"O Estado não é religioso nem ateu. O Estado é simplesmente neutro. O direito não se submete à religião", disse o ministro (Renato Araujo/ABr)
Da Redação
Publicado em 11 de abril de 2012 às 16h50.
Brasília - O ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo em que o Supremo Tribunal Federal julga o direito das mães a interromper uma gravidez quando seu feto sofre de anencefalia (ausência de grande parte do cérebro), votou nesta quarta-feira a favor da descriminalização do aborto nestes casos.
A leitura durante duas horas e 15 minutos do voto do relator deu início a um julgamento que gerou grande expectativa no país por causa da radicalização entre os que defendem e os que se opõem à descriminalização do aborto.
Mello, com seu voto propício à descriminalização, foi o primeiro dos 11 magistrados do Supremo Tribunal Federal a se pronunciar em uma audiência que previsivelmente pode ser concluída no final da noite desta quarta-feira.
Antes do relator, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, apresentou um parecer consultivo no qual também defendeu o direito das mulheres a interromper sua gravidez em caso de fetos anencéfalos.
A legislação brasileira permite o aborto somente em casos de estupro ou de risco de vida para a mãe durante a gravidez.
Com a sede do Supremo Tribunal Federal cercada de manifestantes convocados pela Igreja Católica e organizações de defesa da vida para uma vigília contra a possível flexibilização do aborto, Mello lembrou que o Brasil é um Estado laico.
"O Estado não é religioso nem ateu. O Estado é simplesmente neutro. O direito não se submete à religião", disse o ministro.
"O que está em jogo é a privacidade, a autonomia e a dignidade humana destas mulheres. Elas têm que ser respeitadas tanto as que optam por prosseguir com sua gravidez como as que preferem interrompê-la para pôr fim ou minimizar um estado de sofrimento", acrescentou.
Mello esclareceu que seu voto defende uma 'antecipação terapêutica do parto', que considerou como algo diferente do aborto, e concordou com o parecer do procurador-geral da República no sentido de que as mães têm o direito de optar por interromper ou não a gravidez nestes casos.
O relator citou vários especialistas ouvidos pela máxima corte e que disseram ser muito limitadas as perspectivas de vida de um feto anencéfalo.
'A anencefalia configura uma doença congênita letal já que não há possibilidade de desenvolvimento da massa encefálica em momento posterior. O anencéfalo jamais se transformará em uma pessoa', afirmou.
Segundo o magistrado, o atendimento médico oferecido às mulheres nestes casos não se destina a 'cuidar de uma vida em potencial, mas de uma morte segura'.
Mello alegou que por não tratar-se de uma vida, a interrupção da gravidez nestes casos não atenta contra os direitos fundamentais. 'O aborto é um crime contra a vida. O Estado tutela uma vida em potencial. No caso do anencéfalo não existe vida possível', disse.
Ele também descartou que a descriminalização nestes casos pode ser interpretada como uma brecha para flexibilizar a legislação e permitir o aborto em casos de fetos com outras anomalias ou doenças.
"Não se trata de um feto com lábio leporino, sem membros, síndrome de Down, distrofia de bexiga ou cardiopatia congênita. Estamos tratando apenas da anencefalia", afirmou.