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Os ventos da mudança em Teerã

O Irã, na teoria, não é mais o mesmo. Em janeiro, chegaram ao fim dez anos de sanções à exportação de petróleo e às transações financeiras do país, depois do acordo nuclear firmado em julho de 2015, o que suscitou uma onda de otimismo na população. Entretanto, embora o Irã esteja retomando rapidamente as exportações […]

ALI KHAMENEI: a pressão inflacionária levou a mudanças inéditas na política do país / Reuters
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Da Redação

Publicado em 7 de junho de 2016 às 12h21.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h39.

O Irã, na teoria, não é mais o mesmo. Em janeiro, chegaram ao fim dez anos de sanções à exportação de petróleo e às transações financeiras do país, depois do acordo nuclear firmado em julho de 2015, o que suscitou uma onda de otimismo na população.

Entretanto, embora o Irã esteja retomando rapidamente as exportações de petróleo, os iranianos ainda não sentiram uma melhora no poder aquisitivo. Eles dizem que os preços dos bens de consumo pararam de subir, mas ficaram estacionados num patamar muito alto, não alcançado pela média salarial da população, e que o ambiente continua desfavorável para os negócios. Um mergulho no dia a dia e nos dados da economia iraniana permite diferenciar o que é consequência das sanções e o que se deve simplesmente ao sistema político e econômico do país.

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De maneira geral, os iranianos ouvidos por EXAME Hoje concordam que, de janeiro para cá, os aluguéis em Teerã e os preços dos carros caíram, os preços dos alimentos permaneceram estáveis e a oferta de medicamentos aumentou. Mas os bens de consumo e os serviços continuam muito caros, e a maioria diz que o dinheiro que ganha não chega até o fim do mês. Quando entrevistados, sobretudo por jornalistas estrangeiros, os iranianos preferem não se identificar, com receio de problemas com as autoridades.

Um veterinário de 35 anos contou que tem uma renda variável de 50 milhões a 60 milhões de riales (de 5.882 a 7.055 reais), paga 14 milhões (1.646 reais) de aluguel e gasta 12 milhões (1.411 reais) com alimentação, para ele e a mulher. Situação mais ou menos parecida com a do diretor de uma construtora. Ele tem 36 anos e ganha cerca de 50 milhões de riales por mês, paga 12 milhões de aluguel e gasta 14 milhões com alimentação. Sua mulher, de 30 anos, trabalha numa escola de cursos preparatórios para exames e ganha 17 milhões de riales (1.999 reais) por mês.

Como em outros lugares, a situação dos aposentados e professores é pior. Um professor aposentado de 57 anos diz que teve de voltar a trabalhar por causa da crise. Ele ganha 14 milhões de riales (1.646 reais) de aposentadoria e somente com alimentação para ele e sua mulher gasta 7 milhões, além do aluguel, que consome outros 8 milhões, superando o benefício que recebe. Para complementar a renda, ele está dando aulas num colégio particular, que lhe paga cerca de 10 milhões de riales (1.162 reais).

Antes, a folga era maior

A classe média urbana iraniana tradicionalmente tem uma vida não de luxo, mas confortável. A pressão inflacionária levou a um nível de descontentamento que forçou o conservador líder espiritual Ali Khamenei a permitir a eleição em 2013 do presidente moderado Hassan Rouhani, abrindo caminho para o acordo nuclear com o chamado P5+1 (os cinco membros do Conselho de Segurança da ONU — Estados Unidos, França, Inglaterra, Rússia e China — mais a Alemanha), em junho do ano passado. Mesmo com o orçamento apertado, a classe média iraniana está aliviada, porque os preços pararam de subir. Os entrevistados contam que, antes do término das sanções, o preço do pão podia dobrar no prazo de uma semana, enquanto noutra era a vez do leite e dos derivados, por exemplo. Agora não tomam mais esses sustos.

As exportações de petróleo demoraram um pouco a decolar, mas as estimativas são de que tenham aumentado 60% em maio, em relação ao mesmo mês do ano passado, subindo de 1,3 milhão para 2,1 milhões de barris por dia. As encomendas europeias atingiram a metade dos níveis anteriores às sanções de 2006. A demora na retomada tem a ver com o tempo necessário para firmar contratos de venda e também com a necessidade de recuperar a frota dos petroleiros. Dos cerca de 60 navios-tanque pertencentes ao Irã, 20 precisavam de reparos em abril, segundo fontes do setor ouvidas pela agência Reuters.

O país encontra dificuldades para contratar navios estrangeiros, não só porque há uma forte demanda global por petroleiros mas, principalmente, pelo receio de fazer negócios com o Irã. Os Estados Unidos continuam proibindo transações com o Irã em dólares e o envolvimento de empresas americanas, incluindo bancos, em decorrência de outras sanções, impostas depois da Revolução Islâmica de 1979. É um grande problema para o comércio de petróleo e para a contratação de petroleiros, ambos cotados em dólares.

“Não existe um prêmio para fazer negócios no Irã e há muitas outras opções, os mercados estão movimentados, as tarifas estão boas”, observa Paddy Rodgers, diretor da Euronav, empresa de frete de navios-tanque. “Não quero abrir uma conta em euro num banco de Dubai para fazer comércio com o Irã. Seria loucura.”

De acordo com Michele White, conselheira da Intertanko, associação que representa empresas de navios-tanque, a relutância por parte dos associados em retornar ao comércio iraniano se deve à proibição do uso do sistema financeiro americano e do acesso a dólares. O fato de empresas americanas não poderem negociar com o Irã nem com empresas de outros países que o façam restringe drasticamente as opções de seguro para o transporte do petróleo iraniano.

Para completar, a Arábia Saudita, o grande adversário do Irã na região, proíbe a entrada de navios com bandeira iraniana em suas águas. E o Bahrein, aliado da Arábia Saudita e com rusgas próprias com o Irã, por causa de seu apoio às manifestações de xiitas contra a monarquia sunita, tem barrado o acesso a seus portos por navios que tenham atracado na costa iraniana em suas três últimas paradas.

Além disso, o Irã está voltando ao mercado no pior momento possível, por causa do excesso de oferta de petróleo no mundo e das eleições americanas, que introduzem um grau adicional de incerteza sobre os movimentos futuros das empresas.

Apesar de tudo, o Irã está recuperando parte da fatia de mercado que havia perdido, vendendo seus barris a preços mais baixos do que os da Arábia Saudita. Há informações de que os sauditas pretendem aumentar sua produção nos próximos meses para se contrapor ao aumento das vendas do Irã.

O petróleo é a face comercial de uma disputa geopolítica entre os dois países, cuja marca principal de diferenciação é a corrente xiita do Islã, professada pela maioria no Irã, e a sunita, na Arábia Saudita. Na Síria, no Iraque e em muitos outros lugares onde existem disputas entre sunitas e xiitas (ou, no caso sírio, sua derivação alauíta), o Irã e a Arábia Saudita patrocinam grupos armados de um e de outro. No Irã, muita coisa está mudando. Mas outras tantas continuam exatamente iguais.

(Lourival Sant’Anna)

 

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