No Iraque, protestos seguem mesmo após renúncia do premiê
O Parlamento marcou para domingo uma nova sessão para discutir a situação, quando deve oficializar a saída do premiê Adel Abdel Mahdi, no cargo há um ano
AFP
Publicado em 30 de novembro de 2019 às 11h00.
Última atualização em 30 de novembro de 2019 às 11h01.
Nada parece impedir a contestação dos iraquianos . Manifestantes voltaram às ruas neste sábado, bloqueando estradas em Bagdá, capital iraquiana, e no sul, apesar da intenção do primeiro-ministro de renunciar e de centenas de mortes na violência.
O premiê Adel Abdel Mahdi, que governo o país há um ano, afirmou na sexta-feira que irá renunciar ao cargo, após quase dois meses de protestos. Contudo, ele ainda não deixou efetivamente o posto. O premiê já havia prometido renunciar em outubro, quando disse que só renunciaria quando tivesse um substituto.
O anúncio da potencial renúncia foi comemorado com fogos em Bagdá, mas não parou os protestos. "Continuamos o movimento, a renúncia de Adel Abdel Mahdi é apenas o primeiro passo, depois será preciso expulsar e julgar todos os corruptos", disse à AFP um manifestante em Diwaniya.
Os manifestantes estão revoltados contra o poder em Bagdá, que tem o apoio do Irã. O movimento de protesto começou em outubro e fez mais de 420 mortos e cerca de 15.000 feridos, a grande maioria manifestantes, segundo um balanço compilado pela AFP de fontes policiais e médicas.
Nesta cidade do sul, milhares de manifestantes reivindicam "a queda do regime", assim como nas cidades de al-Hilla e Kut, depois do apoio do grande aiatolá Ali Sistani. A mais alta autoridade xiita do Iraque pediu ao Parlamento que substituísse o governo de Abdel Mahdi.
Em Nassiriya, com os tiros das forças de segurança e o quartel-general da polícia incendiado pelos manifestantes nos últimos dias, uma espessa fumaça escura podia ser vista sobre a cidade. Manifestantes queimaram pneus às margens do rio Eufrates, enquanto centenas de pessoas ocupam uma praça no centro da cidade.
Na sexta e quinta-feira, em Nasiriyah e na cidade sagrada xiita de Najaf, também no sul, 67 pessoas foram mortas por disparos policiais e agentes à paisana. Em Najaf, os manifestantes incendiaram na quarta-feira o consulado iraniano, desencadeando uma nova onda de repressão. Na sexta-feira, homens à paisana dispararam contra jovens manifestantes que se aproximavam de um santuário sede de um partido, matando seis, segundo testemunhas.
Reunião domingo
Para os iraquianos, é preciso haver uma mudança no sistema político, estabelecido pelos Estados Unidos há 16 anos após a derrubada do ditador Saddam Hussein e agora sob o controle do Irã.
O manifestantes desejam o fim de um poder baseado em denominações religiosas e étnicas que fez prosperar o clientelismo. E, acima de tudo, uma renovação completa de uma classe política considerada incompetente e corrupta. Estudos apontam que a corrupção roubou do país em 16 anos o equivalente a duas vezes o Produto Interno Bruto local. O Iraque é segundo maior produtor de petróleo da Opep, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo.
O Parlamento marcou para este domingo uma nova sessão para discutir a situação. Na sexta-feira, o premiê Abdel Mahdi anunciou que "enviaria ao Parlamento uma carta formal na qual ele expressa sua intenção de renunciar, para que a Assembleia possa rever suas escolhas". A oposição quer votar a saída do premiê, e os paramilitares pró-Irã, até então apoiadores do primeiro-ministro, prometeram "mudança".
Foi após o apelo do aiatolá Sistani, figura tutelar da política no Iraque, que Abdel Mahdi disse que estava pronto para deixar o cargo. A renúncia também tenta impedir que o sul mergulhe no caos, com combatentes tribais armados para bloquear o caminho dos reforços policiais.
Em Bagdá, o Conselho Supremo do Judiciário anunciou que penas severas serão aplicadas àqueles que mataram ou feriram manifestantes. O nome do chefe do conselho, Faq Zeidan, circula como possibilidade para possível primeiro-ministro.
Após a repressão em Nasiriyah, o governo demitiu o comandante militar que acabara de nomear para "restaurar a ordem" e vários líderes locais se demitiram.
Em outra cidade sagrada xiita ao sul de Bagdá, Kerbala, manifestantes e forças de segurança se enfrentaram nas primeiras horas deste sábado. E em Bagdá, os confrontos entre a polícia e os manifestantes continuam.