Nenhum dos dois principais concorrentes têm o fator mistério entre os eleitores. Pelo contrário, ambos já acumulam desgastes, avalia Marcos Calliari, CEO da Ipsos Brasil (Brian Snyder/Carlos Barria/Reuters)
CEO da Ipsos no Brasil
Publicado em 27 de junho de 2023 às 07h01.
A falta de frescor da próxima eleição presidencial dos Estados Unidos parece não agradar os eleitores norte-americanos. Pelo menos por ora, o cenário delineado para 2024 se assemelha muito ao de 2020, só que bem mais deteriorado. O presidente, Joe Biden, já se apresentou como o candidato à reeleição pelo Partido Democrata, e, no momento em que escrevo, o nome mais forte do Partido Republicano é o do antecessor de Biden, Donald Trump, que perdeu a disputa eleitoral quando ainda tinha a máquina pública na mão. Biden, no entanto, sai na frente em três cenários, mas com uma vantagem apertadíssima. Os dois nomes não trazem nada novo e falam em “terminar o trabalho que começaram”.
Além de 54% dos entrevistados desaprovarem a gestão atual, segundo o levantamento da Ipsos, pesa contra o presidente a sua idade. Apesar de ser apenas três anos mais velho que seu principal oponente, Biden, de 80 anos, tem seu vigor questionado por já ser o governante mais velho da história. Por consequência, esse temor joga parte das atenções à vice-presidente, Kamala Harris, pois eventualmente seria ela a Madam President.
Ainda assim, seria pior se Biden não concorresse à eleição, já que a possibilidade de emplacar um sucessor seria menor ainda. Explico: a Ipsos desenvolveu um modelo estatístico com base em pesquisas eleitorais feitas no mundo todo para avaliar a probabilidade de reeleição de um candidato, baseada na sua taxa de aprovação.
Por exemplo, se um presidente tiver 60% de aprovação com relação ao seu governo, sua chance de ser reeleito é de 98% ou a de conseguir eleger seu sucessor é de 71%. A aprovação de Biden está em 41%, o que lhe dá, mais ou menos, 55% de chance de se reeleger ou de 6% de emplacar um sucessor da sua escolha.
Antes de entrar mais em detalhes sobre os números da Ipsos sobre intenção de votos, cabe abrir um parêntese para mencionar as aspirações de Ron DeSantis, governador republicano da Flórida, de 44 anos de idade. Ele encarna ideais retrógrados como os de seu correligionário ao sancionar uma lei contra metas ESG e ao comprar uma briga com a maior empregadora da Flórida, a Disney, após a empresa de entretenimento se posicionar contra a lei estadual que proíbe as escolas de incentivar a discussão sobre orientação sexual entre crianças menores de 10 anos. Por que isso é relevante? Porque DeSantis é considerado o principal adversário de Trump dentro do Partido Republicano.
Voltando à pesquisa eleitoral feita com 4.415 pessoas no último mês, em um cenário Biden vs. Trump, 38% preferem Biden, contra 36% de Trump. Se fosse Biden vs. DeSantis, Biden teria 37%, mas seu principal adversário estaria a uma distância ligeiramente maior, com seus 33%. Já em uma possibilidade de DeSantis ser o candidato republicano, enquanto Trump sairia como independente, o cenário é: Biden, 37%; DeSantis 19% e Trump 22%. Isso não significa que o eleitor americano está satisfeito com as opções postas à mesa.
A rejeição é mais visível. Quando perguntados se Biden não deveria concorrer novamente à Presidência, 66% concordam. Quando a mesma pergunta é feita sobre Trump, 62% concordam.
Nenhum dos dois principais concorrentes têm o fator mistério entre os eleitores. Pelo contrário, ambos já acumulam desgastes. Enquanto Biden tem em suas costas questões administrativas, como a saída do Afeganistão, a economia afetada pelo aumento de juros tardio e o descontentamento dos eleitores negros – foram fundamentais para a vitória em 2020 – que não se sentem contemplados pelas políticas governamentais, Trump, por sua vez, está manchado por escândalos mais graves.
Ele, que em abril já havia se tornado o primeiro ex-presidente dos Estados Unidos a virar réu pelo Estado de Nova York em caso criminal por ser acusado de pagar propina pelo silêncio de duas mulheres que alegam ter tido um affair com ele e de maquiar contas eleitorais, se tornou réu pela segunda vez, agora em nível federal, em junho, por estar em posse de documentos secretos do governo após sua saída da Presidência.
O apoio a Trump entre os republicanos, porém, não se abalou com as condenações. É surpreendente o tamanho apoio, visto a gravidade das acuações. Contudo, é de certa forma justificável, já que o modus operandi do ex-presidente é o da pós-verdade. A Ipsos perguntou se as pessoas acreditavam que o ex-presidente removeu ilegalmente os documentos da Casa Branca e as guardou em sua casa em Mar-a-Lago. Enquanto, no geral, 27% dos entrevistados não acreditavam nisso, dentre os que não acreditavam 58% eram republicanos.
A discussão essencial para o resultado de uma eleição como essa passa inevitavelmente pela análise de quais serão as preocupações dos americanos no período que antecede a eleição – está mais do que documentado que a vitória está altamente correlacionada com a performance dos candidatos naquele determinado tema. E aqui lidamos com a existência de 'mundos paralelos' entre Democratas e Republicanos, que percebem a realidade de modo muito diferente.
De acordo com o levantamento da Ipsos, a economia é a principal preocupação entre democratas, republicanos e independentes. Mas enquanto republicanos se preocupam em segundo lugar com a imigração (17%), os democratas se preocupam, também em segundo lugar, com problemas relacionados à desigualdade e discriminação.
Se novembro de 2024 será uma continuação de 2020, ainda é cedo para afirmar, há muita água para correr até lá. Contudo, por enquanto, o cenário que se desenha é o de “mais do mesmo”, mas sem o calor do “auge” da polarização.