Os americanos se foram: o que acontece agora no Afeganistão?
País amanhece pela primeira vez em vinte anos sem a presença americana; tropas de elite afegãs embarcarm com militares americanos e deixam no ar o futuro do país
Carla Aranha
Publicado em 31 de agosto de 2021 às 06h00.
Depois que os últimos aviões C-17 decolaram, nesta segunda, 30, levando os poucos diplomatas ainda estacionados em Cabul e as tropas dos Estados Unidos, em uma retirada antecipada, o Afeganistão amanhece pela primeira vez em vinte anos sem a presença americana.
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Entre 100 e 200 americanos ficaram para trás, além de pelo menos 100.000 afegãos que colaboraram com os Estados Unidos. O saldo para os afegãos é, ao menos por enquanto, o domínio do Talibã e uma crise humanitária que, segundo as Nações Unidas, deve provocar uma nova onda de refugiados no mundo.
"Ainda não são claros os impactos na política doméstica americana, mas a retirada pouco organizada e às pressas pode deixar uma imagem de um país que deixou de ser a polícia do mundo", diz o especialista em relações internacionais e políticas públicas afegãoSher Jan Ahmadzai, diretor do Centro de Estudos Afegãos da Universidade de Nebraska, nos Estados Unidos. Ahmadzai foi secretário especial de Hamid Karzai, presidente do Afeganistão entre 2001 e 2014.
A evacuação americana teve como palco um cenário desolador, com o Afeganistão tomado pelo Talibã e a ameaça de novos atentados. Na última quinta, 26, ataques na região do aeroporto de Cabul causaram a morte de mais de 180 pessoas, entre elas 13 militares americanos. Neste final de semana, as forças americanas lançaram mísseis em um bairro residencial de Cabul onde os responsáveis pelo atentado, reinvindicado pelo Estado Islâmico, estariam escondidos. Cerca de dez civis foram mortos, incluindo crianças.
"A retirada signfica o fim da guerra de quase vinte anos que começou logo após o 11 de setembro", disse o generalKenneth F. McKenzie Jr., líder do comando militar americano no Afeganistão, nesta segunda. O ponto final da ocupação americana no Afeganistão começou a ser costurado pelo ex-presidente Donald Trump e foi levado adiante por Joe Biden, ao ser anunciada no início deste ano.
Junto com as últimas tropas americanas, embarcaram comandantes militares afegãos que participaram da operação da evacuação e da segurança do aeroporto de Cabul. Com isso, o Afeganistão ficou órfão da elite de suas tropas que serviram ao governo deposto pelo Talibã no último dia 15.
A retirada dos EUA se deu em meio a uma escalada de tensões. Nesta segunda, o sistema anti-míssel das forças americanas em Cabul rebateu foguetes disparados contra o aeroporto da capital, onde as tropas americanas estavam concentradas. E permanece o alerta para novos atentados que podem acontecer nesta semana.
Segundo relatos da imprensa local, o Talibã começou uma perseguição a ativistas e pessoas que prestaram serviços para estrangeiros. Além disso, os centros de ensino passaram a separar meninos meninas em diferentes salas de aula, como preconiza a sharia, a lei islâmica, e mulheres estão sendo demitidas de seus postos de trabalho.
Até agora, poucos países levantaram a hipótese de reconhecer o Talibã como legítimo governante do Afeganistão. Apenas a China e a Rússia se pronunciaram mais formalmente a esse respeito, acenando para o Talibã. No vácuo deixado pelos Estados Unidos, que anunciou sua retirada do país no início do ano, o ministro de relações internacionais chinês, Wan Yi, e o líder de assuntos externos do Talibã, Abdul Ghani Baradar, se encontraram na China em julho para discutir o novo capítulo na história do Afeganistão.
O governo chinês pretende desenvolver projetos de infraestrutura no Afeganistão para que o país possa se conectar à Nova Rota da Seda, iniciativa de construção de portos, estradas e ferrovias que deve ligar a China ao restante da Ásia, Europa e África. As reservas de minério do Afeganistão também estão em jogo. Avaliadas entre 1 e 3 trilhões de dólares, grande parte permanece inexplorada, incluindo um mega depósito de cobre e de metais raros.
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