Javier Milei, presidente da Argentina, durante evento em Buenos Aires em dezembro (Juan Mabromata/AFP)
Agência de notícias
Publicado em 8 de dezembro de 2024 às 06h00.
Um ano após chegar à Presidência da Argentina, Javier Milei coleciona alguns êxitos econômicos: a inflação diminui e as contas fiscais se equilibram, ainda que a um custo social alto. Resta saber o que vai prevalecer: o impacto do ajuste ou a recuperação econômica?
"Amo ser o espião dentro do Estado, sou aquele que destrói o Estado por dentro", declarou Milei em junho. Em sua visão, o Estado é "uma organização criminosa", que deve se limitar à macroeconomia, à segurança e às relações exteriores.
Assim, o presidente eliminou metade dos ministérios, paralisou obras públicas, fechou a agência estatal de notícias Télam e o Instituto contra a Discriminação, além de demitir mais de 30.000 funcionários públicos.
Já a inflação, um dos maiores desafios econômicos da Argentina, parece sob controle. Embora tenha sido de 193% ao ano, passou de 25,5% ao mês em dezembro de 2023 para 2,7% em outubro de 2024. É o menor patamar desde 2021.
É uma "melhora psicológica", disse à AFP Gabriel Vommaro, sociólogo da Universidade Nacional de San Martín. "Se a gente comparar a situação de 2024 com a de 2023, em algumas variáveis que têm a ver com a estabilização econômica, tanto da inflação com os preços relativos quanto com o dólar, há um êxito fundamental".
O governo manteve controles sobre a compra e a venda de divisas, impôs uma "lavagem" de capitais e interveio para fixar o preço do dólar, gerando rendimentos extraordinários para o setor financeiro.
Mas, "o custo econômico social foi grande; a pergunta fundamental é se são custos passageiros ou duradouros", acrescentou Vommaro.
"O que mudou é o que faltava: estabilidade, capacidade de planejar o futuro", disse à AFP Alejandro Reca, diretor-executivo da empresa de laticínios San Ignacio, principal exportadora de doce de leite do país. "Somos muito otimistas, estamos reativando uma série de investimentos que havíamos freado e estavam parados".
A outra face da moeda é uma recessão que, segundo projeções do Banco Mundial, fez a economia encolher 3,5% em 2024, com a queda vertiginosa do consumo e o derretimento dos salários e aposentadorias. A pobreza alcançou 53% da população no primeiro trimestre de 2024, um aumento de 11,2 pontos percentuais desde a posse de Milei.
Os ganhadores "são, sem dúvida, os setores vinculados às atividades primárias: petróleo, mineração, pesca, em certa medida o agro", resumiu Vommaro. "E o grande perdedor é o setor público em todas as áreas: saúde, educação, ciência e técnica, educação superior, mas também a administração pública".
Um fator inesperado poderia beneficiar a recuperação econômica: após a seca de 2022-2023, que custou cerca de 20 bilhões de dólares (cerca de R$ 97 bilhões, em valores da época), a primeira safra sob a gestão de Milei poderá ser uma das melhores da história.
Além disso, o Fundo Monetário Internacional (FMI) - ao qual a Argentina reembolsa o maior empréstimo já pago pela instituição - revisou em outubro as condições de um empréstimo de 40 bilhões de dólares (R$ 231 bilhões, em valores da época), com forte redução dos juros.
No campo político, Milei foi empossado com uma minoria no Congresso, mas conseguiu a aprovação de uma extensa lei de reforma do Estado e os votos para manter de pé seus decretos, enquanto a ex-presidente Cristina Kirchner assumiu a presidência do peronismo opositor e alimenta sua polarização com o chefe da Casa Rosada.
Mas socialmente, o panorama se complica, mesmo com as pesquisas de opinião mostrando um apoio ao presidente de cerca de 45%, ou até mesmo próximo a 50%, segundo dados recentes de algumas pesquisas.
O plano de ajustes, somado à "guerra cultural", provocou a mobilização de estudantes, aposentados, sindicatos, movimentos sociais, médicos e cientistas que protestaram durante todo o ano contra o governo.
Centenas de milhares de pessoas repudiaram, com livros nas mãos, os cortes na universidade pública; mulheres e representantes da diversidade se manifestaram contra o que percebem como discursos de ódio, e organismos de defesa dos direitos humanos lideraram uma mobilização contra o chamado negacionismo do governo sobre a última ditadura argentina (1976-83).
Na política externa, Milei se aproximou de Estados Unidos e Israel, comemorou a vitória de Donald Trump nas eleições americanas; demitiu sua chanceler, após um voto favorável a Cuba na ONU; e buscou se posicionar como um profeta do Ocidente contra "a hegemonia cultural da esquerda".