Papa Francisco em visita a Cuba (REUTERS/Alexandre Meneghini)
Da Redação
Publicado em 22 de setembro de 2015 às 22h55.
Havana - Francisco, o papa latino e diferente, concluiu nesta terça-feira sua primeira visita a Cuba com mensagens para a reconciliação, não só com os Estados Unidos, mas também entre os cubanos da ilha e de fora dela, com uma linguagem prudente e controlada, pensada para não incomodar setor algum da sociedade.
No entanto, analistas e intelectuais consultados pela Agência Efe concordaram que há "mensagens subliminares", de tom mais político, nas palavras de Francisco, como seu apelo para que o homem seja colocado acima das ideologias, em um país onde as estruturas de poder são controladas por um partido único.
Sua menção a uma "revolução com ternura" na homilia no Santuário da Virgem da Caridade do Cobre, em Santiago de Cuba, cidade considerada o berço da Revolução cubana, ou o apelo no discurso aos jovens à "amizade social" e a respeitar quem pensa diferente, também não foram à toa.
"Certamente existe uma intenção nas entrelinhas. Identificou alguns dos problemas que Cuba tem. É um discurso muito pertinente e ele o fez de propósito", afirmou à Efe o ex-diplomata e acadêmico cubano Carlos Alzugaray, que acredita que o papa também tentou melhorar a imagem da Igreja em Cuba com os não fiéis.
Segundo Alzugaray, o papa está capitalizando o apoio que conseguiu com a reaproximação de Cuba com os Estados Unidos para consolidar os espaços que a Igreja Católica cubana foi ganhando nos últimos anos, já que em seus discursos incidiu em questões como o serviço e a ajuda aos necessitados, "valores compartilhados pela revolução e a doutrina social da Igreja".
"Aqui, em Cuba, questões importantes como o aborto e o divórcio são evitadas porque já estão superadas há anos", indicou.
O restabelecimento de relações entre Cuba e Estados Unidos, um processo histórico que foi mediado por Francisco, foi o pano de fundo da visita à ilha, inserida em uma viagem que continua justamente em solo norte-americano em um momento em que ambos os países, após a abertura formal de suas embaixadas, estudam como normalizar de uma vez por todas os vínculos rompidos em 1961.
As mensagens de Francisco pedindo união e conciliação aos governos de Cuba e Estados Unidos, a católicos e não católicos, e entre cubanos, incluindo a dissidentes; deixaram um sabor agridoce entre alguns representantes da dissidência interna, que estiveram à margem de qualquer evento do pontífice e não foram mencionados em seus discursos.
Embora não tenha tido um encontro programado do papa com eles, o núncio Giorgio Lingua convidou três mulheres dissidentes para encontrar o papa no sábado na sede da Nunciatura: a líder das Damas de Branco, Berta Soler; a analista política Marta Beatriz Roque; e a jornalista independente Miriam Leiva. O encontro nunca aconteceu. Todas elas foram detidas a caminho da reunião.
Marta Beatriz e Miriam foram novamente convidadas para um ato no domingo na Catedral de Havana, mas foram detidas outra vez algumas horas depois em uma tentativa de impedir a presença de ambas na missa.
Nenhum representante do Vaticano falou sobre o tema e, perguntado sobre o assunto, o porta-voz da Santa Sé, Federico Lombardi, confirmou que estava marcada "uma saudação" das três reconhecidas opositoras com o papa, mas falou que não tinha "nada a dizer" sobre as detenções.
Miriam Leiva disse à Efe que, apesar de o encontro não ter acontecido, o simples convite já foi "um gesto positivo de consideração com um setor da sociedade que é reprimido só por pensar diferente". Ela também disse que os discursos do papa foram permeados por algumas mensagens subliminares que pedem uma "maior abertura e participação da sociedade civil" e a consolidar os espaços conseguidos pela Igreja Católica
"Ele fala de forma delicada, mas não deixa de dizer. Não diz de forma abrupta para que sua mensagem seja aceita", explicou Miriam, que apreciou a "inteligência" de Francisco que soube adaptar suas palavras "à linguagem e ao vocabulário de Cuba".
A prudência do papa em seus discursos, sem menções explícitas à dissidência, os direitos humanos e liberdades fundamentais, é interpretada como uma tentativa de não prejudicar os esforços do Vaticano na aproximação com Estados Unidos, nem a boa sintonia que agora reina entre o governo de Raúl Castro e a Igreja Católica.
Dezessete anos depois da visita de João Paulo II à ilha, quando pediu que "Cuba se abrisse ao mundo e o mundo se abrisse a Cuba", sua solicitação começa a se tornar realidade em um país que atualiza seu modelo econômico apoiado no investimento estrangeiro e que conseguiu um diálogo fluído tanto com os americanos quanto com a União Europeia.