores no mundo todo ao ter sua relação com fornecedores na Indonésia escancarada pela imprensa. As empresas estavam sendo criticadas, e isso gerava uma péssima publicidade. Elas passaram então a desempenhar algumas ações -- mas não de maneira voluntária. Veio o segundo estágio, que teve início há cerca de cinco anos, quando as companhias começaram a perceber que a responsabilidade social poderia ser algo positivo e que valeria a pena ser proativo. Elas passaram então a enxergá-la como um instrumento para a construção de uma imagem.
Por que as empresas têm dificuldade para sair desse estágio?
Porter - Normalmente, as companhias têm uma estratégia econômica e uma estratégia de responsabilidade social, e o que elas devem ter é uma estratégia só. Na década de 90, escrevi um artigo para a revista Scientific America que explicava como a empresa seria mais competitiva se cuidasse do meio ambiente. Fui duramente criticado. Hoje, sabe-se que existe um universo de oportunidades aí. A mesma lógica vale para outros temas, que já foram mais digeridos pelas companhias, como investimento em treinamento e segurança.
O que o senhor sabe sobre o movimento de responsabilidade corporativa no Brasil?
Porter - Assim como no resto do mundo, diria que a maioria das empresas brasileiras está no segundo estágio. Não posso fazer uma análise profunda, mas o que me parece é que as empresas são muito generosas e investem muito dinheiro em suas ações. No entanto, fazem muitas coisas ao mesmo tempo, e poucas delas me parecem estratégicas. Na maioria dos casos, essas ações são motivadas por culpa, para melhorar a imagem, porque no Brasil existe uma grande preocupação com eqüidade social.
O senhor afirma que as empresas devem priorizar as questões sociais às quais vão se dedicar. Por quê?
Porter - Tenho a sensação de que há muito destaque para "quanto" se gasta e pouco para "como". Veja a Petrobras. A empresa é muito generosa no volume de recursos que destina à sua estratégia de responsabilidade corporativa e embarca numa miríade de questões sociais.
Trata-se de um exemplo típico de companhia que espalha seu dinheiro por toda parte na tentativa de ser socialmente responsável. A Petrobras combate o analfabetismo, a fome, incentiva a cultura. E no meio de tudo isso há algumas jóias, projetos relacionados a meio ambiente, biocombustíveis -- que são as áreas nas quais sua atuação pode realmente ter um impacto maior. Podemos analisar outras companhias brasileiras e veremos o mesmo padrão de comportamento.
Mas não são causas nobres?
Porter - São todas causas muito nobres, mas deixam claro que há falta de foco estratégico. Um banco deve ajudar a população de baixa renda a poupar, a financiar moradia, porque é disso que ele entende. Apoiar uma companhia de dança é uma questão social genérica para uma empresa de energia, mas pode se transformar num diferencial competitivo para uma empresa de cartão de crédito, que lucra com o aumento dos gastos dos consumidores em entretenimento.
O senhor afirma que as empresas têm se tornado reféns dos diferentes públicos que exercem influência na sua gestão, os chamados stakeholders. Elas superestimam a influência deles?
Porter - As empresas são muito sensíveis a opiniões externas. E é claro que as visões de alguns stakeholders sobre o negócio são importantes. O que precisa ficar claro é que esses grupos nunca vão entender com profundidade um negócio. As empresas devem ficar atentas para não ceder à pressão de alguns grupos e passar equivocadamente a acreditar que aquela causa é a mais importante para ela ou para o mundo.
Companhias que estabelecem uma estratégia de responsabilidade social simplesmente para aplacar coerções de determinados stakeholders caem numa armadilha: passam a trabalhar para reagir aos ataques, e isso não gera benefícios para o negócio ou para a sociedade. Muitas ONGs que pressionam as empresas, por exemplo, estão mais interessadas em chamar a atenção da mídia para elas do que conseguir algum progresso em relação a um tema.
Já há empresas que conseguem adicionar uma dimensão social à estratégia e ganhar dinheiro com isso?
Porter - O varejista americano Whole Foods é um excelente exemplo. A proposição de valor da empresa é vender produtos orgânicos ou naturais para consumidores que se preocupam com a comida que ingerem e com o meio ambiente. E as questões sociais que permeiam essa proposição de valor é que permitem que ela tenha uma posição única no varejo.
A empresa prioriza a compra de fornecedores locais, não coloca nas gôndolas alimentos que contenham algum dos 100 ingredientes que ela considera nocivos à saúde humana ou ao meio ambiente e gerencia uma fundação que luta para que os animais sejam criados e abatidos de maneira digna, entre outras iniciativas. Ou seja, tudo que a empresa faz reforça a dimensão social de sua proposição de valor.
Mas o mercado em que o Whole Foods atua facilita esse tipo de ação, não?
Porter - Claro. Nem todas as empresas podem construir toda a sua proposição de valor em cima de questões sociais, como o Whole Foods. No futuro, porém, toda boa estratégia deverá incorporar algum elemento social, que a tornará única, mais difícil de ser copiada. A GE está tentando fazer isso com a Ecomagination e sua linha de produtos verdes.
A Unilever também, ao tentar criar produtos e sistemas de distribuição para atender consumidores de baixa renda. E o importante é que isso seja real, e não marketing. Você percebe todos esses aspectos sociais do Whole Foods ao entrar em qualquer loja. Por isso, o que importa não é o que você diz, quanto gasta ou quantas pessoas apóia. O importante é o resultado. Se o que sua empresa faz provoca impactos reais, ela acabará ganhando notoriedade.
Recentemente, o senhor afirmou que o aquecimento global deve alterar radicalmente o cenário corporativo, a exemplo de fenômenos como a globalização e a revolução tecnológica. As empresas estão preparadas?
Ainda há muita incerteza sobre o que realmente está acontecendo com o planeta, mesmo com toda a veemência do ex-vice-presidente americano Al Gore. O que deve estar claro para as empresas, porém, independentemente do que a ciência diga sobre o aquecimento global estar em curso ou não, é que é melhor que elas se comportem como se o fenômeno estivesse acontecendo.
E a primeira lição a ser tirada disso é que economizar energia e minimizar o desperdício é bom. Bom para a empresa, bom para a sociedade. A segunda é que os custos das emissões de gases causadores do efeito estufa vão subir. E esses dois fatores são fortes o suficiente para reconfigurar toda a estrutura das corporações globais.
De que maneira?
Porter - Hoje, uma empresa compra peças na China, que são então enviadas a Cingapura, que vão para os Estados Unidos e que voltam para a China como produtos acabados, para ser consumidos. Como movimentar-se vai ficar muito caro, um fluxo como esse se tornará inviável. Pense no próprio comércio eletrônico. Não entendo como as pessoas não perceberam que comprar pela internet é uma das ações mais ecologicamente incorretas hoje. Antes você ia até a livraria comprar um livro.
Hoje, você acha mais prático encomendar um livro da Amazon, e esse pequeno pacote faz toda a viagem dos Estados Unidos para o Brasil. Dentro de um cenário de aquecimento global, isso não me parece muito eficiente. Por isso, acredito que a maneira como as empresas organizam sua logística e sua relação com fornecedores vai mudar drasticamente. As empresas serão forçadas a voltar a comprar localmente. Muitos dos modelos de negócios que hoje consideramos eficientes não permanecerão assim por muito tempo e terão de ser reinventados.