Guarda costeira do Iêmen patrulha o Mar Vermelho, onde navios cargueiros foram alvo de ataques (Khaled Ziad/AFP)
Editor de Macroeconomia
Publicado em 3 de janeiro de 2024 às 20h55.
Última atualização em 3 de janeiro de 2024 às 20h56.
Os ataques de rebeldes houthis do Iêmen, apoiados pelo Irã, no Mar Vermelho levaram 181 navios a desviar de rota -- contornando o continente africano -- desde que começaram até essa quarta-feira, 3, segundo a project 44, plataforma de visibilidade para cadeias de suprimentos. Na prática, o número de embarcações que passaram pelo Canal de Suez caiu 59% na semana de 24 a 31 de dezembro na relação com a semana antes dos ataques.
Em relatório, a plataforma diz que as embarcações têm de decidir se desejam prosseguir pelo canal após o aumento do risco, desviar ao redor da África ou ancorar e esperar até que a passagem pelo estreito seja segura. No total, 207 navios foram afetados: 181 desviaram o curso e 26 navios optaram por deriva — isto é, permanecer parados e tentar aguardar o fim do conflito.
"As previsões de ETA (horário estimado de chegada) da project44, baseadas em Inteligência Artificial, identificaram que a maioria dos navios desviados terá um aumento de sete a 20 dias no tempo de trânsito. Alguns dos navios que estão desviando aumentaram suas velocidades para ajudar a mitigar atrasos. Isso se traduz em um uso maior de combustível – logo, os preços do transporte marítimo podem aumentar", avalia a empresa.
Segundo a agência marítima da ONU, dezoito companhias de navegação decidiram modificar a rota de seus navios para evitar o Mar Vermelho.
"Um número significativo de companhias, cerca de 18 companhias de navegação, já decidiram desviar seus navios ao redor da África do Sul para reduzir os ataques a embarcações", afirmou o secretário-geral da Organização Marítima Internacional (OMI), Arsenio Domínguez
A project44 alerta para os riscos na região, como o aumento do tempo de trânsito de mercadorias, possíveis perturbações no abastecimento global de petróleo e problemas de fluxo de estoque de companhias.
Até o momento, não houve aumento do tempo de trânsito de mercadorias. E essa não é necessariamente uma boa notícia.
"Isso provavelmente significa que os contêineres que foram desviados, o que deve adicionar de 7 a 20 dias no tempo de trânsito, ainda não chegaram ao seu destino", avalia o relatório da project44. "Nas próximas semanas, à medida que os contêineres impactados começarem a chegar e a sair dos portos de destino, esse número aumentará consideravelmente."
Para a plataforma, uma forma de medir o potencial de aumento de traslado das mercadorias é avaliar as mudanças nos horários das transportadoras, que indicam os atrasos esperados.
"Do Sudeste Asiático para a Europa é onde há o maior impacto até o momento, com atrasos aumentando 105% da semana de 17 a 23 de dezembro para a semana de 24 a 31 de dezembro", diz o relatório. "Embarcações nessa rota devem chegar com um atraso mediano de quase 8 dias, enquanto da China para a Europa a chegada terá um atraso mediano de 4 dias, e do Sudeste Asiático para a Costa Leste dos EUA, a previsão é de um atraso de 2,5 dias. É possível que esses números aumentem à medida que as transportadoras continuem a atualizar seus horários de embarcações."
Outro risco avaliado pela project44 é no fluxo de fornecimento de petróleo. Em 2022, o Oriente Médio exportou diariamente 15,4 milhões de barris de petróleo — uma boa parte disso pelo Canal de Suez.
Segundo um comunicado de Estados Unidos, Austrália, Bahrein, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Alemanha, Itália, Japão, Holanda, Nova Zelândia e Reino Unido condenando os ataques na região, 15% do comércio internacional global por via marítima passa pela região atingida incluindo 8% do comércio global de grãos, 12% do comércio feito por via marítima de petróleo e 8% do com gás natural liquefeito.
"À medida que o conflito persiste, prevê-se uma grande interrupção no fornecimento do produto", diz o relatório da project44. Em dezembro do ano passado, por exemplo, a BP anunciou uma pausa em todos os embarques no Mar Vermelho, causando um salto nos preços do petróleo e gás.
Além disso, a projec44 aponta que o fluxo de estoque de empresas pode ser afetado. "O tempo adicional que esses embarques levarão não estava agendado quando os varejistas planejavam seu inventário, e após a temporada de compras de pico durante as Festas, é possível que os estoques se esgotem. Isso provavelmente será notado a partir de fevereiro", diz a plataforma.
Os ataques dos houtis aos navios trazem o risco de gerar uma escalada de conflito militar na região, como reflexo da guerra entre Israel e Hamas. No entanto, as chances disso ocorrer ainda são difíceis de estimar.
A Guerra do Iêmen ocorre desde 2014, e envolve Arábia Saudita e Irã. Os sauditas apoaim o governo do Iêmen, enquanto os iranianos apoiam os rebeldes.
O conflito começou depois que o governo reprimiu com força protestos contra medidas para cortar subsídios aos combustíveis. A situação foi escalando, até que manifestantes invadiram o palácio presidencial e forçaram o presidente Abdrabbuh Hadi a renunciar.
No entanto, Hadi reuniu forças militares e iniciou uma campanha para retomar o poder, com apoio dos sauditas. O confronto deixou mais de 150 mil mortos, segundo a ONU, e gerou uma crise de fome no país.
Durante os anos de conflito, houve ataques pontuais ao território da Arábia Saudita e a navios que passavam pelo mar Vermelho, mas sem maiores consequências. A região tem presença militar forte dos EUA, do Reino Unido e de outros países que possuem negócios na região e que não querem um conflito de grandes proporções ali.