Mundo

Maioria na Argentina, mulheres rejeitam Milei e podem decidir segundo turno

Argentinas 'repetem' brasileiras e espanholas na rejeição à extrema direita, e campanha de Sergio Massa tenta capitalizar o sentimento antes da votação

Javier Milei, candidato na eleição presidencial argentina (Erica Canepa/Bloomberg/Getty Images)

Javier Milei, candidato na eleição presidencial argentina (Erica Canepa/Bloomberg/Getty Images)

Agência o Globo
Agência o Globo

Agência de notícias

Publicado em 29 de outubro de 2023 às 18h04.

Os candidatos que disputarão o segundo turno da eleição presidencial argentina em 19 de novembro, o peronista Sergio Massa e o ultradireitista Javier Milei, têm em comum a alta rejeição. De acordo com pesquisa da Universidade de San Andrés pouco antes do primeiro turno, de 68% e 53%, respectivamente.

Para Milei, o desafio é ampliar de forma expressiva seu apoio entre as mulheres. Elas resistem ao estilo intempestivo do candidato, a símbolos de sua campanha, como a serra elétrica, e a propostas como a defesa do porte de armas. Já o ministro da Economia tem dificuldade de cativar as novas gerações de eleitores que, sobretudo no interior, apontam analistas, construíram conexão emocional com Milei.

São 8,3 milhões de eleitores entre 18 e 29 anos, pouco mais de 24% do eleitorado. E 18,2 milhões de mulheres aptas a votar, mais do que os 17,6 milhões de homens — 1.075 eleitores se identificam como não-binários. O voto feminino, como nas eleições brasileiras de 2022 e nas espanholas deste ano, é decisivo na Argentina. E, como brasileiras e espanholas, as argentinas parecem resistir à direta radical.

O peronismo sabe disso e no último debate Massa foi direto ao ponto:

— Chega, Javier, deixe de desrespeitar as mulheres. Elas podem pensar diferente, mas têm esse direito.

Pesquisas realizadas antes das primárias de agosto e do primeiro turno mostram que o voto feminino é um problema para o candidato do partido A Liberdade Avança, que ficou em segundo lugar domingo passado, com 29,98%, contra 36,68% de Massa. De acordo com a empresa de consultoria Opina Argentina, Milei tem 35% de apoio entre homens e 20% entre mulheres. Outra pesquisa, da Hugo Haime e Associados, mostra que entre os homens o candidato da direita radical tem 45% de imagem positiva e 52% de negativa; já entre as mulheres, o admirador de Jair Bolsonaro e Donald Trump tem 33% de positiva e 64% de negativa.

— A falta de apoio das mulheres explica a dificuldade de Milei em crescer. Entre as primárias e o primeiro turno ele conseguiu apenas 700 mil novos votos. Massa, mais de 3 milhões — aponta Haime. Para o analista político , “a violência que Milei transmite causa repulsa em muitas mulheres”.

A equipe de campanha do candidato peronista tem focado na rejeição feminina a Milei, sobretudo nas redes sociais. Foram produzidos mais de 200 vídeos que circulam em plataformas como TikTok, Instagram e YouTube, a partir de propostas polêmicas do candidato da direita radical, entre elas a defesa do porte de armas sem amarras. Um deles mostra uma criança entrando numa escola e tirando uma arma de dentro da mochila na sala de aula. A legenda final é direta: “Pense antes de votar. Milei não”.

Fontes do comando da campanha de Massa confirmaram ao GLOBO que o alvo desses vídeos, sustentados em propostas que Milei fez num passado não muito distante e suavizou nos últimos meses de campanha, é o eleitorado feminino.

Uma dessas fontes defendeu que a estratégia foi, essencialmente, a de ilustrar como seria a Argentina governada por Milei, “sem ridicularizar o candidato ou exagerar suas posições”. Os estrategistas de Massa passaram semanas revendo tudo o que Milei disse em programas de TV, de rádio e nas redes sociais nos últimos anos, e, em muitos casos, identificaram mulheres como vítimas de suas propostas ou ataques.

— Vimos Milei maltratando jornalistas mulheres, sendo agressivo. E as mulheres se opõem a posições do candidato, entre elas seu questionamento à legalização do aborto — destaca Mariel Fornoni, diretora da Management & Fit.

Redução do Estado

Militantes pela legalização do aborto, que lideraram a chamada maré verde (em referência à cor do lenço que usavam em seus pulsos), fazem campanha incansável contra Milei nas redes sociais. A escritora e roteirista Claudia Piñeiro foi uma das mais ativas.

No dia da eleição do primeiro turno, a coautora do roteiro da série “Vosso Reino”, disponível na Netflix, pediu na rede X (ex-Twitter) que “sejamos amáveis, sensatos, pacíficos, entusiastas, construtivos, respeitosos, exigentes, democráticos, luminosos, sinceros e positivos”. Horas mais tarde, retuitou mensagem da escritora espanhola Rosa Montero, na mesma rede, que dizia: “Parabéns aos argentinos por terem evitado a loucura de Milei”.

A resistência feminina a Milei também está relacionada à sua proposta de redução drástica do Estado. Dados oficiais de 2022 confirmam que 26,1% das mães solteiras argentinas estão abaixo da linha da pobreza, e 4,6% indigentes. Essas mulheres recebem, em sua grande maioria, ajuda do poder público.

Seguindo o manual básico do peronismo, que nasceu com a bandeira da defesa dos mais humildes, Massa se dirigiu diretamente a essas mulheres em muitos atos de campanha. Argumentou que, votando pelo peronismo, elas garantirão a manutenção de direitos conquistados, entre eles o de bolsas estudantis, subsídios e vários programas sociais.

Mas o peronismo também enfrenta dificuldades para ampliar seu teto no segundo turno. A preferência dos jovens, sobretudo homens, por Milei, é clara, apontam os analistas consultados pelo GLOBO. No ato de encerramento de campanha do candidato da direita radical, a presença majoritária de homens jovens era notória, e pesquisas que mediram o apoio a ambos candidatos por idade e gênero confirmam o favoritismo de Milei nesse segmento. De acordo com estudo da Hugo Haime, a imagem positiva do candidato de A Liberdade Avança entre os jovens (menores de 25 anos) é de 56%, contra 29% de Massa.

— Não é que os jovens tenham sentimentos fortes contra Massa, é que os sentimentos a favor de Milei são contundentes. É uma conexão emocional — frisa Haime.

Segundo ele, uma conexão difícil de ser quebrada:

— São anos de trabalho nas redes sociais, construindo um vínculo muito sólido com jovens que se conectaram com o discurso antipolítica de Milei.

Peronistas contam que, após a surra levada nas primárias, nas quais Milei foi o mais votado, Sergio Massa focou em melhorar sua presença nas redes sociais, onde o candidato da direita radical surfava sozinho. Estrategistas brasileiros, jovens do movimento kirchnerista La Cámpora e assessores espanhóis e americanos de Massa construíram uma estratégia digital nova, visando, principalmente, o eleitorado jovem.

De acordo com trabalho em campo da Opina Argentina feito antes das primárias, cerca de 40% dos eleitores com menos de 29 anos estavam inclinados a votar no candidato da direita radical. A ex-candidata da aliança de centro-direita Juntos pela Mudança, Patricia Bullrich, por sua vez, era forte entre as mulheres com mais de 50 anos. Para os analistas, parece difícil pensar que a maioria dessas mulheres, agora que Bullrich está fora da corrida, migrará para Javier Milei.

— A violência não é compatível com a população feminina, independentemente da idade — conclui Mariel Fornoni.

Acompanhe tudo sobre:Javier MileiArgentinaMulheres

Mais de Mundo

Putin sugere 'duelo' de mísseis com os EUA e defende direito de usar armas nucleares na Ucrânia

China está aumentando rapidamente seu arsenal nuclear, alerta Pentágono

Primeiro caso grave de gripe aviária em humanos nos EUA acende alerta

Ao menos 100 norte-coreanos morreram na guerra da Ucrânia, afirma deputado sul-coreano