Os canais de Suez e do Panamá estão na mínima histórica de comércio. Como isso afeta o mundo?
Relatório da ONU projeta aumento significativo nos custos operacionais e uma pressão inflacionária nos preços de alimentos e energia
Publicado em 29 de fevereiro de 2024 às 12h00.
Última atualização em 29 de fevereiro de 2024 às 12h01.
As rotas marítimas globais enfrentam uma crise sem precedentes, segundo relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD). O documento revela que os dois principais canais de comércio global, o Canal de Suez e o Canal do Panamá, registraram umadiminuição no trânsito de quase 50%por causa de conflitos armados e mudanças climáticas.
Em janeiro de 2024, foram registradas 1.338 embarcações no canal de Suez e 676 na rota do Panamá. No mesmo mês de 2023, eram 2.121 na rota de Suez e 1.115 no canal do Panamá. A redução começou a ser observada entre os meses de novembro e dezembro do ano passado, quando mais de 200 navios pararam de utilizar cada uma das rotas.
No caso do canal de Suez a redução acontece por causa de ataques dosrebeldeshouthis do Iêmen, apoiados pelo Irã, que desde o final do ano intensificaram atos de violência contra navios de carga. Oconflitos armados, aponta a Unctad, particularmente nos pontos de estrangulamento marítimo, interrompem diretamente as rotas de transporte. No caso do canal do Panamá, as mudanças climáticas contribuem para condições de navegação mais severas e imprevisíveis. Especialistas em economia marítima apontam para a necessidade urgente de adaptação às novas realidades climáticas e políticas para garantir a continuidade do comércio global.
Os dois canaisformam um importante corredor comercial que facilita o comércio entre grande parte da Ásia, do Médio Oriente e da Europa. Com os conflitos na região, os navios optam por um caminho mais longo ao redor do extremo sul da África, pelo Cabo da Boa Esperança, ao invés de seguir a rota mais curta.
A demora e aumento do custo do transporte de produtos pode provocar escassez e alta dos preços.
O declínio, que reflete a vulnerabilidade das rotas marítimas a choques externos, é acompanhado por um aumento significativo nos custos operacionais e uma pressão inflacionária sobre os preços de alimentos e energia,com implicações diretas na estabilidade econômica mundial.
Desde novembro de 2023, as taxas médias de transporte de contêineres de Xangai mais que dobraram, com alta de 122%, e triplicaram na Europa, com avanço de 256%. Na costa oeste dos Estados Unidos, a taxa está acima da média, em 162%, apesar de não utilizarem o canal de Suez.
Um exemplo concreto do impacto da queda de transito nos dois canais é oaumento do custo do trigo, essencial para a segurança alimentar mundial, cujo transporte é altamente dependente dessas rotas marítimas, segundo a ONU. Os países em desenvolvimento são os mais vulneráveis às perturbações de preços com esse cenário.
Como solução, o relatório da UNCTAD indica a necessidade de uma ação coletiva coordenada para mitigar os impactos, com o fortalecimento da coordenação internacional e o investimento em infraestrutura marítima resiliente, além de explorar rotas alternativas para diversificar as opções de transporte.
Iniciativas inovadoras, como o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis de navegação e a ampliação da capacidade dos canais existentes, são propostas como medidas essenciais para enfrentar os problemas atuais e futuras, de conflitos e mudanças climáticas.
Escalada do conflito no Mar Vermelho
A guerra do Iêmen está no centro do conflito no Mar Vermelho. O país mais pobre da Península Arábica enfrenta desde 2014 uma guerra civil entre o governo, apoiado desde 2015 por uma coligação militar liderada pela Arábia Saudita, e os rebeldes Huthis, apoiados pelo Irã, que controlam partes inteiras do país e a sua capital Sanaa.
Segundo a ONU, o conflito deixou direta ou indiretamente centenas de milhares de mortos e causou uma das piores crises humanitárias do mundo. Uma trégua negociada pelo órgão internacional em abril de 2022 trouxe esperança pelo fim do conflito, mas as hostilidades decorrentes do conflito em Gaza estão inviabilizando os esforços de paz.
Em apoio aos palestinos, os Huthis lançaram ataques contra navios que consideram vinculados a Israel. Em resposta a estas ações com consequências significativas para o transporte marítimo global, os Estados Unidos e o Reino Unido realizaram numerosos bombardeios contra as posições dos rebeldes iemenitas.