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O experimento ultraliberal de Milei avança na Argentina?

Inflação limita o poder aquisitivo dos salários, e também atinge as receitas das empresas do país

Javier Milei, presidente da Argentina (Tomas Cuesta/Getty Images)
AFP

Agência de notícias

Publicado em 26 de janeiro de 2024 às 13h43.

Última atualização em 26 de janeiro de 2024 às 14h03.

As reformas radicais impulsionadas pelo ultraliberal Javier Milei desde que chegou à Presidência da Argentina, há 45 dias, enfrentam obstáculos políticos, econômicos e judiciais, aos quais se somou nesta semana uma greve geral.

O destino das reformas levanta dúvidas em vários cenários:

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A desvalorização de 50% e a liberação dos preços impulsionaram a já alta inflação, que fechou 2023 em 211% anual e, segundo analistas, em janeiro, igualará os 25,5% mensais de dezembro. O salário mínimo é de 150 mil pesos (US$ 172 dólares ou R$ 897) e a cesta básica para um lar de quatro pessoas custa 240 mil (US$ 277 dólares ou R$ 1.435).

A inflação corrói o poder aquisitivo dos salários, e também atinge as receitas das empresas.

As reservas monetárias internacionais aumentaram US$ 4 bilhões (R$ 19,6 bilhões), a US$ 25 bilhões (R$ 123 bilhões), graças ao aumento da arrecadação devido a uma alta nas exportações e a compras realizadas pelo Banco Central para reabastecer esse estoque de divisas.

O outro lado da moeda se observa no setor importador: a indústria automotriz, por exemplo, enfrenta dificuldades para juntar a quantia necessária para comprar as peças de que precisa no exterior.

O FMI recebeu com benevolência o ajuste de gastos que o governo realiza e acordou liberar um programa creditício de US$ 44 bilhões (R$ 216 bilhões) para a Argentina.

"Estamos tomando medidas que são desagradáveis e que vão contra nossas próprias convicções, como aumentar alguns impostos", disse o ministro da Economia, Luis Caputo, na quinta-feira.

Qual é a reação social?

Na quarta-feira, os maiores sindicatos do país organizaram uma greve geral que mobilizou dezenas de milhares de pessoas sob o lema "A pátria não se vende", primeira grande manifestação contra o ajuste fiscal e as reformas de Milei.

O governo minimizou o protesto, qualificou os sindicalistas de "mafiosos" e disse que manterá seu "norte": o déficit fiscal zero em 2024, através de drásticos cortes de gastos com "a casta política", que, segundo a oposição, afetam o funcionamento básico do Estado, aposentados e beneficiários da assistência social.

Várias pesquisas atribuem a Milei uma imagem positiva próxima à porcentagem que o levou ao poder no segundo turno de 19 de novembro, quando obteve 55,6% dos votos.

"O melhor cenário é que depois de 2023, que começou com 6% de inflação (mensal) e terminou com 25,5% e 211% de inflação acumulada, é que o ano de 2024 inicie na casa dos 22,5% e termine na faixa dos 6%, e que a inflação acumulada seja de 200", resumiu a economista Marina Dal Poggetto, diretora executiva da Eco Go Consultores.

Mas advertiu que a governabilidade é um dos vértices - junto com os programas de estabilização e reformas — que Milei precisa dominar, e este aspecto ainda é "um grande sinal de interrogação".

O que o Congresso debate?

Milei enviou a um Congresso muito fragmentado — seu partido é a terceira minoria — uma "Lei Ómnibus" de 660 artigos com reformas de leis e normas de todo tipo, cuja meta central é reduzir o papel do Estado e liberalizar ao máximo o sistema econômico.

Por causas das objeções da oposição, o governo retirou quase 150 reformas do texto, mas só conseguiu obter um pequeno apoio para debater a lei na próxima semana.

A oposição rejeita impostos a exportações regionais, diminuição de aposentadorias, o controle por parte do Executivo de um fundo de pensão de mais de US$ 20 bilhões (R$ 98 bilhões), privatizações e a delegação de faculdades legislativas ao governo.

A consultora Abeceb indicou em seu último relatório, em referência às medidas de Milei, que a "Argentina é um país com um longo histórico de reformas — de diferentes orientações —, quedas por falta de apoio político ou de consistência técnica", e advertiu sobre a "insegurança jurídica" que implica esta "mudança frequente de regras do jogo".

Por que a Justiça intervém?

A outra grande iniciativa política e econômica de Milei resumiu-se a um mega Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) de 366 artigos que o presidente ditou em dezembro e cuja validade a maioria dos constitucionalistas questionou.

"O DNU força limites aceitos pela Constituição, ou a viola diretamente. Dos 366 artigos, na metade não se entende qual é a circunstância excepcional que impede esperar o trâmite de uma lei", resumiu o constitucionalistas Félix Lonigro.

A Justiça já aceitou mais de 60 recursos contra o DNU apresentados por sindicatos, províncias, organizações e particulares. Algumas decisões suspenderam parte do mega decreto (seu capítulo trabalhista) e a Suprema Corte pode declará-lo inconstitucional definitivamente.

Antes, o Congresso deve analisar a "necessidade e urgência" do DNU, que pode ficar invalidado politicamente somente com a rejeição em ambas as câmaras.

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