Mulher síria em Beirute: investigação da Human Rights Watch revelou dezenas de mulheres sírias escravas sexuais no Líbano (Spencer Platt / Getty Images)
Gabriela Ruic
Publicado em 3 de agosto de 2016 às 16h35.
São Paulo – Estima-se que existam hoje no mundo 21 milhões de pessoas vivendo em regime de trabalho forçado.
Elas têm diferentes origens e diferentes histórias, mas dividem um traço em comum: a situação de vulnerabilidade nas quais viviam e das quais quiseram fugir. Ludibriadas pela promessa de uma vida melhor, acabam presas em redes internacionais de tráfico, forçadas a trabalhar das mais variadas formas. Como escravas sexuais, inclusive.
Esse retrato sombrio, alertou a organização não governamental Human Rights Watch (HRW) em um relatório recente, é a realidade de centenas de mulheres sírias vivendo hoje no Líbano. De acordo com uma investigação da entidade, batidas policiais em prostíbulos libaneses têm revelado cada vez mais casos de refugiadas em situação de exploração sexual.
Em uma delas, realizada em março, 75 mulheres sírias foram encontradas sendo mantidas contra a vontade em dois estabelecimentos dessa sorte e ao menos 12 pessoas foram presas por tráfico sexual, um crime grave no país. Segundo o jornal britânico The Guardian, a rede descoberta naquela ocasião é a maior já vista no Líbano.
Os relatos divulgados pela HRW, contados por duas mulheres que viveram esses horrores, são de dar calafrios aos ouvidos mais sensíveis. Ambas viviam na Síria quando conheceram os traficantes.
Eles prometeram trabalho e casamento no Líbano, mas no momento em que chegaram ao país, foram aprisionadas em um bordel chamado Chez Maurice, tiveram seus celulares e passaportes retirados. Foram espancadas, estupradas e nunca receberam sequer um centavo.
Ao jornal The Guardian, a jovem síria identificada apenas como Rama contou em lágrimas tudo o que passou durante os nove meses em que foi escrava sexual nesse mesmo local. “Honestamente, eu não tenho mais fé depois do que aconteceu”, relatou, “quando era espancada dizia ‘Deus, por favor nos salve’ e apanhava ainda mais”.
Rama e as outras mulheres resgatadas do Chez Maurice relataram ter sido estupradas até dez vezes por dia. Eram amarradas em mesas, como se estivessem presas em um crucifixo, e chicoteadas com cabos. As virgens tinham os himens rompidos com uma garrafa e o sexo desprotegido era a regra.
Esse local, no entanto, não é desconhecido das autoridades do Líbano, como mostrou a investigação da HRW. Em 2011, uma operação revelou que menores de idade eram mantidas escravas no local, que foi fechado pelas autoridades, mas reaberto meses depois.
“O fato de o tráfico ter sido descoberto no Chez Maurice repetidas vezes nos últimos anos traz à tona dúvidas sobre a efetividade das autoridades”, disse Skye Wheeler, pesquisadora ouvida pela entidade. “O Líbano tem que rever a forma como lidou esse caso e como vem tratando do tráfico sexual”, disse.
Palco de uma intensa guerra civil entre rebeldes e tropas do governo de Bashar Al Assad, a Síria parece estar se desintegrando enquanto militantes do Estado Islâmico (EI) aproveitam o vácuo de poder para ampliar o controle no país.
A violência tem impactado com força a população síria, que batia a marca de 20 milhões antes do início da guerra em 2011. Estima-se que esse conflito tenha gerado ao menos 4,8 milhões de refugiados e 6,6 milhões de deslocados. O número de mortes é próximo de 500 mil.