Maduro instalará Constituinte mesmo com denúncias de manipulação
Apesar de o presidente não ter feito declaração sobre a eleição ter sido manipulada, o governo manteve para esta quarta a posse dos membros da Constituinte
AFP
Publicado em 2 de agosto de 2017 às 12h59.
A Assembleia Constituinte promovida pelo presidente Nicolás Maduro será juramentada nesta quarta-feira (2), apesar de a empresa responsável pelo processo de votação assegurar que os números da participação na eleição de domingo na Venezuela foram "manipulados".
"Baseado em nosso robusto método, sem sombra de dúvida, (os números de) participação na eleição da Assembleia Constituinte Nacional foram manipulados", afirmou o CEO da companhia britânica SmartMatic, Antonio Mugica, em uma coletiva de imprensa em Londres.
Segundo as autoridades venezuelanas, mais de oito milhões de eleitores, ou 41,5% do corpo eleitoral, participaram da eleição.
A votação foi boicotada pela oposição, que acusa o governo de querer perpetuar o poder do presidente Nicolás Maduro, cujo mandato termina em 2019.
Ressaltando que a SmartMatic participa da organização das eleições na Venezuela "desde 2004", o CEO da companhia explicou que "o sistema eleitoral automatizado" desenvolvido pela empresa foi concebido para "revelar qualquer manipulação de resultados".
Os dados "podem ser ignorados pelas autoridades, que podem anunciar números errôneos no lugar", acrescentou.
Por essa razão, a SmartMatic ressalta a necessidade de auditorias por parte dos partidos de oposição para validar os números proclamados.
Apesar da nova polêmica, o governo anunciou que Nicolás Maduro vai juramentar nesta quarta os 545 integrantes eleitos no Poliedro de Caracas, um centro de convenções ao sudoeste da capital venezuelana.
A coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) convocou seus seguidores a marchar na quinta-feira (3) em Caracas.
A instalação será realizada em meio a uma forte tensão com os Estados Unidos e à condenação internacional deflagrada pela detenção, na terça-feira (1º), dos opositores Leopoldo López e Antonio Ledezma, prefeito de Caracas. Ambos estavam em prisão domiciliar.
O presidente americano, Donald Trump, que responsabilizou Maduro pela saúde e pela segurança de López e Ledezma, criticou a "ditadura" venezuelana, em declarações na terça-feira à noite. Na segunda (31), Washington já havia imposto sanções financeiras e jurídicas a Caracas por conta da iniciativa de Maduro.
"Eu lhes digo: chova, ou faça sol, a Constituinte vai sair. Nas próximas horas, começará a exercer seu poder absoluto, plenipotenciário", garantiu o presidente venezuelano.
Eleita no último domingo (30), em meio a violentas manifestações que deixaram dez mortos no dia da votação, a Constituinte funcionará no Salão Elíptico do Palácio Legislativo. É nesse local que acontecem os debates do Parlamento, dominado pela oposição, o que leva a antever confrontos.
Desde que a oposição conquistou a maioria no Congresso em janeiro de 2016, simpatizantes do governo invadiram o Legislativo com violência duas vezes. Na última, sete deputados de oposição ficaram feridos, e o prédio foi mantido cercado por várias horas.
"É um Parlamento que vai continuar em sessão (...) Este é o lugar em que o povo nos colocou, e vamos continuar trabalhando normalmente", garantiu o presidente da Casa, Julio Borges.
Rejeitada por 72% dos venezuelanos, segundo o instituto de pesquisa Datanálisis, a Constituinte foi votada por oito milhões de eleitores (42,5%), conforme números oficiais divulgados após o pleito. A oposição denunciou a votação como uma "fraude histórica" e "ilegítima".
Caça às bruxas?
A Venezuela entra em uma nova etapa do conflito político com a eleição dos 545 constituintes que reformarão a Carta Magna de 1999 promovida pelo presidente Hugo Chávez, falecido em 2013.
Maduro sustenta que a Constituinte promoverá a paz e o diálogo no país. A oposição, que se recusou a participar da consulta, garante que a iniciativa foi proposta por Maduro para se perpetuar no poder, instaurar um modelo comunista e neutralizar seus críticos e adversários.
Líderes do governo, entre eles Diosdado Cabello - que poderá ser presidente da Assembleia Constituinte -, anunciaram a possível dissolução do Parlamento e a reforma da Procuradoria.
"Já é passado", disse o dirigente governista Jorge Rodríguez sobre a procuradora-geral Luisa Ortega Díaz, cuja destituição pode ser uma das primeiras medidas.
Ortega disse desconhecer a Constituinte, tendo a certeza de que sua cabeça está a prêmio. Nesse sentido, em entrevista à AFP, a ex-chanceler Delcy Rodríguez, agora constituinte, descartou uma caça às bruxas.
Frágil, primitivo e perigoso
Maduro garante que a Constituinte também reforçará o poder comunal para aprofundar o socialismo e tomará medidas que acabem com a dependência do petróleo - fonte de 96% da receita do país.
Além disso, elevará a status constitucional as missões sociais, o controle de preços para baixar a inflação e a distribuição de alimentos subsidiados. Já a oposição acredita que Maduro tentará adiar as eleições.
Na próxima semana, vence o prazo para a inscrição de candidatos às eleições regionais de dezembro, mas tudo depende das decisões da Constituinte.
"Veremos agora se os radicais de ambos os lados são tão fortes quanto dizem (...). Veremos um país muito mais fraco, primitivo e perigoso, que acabará fazendo depois o que antes teria evitado muita dor: negociar, mas em piores condições", comentou o analista Luis Vicente León.
Maduro convocou a Constituinte sem consulta prévia os venezuelanos, como já havia acontecido em 1999. Diante das fortes críticas, porém, propôs um referendo para aprovar a nova Carta Magna.
Não se sabe, contudo, quando será. A promessa mais imediata é que os retratos de Chávez voltarão às paredes do Palácio Legislativo, como anunciou Cabello. As imagens haviam sido retiradas pela oposição, quando esta assumiu a Casa em janeiro de 2016.
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