Farc: usar anticoncepcional era regulamento dentro das Forças Armadas (Mario Tama/Getty Images)
AFP
Publicado em 23 de março de 2017 às 14h14.
Josleidy Ramírez passou mais da metade de sua vida na guerrilha das Farc e, em meio ao cruel conflito na Colômbia, teve um menino que não pôde criar, e agora, quando deve deixar as armas, espera um bebê da paz.
"Tenho um filho que já é um homem! Mas não tenho contato com ele", conta à AFP, falando com a mão sobre o ventre, que evidencia uma gravidez de quatro meses.
Entre a esperança e a incerteza, a guerrilheira de 32 anos se prepara para voltar à vida civil, como outros 200 membros do bloco Martín Caballero das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) concentrados em uma zona de desarmamento perto de San José de Oriente, no árido nordeste do país.
Josleidy se uniu às Farc aos 15 anos, a mesma idade que seu filho mais velho tem hoje. "Ele está com um parente na cidade, e está bem. Vou encontrá-lo quando comprovar que este processo de paz aconteceu de verdade", afirma, negando-se, por segurança, a dizer o nome do adolescente, que perdeu o pai em combate.
Em novembro, pouco antes de o governo de Juan Manuel Santos selar o pacto com a guerrilha, para superar cinco décadas de conflito, ficou novamente grávida de seu atual companheiro, outro rebelde.
Josleidy não esconde seus temores em relação à estabilidade da paz em um país devastado pela violência de guerrilhas, paramilitares e agentes estatais, o que deixou ao menos 260.000 mortos, mais de 60.000 desaparecidos e 6,9 milhões de deslocados.
"Estou preocupada com seus futuro", afirma, em relação ao bebê que terá na zona de desarmamento, uma das 26 existentes no país, nas quais, até o fim de maio, a principal guerrilha colombiana deve entregar suas armas sob a supervisão da ONU para virar um movimento político.
Ela não queria ser mãe outra vez, pensava em voltar a estudar. Agora terá de encarar as duas coisas, afirma com um sorriso triste a guerrilheira apelidada de "La Catira" por sua pele clara.
Como todas as mulheres das Farc - 40% de 7.000 combatentes -, usava anticoncepcionais, segundo exigia o regulamento interno.
Ficou assustada com a primeira gravidez aos 17 anos porque temia que seu filho virasse um alvo militar contra a guerrilha.
Ela recebeu permissão para sair e se escondeu em um povoado com sua mãe. "Eu o pari e o entreguei a minha família com três meses", conta. Depois voltou a empunhar o fuzil. "Não ia trair minha organização!".
Ela assegura que ninguém pediu que abortasse. "Aqui nunca foi uma obrigação. Já nasceram muitas crianças. Muitos estão fora do país. Estão escondidos por segurança. Com esse processo, eles vão voltar".
Outras ex-guerrilheiras declararam, no entanto, o contrário. Em 9 de março, a Espanha extraditou Héctor Albeidis Arboleda, "O enfermeiro", suspeito de interromper à força a gravidez de centenas de integrantes dos grupos armados ilegais, entre eles as Farc e o Exército de Libertação Nacional (ELN), atualmente dialogando sobre a paz com o governo.
Para Josleidy, isso "é propaganda suja da extrema-direita".
Gladys Narbais, de 44 anos, concorda. Foi mãe em um acampamento na Sierra de Santa Marta. "Deixaram que eu tivesse meu filho sem problema", afirma em relação ao bebê que ficou com ela durante um ano e oito meses, mas que acabou entregando a uma família "porque, por causa da guerra, não podia ficar com ele".
Só viu seu filho duas vezes desde então: quando tinha 10 e 15 anos. "Sofri muito. Mas sabia que ele ia ficar bem", afirma, com os olhos brilhando ao falar de Fernando, estudante de informática de 24 anos.
As Farc viveram nos últimos meses um verdadeiro 'baby-boom', com dezenas de nascimentos desde o início das negociações de paz lançadas em 2012.
Andrés David, debaixo da saia do uniforme verde oliva de sua mãe, é um deles.
"Nasceu em 15 de outubro de 2012, quando já havia esperança", recorda Margot Silva, que passou 16 de seus 30 anos na guerrilha e teve seu filho em outro acampamento.
"Ter um filho aqui é como voltar a nascer", acrescenta seu companheiro, Mario Rodríguez, de 33 anos, que entrou para a guerrilha com apenas 9 anos depois da morte de seu avô nas mãos de paramilitares.
Josleidy também vê tudo o que está acontecendo com uma nova perspectiva.
"Vou buscar meu filho e, com esse que espero, poderemos formar um lar", afirma, já sonhando com um futuro junto a seu atual companheiro.