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O ouro da agricultura cubana

Havana – Durante meses, os escritórios do governo de Havana e suas fazendas urbanas mais belas ficaram lotados de burocratas americanos, vendedores de sementes, executivos de empresas de alimentos e agricultores que passam as noites apreciando refeições preparadas com ingredientes muitas vezes importados ou contrabandeados em restaurantes aos quais a maioria dos cubanos não tem […]

FAZENDA EM CUBA: oásis da agricultura orgânica, o país tem uma oportunidade de ouro no mercado americano / Lisette Poole/The New York Times

FAZENDA EM CUBA: oásis da agricultura orgânica, o país tem uma oportunidade de ouro no mercado americano / Lisette Poole/The New York Times

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Da Redação

Publicado em 8 de julho de 2016 às 12h40.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h05.

Havana – Durante meses, os escritórios do governo de Havana e suas fazendas urbanas mais belas ficaram lotados de burocratas americanos, vendedores de sementes, executivos de empresas de alimentos e agricultores que passam as noites apreciando refeições preparadas com ingredientes muitas vezes importados ou contrabandeados em restaurantes aos quais a maioria dos cubanos não tem acesso.

Eles estão em busca dos negócios que podem surgir caso os Estados Unidos acabem com as restrições comerciais a Cuba: uma nova oferta de açúcar, café e produtos agrícolas tropicais e um novo mercado para as exportações americanas, que pode chegar a mais de 1,2 bilhão de dólares por ano em vendas, de acordo com a Câmara de Comércio dos Estados Unidos.

Porém, para algumas pessoas, a busca não está tão ligada ao dinheiro, mas sim ao que dizem ser a alma da agricultura cubana e seu modo de alimentação. “Os cubanos não se entusiasmam com um Burger King em cada esquina ou com a vinda da Monsanto”, disse a deputada americana Chellie Pingree, produtora orgânica.

Em maio, ela liderou uma coalizão de líderes do setor, chefs e investidores em uma viagem de cinco dias a Havana. Sua missão, em parte, era incentivar as autoridades locais a resistirem às tentações da produção e dos interesses agrícolas dos EUA, grandes e convencionais, e persuadir os cubanos a proteger e ampliar as práticas orgânicas em pequena escala, coisa que já faz parte da vida quotidiana da ilha.

Cuba é de fato um dos raros oásis de agricultura orgânica e sustentável. Por razões políticas, geográficas e filosóficas, o país foi forçado a abandonar grande parte de sua agricultura em larga escala e com ampla utilização de produtos químicos e substituí-la por uma rede de pequenas fazendas e métodos mais naturais.

Logo após a revolução de 1959, começou a enviar açúcar, tabaco e pesquisa para a União Soviética em troca de um suprimento constante de alimentos, equipamentos e produtos químicos agrícolas, mas, 30 anos depois, quando o bloco soviético desmoronou, os carregamentos chegaram ao fim.

Sem gasolina ou peças de reposição, os tratores ficavam parados nos campos. As colheitas apodreciam e o gado morria. Estudos mostram que o cubano médio perdeu mais de 6 quilos durante o que o presidente Fidel Castro chamou de “período especial em tempo de paz”. Com muitas fazendas estatais paradas, Castro pediu que a população aprendesse a cultivar alimentos sem produtos químicos. Os bois substituíram os tratores. Surgiram cooperativas de pequenas fazendas e novos mercados.

De fato, Cuba ainda importa de 60 a 80 por cento da sua comida, segundo estimativa do Departamento de Agricultura americano, e pouco ou nada é orgânico. Produtos químicos agrícolas são importados de outros países sem embargos comerciais. O governo detém cerca de 80 por cento da terra que a nação poderia usar para produzir alimentos, mas mais da metade permanece inativa. Não se sabe ao certo se a produção agrícola nacional seria qualificada como orgânica pelas normas dos EUA.

Mesmo assim, um movimento orgânico coeso está crescendo. De acordo com sua própria estimativa, Cuba tem quase 400.000 fazendas urbanas, sendo cerca de 10.000 pequenas produções orgânicas. O governo continua a arrendar terra aos agricultores independentes, mas exige que a maioria cultive alimentos para o Estado.

Espaço para todos 

Para o grupo de defensores de produtos orgânicos que veio para cá em maio, o sonho é ajudar Cuba a permanecer fiel a um estilo sustentável de agricultura, que rejeita produtos químicos e modificação genética. E acena com um incentivo: o mercado americano com fome de produtos orgânicos, disposto a pagar bem.

Embora apenas cinco por cento de todos os alimentos vendidos nos EUA sejam orgânicos, no ano passado essas vendas cresceram três vezes mais rápido do que as do mercado global de alimentos, de acordo com a Associação de Comércio Orgânico. Cuba seria uma nova fonte garantindo a demanda por açúcar, mel, frutas e outros ingredientes crus, todos orgânicos.

Além disso, a ilha também traria 11 milhões de novos clientes em potencial para a agricultura convencional. Poucos dias depois da saída do grupo de Chellie Pingree, a Coalizão Agrícola Americana para Cuba, que já trabalhava no país, voltou.

Fundado em 2015 para promover a normalização das relações americanas com a ilha, o grupo tem mais de 100 membros, incluindo corporações como a Butterball e a Cargill, e associações de commodities como refinarias de milho e produtores de soja e várias agências agrícolas estaduais.

A delegação voltou para casa com um acordo com Grupo Empresarial Agrícola de Cuba que visa restabelecer a ilha como um mercado para seus produtos. Na sequência, em 30 de maio, o governador do Missouri, Jay Nixon, anunciou que Cuba havia aceitado uma doação de 20 toneladas de arroz de grão longo cultivado em seu estado. A última remessa oficial de arroz dos EUA para Cuba foi em 2008.

Embora muitos na indústria orgânica vejam a coligação como uma ameaça à sua causa, seus líderes dizem que compartilham o mesmo objetivo: ajudar Cuba a prover seu alimento e melhorar suas práticas agrícolas. “Não há tensão, porque no final, trata-se de como o fazendeiro cubano vai aumentar sua produtividade e fazer suas próprias escolhas. O ponto-chave aqui é que há espaço suficiente para todos”, disse Devry Boughner Vorwerk, ex-executivo da Cargill que agora é diretor do grupo.

Doug Schroeder, produtor de soja de Illinois, também veio na viagem da coalizão. Seu estado envia aproximadamente 20 milhões de dólares em milho e soja para Cuba anualmente sob o conjunto complexo de regras que regem o comércio entre os dois países. Se os Estados Unidos acabarem com o embargo financeiro com Cuba, esse número poderia saltar para 220 milhões de dólares. “Se você multiplicar isso por todo o país e todas as vendas agrícolas, vê que é um grande negócio”, disse ele.

Aqueles que apoiam a agricultura orgânica dizem que há algo maior em questão do que apenas o comércio: adotar métodos de agricultura baseados em produtos químicos de grandes empresas agrícolas que têm visitado Cuba pode parecer uma proposta lucrativa, dizem eles, mas ameaçaria o potencial orgânico de milhares de hectares de terras não produtivas no momento.

“Esse sistema é coisa do passado. Nós somos a indústria do futuro”, Gary Hirshberg, presidente da empresa de iogurte Stonyfield Farm e um dos líderes no esforço para rotular alimentos com ingredientes geneticamente modificados, disse a autoridades cubanas durante a viagem de maio.

Porém, esse futuro, orgânico ou não, provavelmente ainda está longe. Os cubanos entrevistados durante a viagem organizada por Chellie disseram que seu país não estava preparado para lidar com uma enxurrada de novas transações comerciais. O sistema agrícola cubano permanece tão antiquado que até mesmo sementes e carrinhos de mão estão em falta. As regras para fazer negócios, mesmo para os agricultores e os interessados em montar mercados atacadistas, parecem mudar toda semana.

“Todo mundo conhece bem a realidade”, disse Laura Batcha, diretora-executiva da Associação de Comércio Orgânico. Schroeder, o produtor de soja, teve a mesma impressão. “Tenho a impressão de que não querem um Starbucks em cada esquina. Não querem ser o Havaí. Querem manter sua tradição, mas ao mesmo tempo, percebem que há muita necessidade.”

(Kim Severson/ © 2016 New York Times News Service)

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