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No Peru, a eleição da desconfiança — e que ninguém consegue vencer

Peru tem sido marcado pelas cicatrizes de esquemas de corrupção (muitos ainda da era Odebrecht) e impeachments seguidos. O país vai às urnas neste domingo

Yonhy Lescano em carreata: os cinco primeiros colocados nas pesquisas estão tecnicamente empatados (Sebastian Castaneda/Reuters)

Yonhy Lescano em carreata: os cinco primeiros colocados nas pesquisas estão tecnicamente empatados (Sebastian Castaneda/Reuters)

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Carolina Riveira

Publicado em 9 de abril de 2021 às 06h00.

Última atualização em 10 de abril de 2021 às 23h55.

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É difícil imaginar outro país em que as marcas da Lava-Jato tenham sido tão profundas quanto no Brasil. Mas os peruanos, que vão às urnas neste domingo, 11, podem discordar. Com todos os ex-presidentes recentes tendo sido presos ou processados por esquemas de corrupção, a maioria envolvendo negócios ainda relativos à Odebrecht, o país andino vive uma crise de confiança política quase sem precedentes.

Nas eleições deste fim de semana, o Peru escolhe presidente e 130 congressistas para o Legislativo. Só para o posto presidencial, há na urna nada menos do que 18 candidatos. Mas nenhum deles tem mais de 15% dos votos válidos e todos os cinco primeiros estão tecnicamente empatados.

Enquanto isso, o número de eleitores que diz não saber em quem votar passa de 30%. Sem um favorito claro, a disputa é uma incógnita. Estima-se que até seis candidatos tenham chance de ir ao segundo turno, em 6 de junho.

Em uma eleição recheada de candidatos tentando se vender como outsiders da política, os que lideram no pleito atual não tiveram cargo Executivo de destaque nos últimos anos. Quem liderava na última pesquisa publicada, há uma semana (exigência da lei eleitoral do Peru), era o congressista de centro-direita Yonhy Lescano, mas com somente 10% dos votos na pesquisa Ipsos/El Comercio.

Lescano se apresenta como um candidato que não se envolveu com as elites políticas (ele ficou quase uma década no Congresso sem partido) e promete, como todos, medidas anticorrupção.

Atrás dele, estão empatados a jovem ex-congressista e psicóloga Verónika Mendoza (9%), de esquerda, e o economista Hernando de Soto (9%), de direita.

Logo atrás, com cerca de 8%, há ainda nomes como a já conhecida direitista Keiko Fujimori (filha do ex-ditador Alberto Fujimori e também envolvida em escândalos de corrupção) e o ex-goleiro de futebol George Forsyth, de centro-direita.

Uma das promessas desta eleição há um ano era o militar aposentado Daniel Urresti que lançou mão de um discurso autoritário e promessas contra a corrupção, conseguindo se tornar o mais votado no último Congresso. No entanto, o mal desempenho como parlamentar praticamente minou suas chances na eleição. Na extrema-direita, outro nome com chances de ir ao segundo turno é o milionário Rafael López Aliaga, empresário e que promete combater o que chama de "a nova ordem marxista".

Em ordem, candidatos à presidência do Peru: a psicóloga Verónika Mendoza (de esquerda), o economista Hernando de Soto (direita), o ex-goleiro e ex-prefeito George Forsyth (centro-direita), o atual líder nas pesquisas, Yonhy Lescano (centro-direita), a congressista Keiko Fujimori (direita) e o empresário Rafael López Aliaga (extrema-direita) (Sebastián Castañeda and Ángela Ponce/Montagem/Reuters)

A eleição acontece ainda em meio a uma pandemia na qual o Peru viveu momentos trágicos. Devido a um começo desastroso no ano passado, o país de 33 milhões de habitantes é até hoje o com mais mortos por milhão na América Latina e o 17º no mundo (o Brasil é o 18º, segundo o portal Worldometers).

A segunda onda do coronavírus que já assola a América do Sul é ainda uma preocupação crescente, com o Peru tendo vacinado menos de 3% da população até agora.

Dança das cadeiras

A pandemia foi a gota d'água na já complexa crise peruana. Nos últimos quatro anos, o Peru teve quatro presidentes diferentes. O último eleito, o banqueiro de direita Pedro Pablo Kuczynski, venceu em 2016 prometendo reformas liberais. Terminou renunciando em 2018 após se envolver com escândalos de corrupção da Odebrecht e foi preso meses depois.

Desde então, uma montanha russa se seguiu. Após PPK, assumiu seu vice, Martín Vizcarra. Embora analistas apontem que o ex-presidente conseguiu alguns avanços no combate à corrupção - e muita briga com o Congresso -, Vizcarra terminou ele próprio sendo alvo de dois processos de impeachment por corrupção e "incapacidade moral", o último deles bem-sucedido, em novembro. (Após sua saída, eclodiu ainda novo escândalo, em que se descobriu que o ex-presidente e membros do governo tomaram vacina contra o coronavírus às escondidas.)

Os protestos têm acontecido desde o dia 9 deste mês, quando o então presidente, Martín Vizcarra, sofreu impeachment por parte do congresso peruano.

Protestos no Peru em novembro passado: mesmo os que não apoiavam Vizcarra foram às ruas contra Manuel Merino e o Congresso (Ernesto Benavides/Getty Images)

O impeachment, no entanto, foi mal recebido por parte da população. Manuel Merino, então presidente do Congresso e maior defensor do impedimento, assumiu na sequência, mas durou somente dias no cargo em meio a protestos que chegaram a deixar mortos e feridos nas ruas de Lima. Por fim, o atual presidente, Francisco Sagasti, de centro, terminou escolhido presidente por votação no Congresso, mas não se candidatou à presidência nas eleições deste mês.

Em artigo em espanhol para o jornal americano The Washington Post, o jornalista e analista político Jonathan Castro classificou o cenário político no Peru como um enredo de Game of Thrones, a série sobre reis e rainhas num mundo medieval fictício. Com todos os caciques da política expulsos do ringue nos últimos anos, a política do Peru tem sido tão sangrenta quanto um enredo de George R. R. Martin.

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