Malauí vive onda de linchamentos populares por medo de vampiros
Desde setembro, grupos de autodefesa mataram pelo menos nove pessoas suspeitas de terem bebido ou de terem tentado beber sangue humano em rituais
AFP
Publicado em 7 de dezembro de 2017 às 14h53.
Última atualização em 7 de dezembro de 2017 às 14h55.
Há semanas, relatos inverossímeis de ataques de vampiros têm gerado o caos no Malauí , onde grupos de pessoas enfurecidas lincharam até a morte supostos "chupa-sangue", forçando o Exército a intervir.
Em sua cidade, Ngolongoliwa (sul), Jamiya Bauleni conta sua surpreendente história a um grupo de crianças.
Aconteceu no dia 2 de outubro, durante a noite. "Vi uma luz em uma esquina da minha casa", explica esta mãe de família. "Vi uma corda suspensa e um fumaça me cercava. Tentei levantar da cama, em vão, e foi então que eu senti uma agulha atravessar o meu braço esquerdo".
Jamiya, de 40 anos, garante ter ouvido, antes de desmaiar, alguém pular do telhado. Em estado de choque, deu entrada em uma clínica e depois mandada para casa, "curada" com antibióticos.
Uma vizinha, Florence Kalunga, de 27 anos, afirma ter sido atacada na mesma noite. Dormia junto com seu marido quando viu a luz, "como um fogo". "Ouvi que a porta abria e senti uma agulha perfurando meu dedo", conta.
Esses testemunhos sobre a presença de vampiros agitam o Malauí, onde as crenças tradicionais continuam muito arraigadas na população. Os albinos, principalmente, são executados por seus órgãos, utilizados em rituais de magia negra.
Este último episódio veio de Moçambique, país vizinho. Segundo os rumores, os vampiros atravessaram a fronteira para recolher sangue humano, sob a aparência de um programa de ajuda à população. Dada sua rápida propagação, desta vez tomou um caminho especialmente violento.
"Mentira"
Desde setembro, grupos de autodefesa mataram pelo menos nove pessoas suspeitas de terem bebido ou de terem tentado beber sangue humano durante cerimônias de magia negra.
Em 30 de setembro, Orlendo Chaponda esteve a ponto de ser vítima desta caça de "monstros".
Nesse dia, dezenas de pessoas armadas com pedras e facões chegaram à sua casa perto de Mulanje (sul). Alarmado, Orlendo Chaponda conseguiu sair de seu domicílio e se refugiou na delegacia de polícia.
"Minha mulher os deixou entrar em casa para verificar se havia bebedores de sangue (...). Se tivessem me encontrado, poderiam ter me matado", diz.
Depois de apoderar-se do campo, os rumores sobre os vampiros chegaram a Blantyre, a capital econômica do país.
Em outubro, grupos de milicianos armados patrulharam os bairros mais pobres buscando vampiros. Uma pessoa foi queimada viva e outra apedrejada.
Diante dos acontecimentos, o presidente, Peter Mutharika, teve que intervir para denunciar "exemplos muito preocupantes de justiça popular". "Nada prova a existência de bebedores de sangue. É uma mentira que tem como objetivo desestabilizar a região", insistiu.
As autoridades enviaram reforços policiais e militares e impuseram um toque de recolher em vários distritos do país para devolver a calma.
"Atacando ricos"
A medida foi suspensa recentemente, mas o exército e a polícia continuam mobilizados, já que a tensão persiste.
No total, mais de 250 pessoas foram detidas no Malauí relacionadas episódios de violência pelos rumores sobre vampiros.
"As dificuldades econômicas e as desigualdades são o caldo de cultivo desses rumores e dessa violência coletiva", explica Anthony Mtuta, professor de Antropologia na Universidade Católica do Malauí. "Os pobres acham que os ricos são vorazes e que chupam o seu sangue".
Para Orlendo Chaponda, "se você tem um carro bonito, necessariamente passa a ser um chupa-sangue. Tudo isso está ligado ao analfabetismo e à pobreza".
O caos em algumas províncias obrigou a ONU a suspender suas missões durante algumas semanas.
Longe de parecer anedótica, essa desordem por causa dos vampiros começou a afetar a atividade dos distritos do sul do Malauí.
Desde meados de setembro, os turistas evitam a reserva florestal nacional de Likhubula (sul), para o desespero de um de seus funcionários, McDonald Kolokombe. "Aqui, a gente é guia, carrega bagagem, vende suvenires. Contamos com os turistas para viver", explica.