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Magalhães, da PUC: o fim das soluções pacíficas para Jerusalém

Professor de relações internacionais explica que a decisão de Trump coloca pá de cal sobre a solução de dois estados na região

Trump reconhece Jerusalém como capital de Israel - 6 de dezembro de 2017.  REUTERS/Kevin Lamarque     (Kevin Lamarque/Reuters)

Trump reconhece Jerusalém como capital de Israel - 6 de dezembro de 2017. REUTERS/Kevin Lamarque (Kevin Lamarque/Reuters)

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Camila Almeida

Publicado em 6 de dezembro de 2017 às 18h32.

Última atualização em 6 de dezembro de 2017 às 22h45.

Nesta quarta-feira, o presidente americano Donald Trump decidiu reconhecer Jerusalém como capital de Israel e transferir a embaixada americana de Tel Aviv para lá. Ao anunciar a decisão, Trump afirmou que vai fazer tudo que estiver a seu alcance para ajudar a estabelecer um acordo de paz entre Israel e Palestina. A decisão, porém, vai na contramão dessa intenção. Nações do mundo inteiro condenam a decisão americana, afirmando que a mudança vai acirrar os conflitos na região.

Em entrevista a EXAME, David Magalhães, que é professor de Relações Internacionais na PUC, em São Paulo, e na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), fala que a decisão é inédita. Todos os países com representação em Israel mantêm suas bases em Tel Aviv e a própria ONU reconhece a cidade como a capital oficial israelense. Magalhães também assinala a política como desastrosa, já que acirra os ânimos não só com a Palestina, mas com os países árabes de modo geral.

David Magalhães

DAVID MAGALHÃES: "Existem poucos consensos internacionais, mas um deles é de que Israel e Palestina dividem a ocupação de Jerusalém desde 1967" (Acervo pessoal/Divulgação)

O que explica essa decisão de Trump de reconhecer Jerusalém como a capital de Israel?

Durante a campanha, Trump já tinha demonstrado intenções claras de fazer essa mudança. Os Estados Unidos aprovaram uma lei durante o governo Clinton que previa a mudança de sede da embaixada americana para Jerusalém em 1999. Mas tanto Bill Clinton quanto Bush e Obama postergaram essa decisão. A cada seis meses, porém, o país precisa justificar a manutenção da embaixada em Tel Aviv. Trump estava só esperando vencer esse prazo para reconhecer Jerusalém como capital de Israel. Parte do lobby israelense durante a campanha eleitoral se voltou para Hillary Clinton, mas a outra parte focou em Trump, e ele tem uma visão muito alinhada com o Benjamin Netanyahu [primeiro-ministro de Israel]. Era uma promessa de campanha.

Por que o fato de os Estados Unidos reconhecerem Jerusalém como a capital de Israel retira o status de Tel Aviv como a capital do país?

Não muda, é uma questão de legitimidade internacional. Essa é uma reivindicação histórica de Israel, que sempre reconheceu Jerusalém como sua capital. O parlamento israelense fica em Jerusalém Ocidental, não em Tel Aviv. Se os Estados Unidos que são uma potência hegemônica e o grande aliado israelense legitimam essa capital, outros países podem começar a adotar a mesma postura. Embora eu acredite que isso não acontecerá, já que os custos políticos desse reconhecimento são muito altos.

Como essa mudança é vista internacionalmente?

Existem poucos consensos na política internacional, mas um deles é de que Israel e Palestina dividem a ocupação de Jerusalém desde 1967. Nenhum país do mundo tem embaixada em Jerusalém. Nem outros países tão alinhados com Israel, como Reino Unido, jamais discutiram essa possibilidade de transferir a embaixada. Pragmaticamente, a decisão aumenta a hostilidade não só com o povo palestino, mas com os países árabes como um todo. E enfrenta inclusive o interesse de aliados que estão lutando contra o Estado Islâmico.

Como a comunidade internacional entende o direito da Palestina sobre o território de Jerusalém?

O plano de partilha da Palestina aprovado pela ONU, em 1947, estabelecia que a capital Jerusalém deveria ser controlada internacionalmente, pela ONU. Depois da Guerra dos Seis Dias, em 1967, e com a ocupação israelense de Jerusalém Oriental, começa-se a defender uma solução de dois estados a partir do estabelecimento de fronteiras. Diversas resoluções da ONU defendem essa posição. Jerusalém, no entanto, nunca deixou de ser uma questão controversa no conflito. Países que têm representação na Palestina, como o Brasil, têm escritório em Ramala. Os que têm em representação diplomática em Israel mantêm base em Tel Aviv. Com a decisão americana de transformar o consulado de Jerusalém em embaixada, toda essa concepção muda. Até agora, os Estados Unidos respeitavam a solução de dois estados e a decisão de Trump é mais um obstáculo para um futuro acordo de paz.

Isso atrapalha ainda mais as discussões sobre o reconhecimento de um estado palestino?

As conversações sobre chegar a uma solução para os dois estados, num acordo de paz, estão cada vez mais precárias. Na prática, já está cada vez mais distante. Existem em torno de meio milhão colonos israelenses assentados em territórios palestinos — junto com eles, todo um processo de militarização —, e é politicamente difícil tirá-los de lá. Com essa decisão dos Estados Unidos, praticamente se coloca uma pá de cal sobre as soluções pacíficas.

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