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Macron aposta em crise da esquerda para ganhar espaço, diz pesquisador

Thomás Zicman de Barros, da Sciences Po, avalia que presidente francês terá dificuldade em votação antecipada e que tem um problema crônico: dificuldade em negociar

Emmanuel Macron, presidente da França (Ludovic Marin/AFP)

Emmanuel Macron, presidente da França (Ludovic Marin/AFP)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 11 de junho de 2024 às 06h05.

Última atualização em 11 de junho de 2024 às 15h33.

O presidente francês Emmanuel Macron fez uma aposta arriscada ao dissolver o Congresso e convocar eleições antecipadas após seu partido ir mal nas eleições para o Parlamento Europeu. Parte desta aposta é aproveitar um momento de desorganização da esquerda francesa para atrair eleitores e, assim, tentar sair mais forte e deixar a posição de fraqueza que marca seu segundo mandato.

A avaliação é de Thomás Zicman de Barros, doutor em ciência política e pesquisador associado da Sciences Po, universidade sediada em Paris. Ele aponta que a esquerda francesa, que vive um racha entre vários partidos, terá pouco tempo para se organizar e definir as candidaturas. A votação da eleição antecipada será em 30 de junho e as listas precisam ser fechadas até dia 16.

"A esquerda precisava de tempo para curar feridas. Eles pensavam que haveria até 2027 para conseguir reestabelecer um diálogo, mas Macron transformou três anos em três semanas. Ao pegar o seu adversário de calça curta, Macron tem uma certa vantagem", diz Barros à EXAME. Veja a seguir os principais trechos da entrevista.

Como avalia a estratégia de Macron de convocar eleições fora de época?

Ele pegou todo mundo de surpresa. É um cálculo que é difícil entender. Ele tem o maior grupo parlamentar, que não chega a ser uma maioria, e tem dificuldade para aprovar coisas no Parlamento, mas de uma forma ou de outra ele consegue avançar sua agenda. Mas quanto mais ele avança mais é contestado. Na França, existe um artigo da Constituição que permite ao governo aprovar uma série de medidas sem voto no Parlamento, mas isso gera um desgaste constante. Ele já faz isso há praticamente dois anos e estava preocupado que em setembro talvez não conseguisse aprovar o Orçamento. Os resultados das eleições europeias foram muito ruins. O partido dele perdeu praticamente 10% em relação a 2019. Ele estava encurralado. Cada vez mais ele era visto como um presidente que governava contra a vontade da maioria. É um cálculo estranho porque, a princípio, ele está em pior forma do que estava em 2022 [data da última eleição]. Um desafio muito grande para Macron é tentar preservar o máximo que puder seu bloco parlamentar e tentar puxar, como oposição à extrema direita, setores do centro-direita e da centro-esquerda para darem mais apoio a ele. Um ponto que ele faz é: ao entrarmos uma dinâmica de campanha em que a extrema-direita vem com força, posso me apresentar como o grande polo contra ela. O problema, como diria Garrincha, é que tem que combinar com os russos. Esses partidos até agora não indicaram uma disposição de compor eleitoralmente com ele.

A direita e a extrema-direita poderão ter avanço significativo na nova votação?

Para mim, não haveria uma mudança gigante da composição do Parlamento, em que a extrema-direita vá ganhar terreno. Pelo formato da eleição é difícil que eles consigam sozinhos a maioria. Macron está apostando que a fragmentação da esquerda permitirá que seu partido chegue ao segundo turno em alguns distritos. E, ao fragmentar a esquerda, conseguiria negociar com parte dela. Aí ele poderia fazer uma coisa que até agora teve dificuldade muito grande, que é compor para formar maioria. Isso é um problema estrutural. Talvez Macron não precisasse ter chamado essa eleição se fosse capaz de compor maioria com os grupos parlamentares que estão aí, mas ele acha que existe na esquerda uma parte muito barulhenta e intransigente. Ele acha que mudando a demografia da esquerda talvez consiga negociar mais. A dificuldade inerente do Macron é a incapacidade de negociar. Ele não conseguiu maioria no Congresso em 2022 por falhas dele. Como ele não tem maioria, passa medidas a fórceps, e há um limite político e constitucional para isso. A eleição talvez piore a situação, pois ele está queimando uma carta do baralho. Ele vai ter de lidar com o Parlamento que for eleito até o final do ano, ao menos. Ele só poderia convocar outra eleição no ano que vem.

A eleição já será em 30 de junho. O prazo curto de campanha o favorece?

Sim. O grupo que está mais contente com a convocação de eleições é o Reagrupamento Nacional, da Marine Le Pen. Para eles é uma chance de fazerem campanha, apontarem o dedo ao governo, e estão em um momento de força, pois se saíram muito bem na eleição europeia. Eles sabem que vão ganhar assentos, pois o Macron está enfraquecido. Existe uma insatisfação contra ele e é normal que a oposição tenha força em uma situação assim. Em relação à esquerda, ela precisava de tempo neste momento. Nos últimos anos, tem havido lutas intestinas. As disputas começaram em 2022 em alguma medida por conta do gênio dos líderes dos partidos. Jean-Luc Mélenchon, líder do França Insubmissa, é uma figura divisiva, que não gosta de construir pontes. Os comunistas e o Partido Socialista não gostavam desta aliança. E há setores da esquerda que achavam a esquerda radical como radical demais e quiseram sabotar alianças.

Quais os principais pontos que vão pautar essa eleição?

O 7 de outubro foi um golpe de misericórdia no Parlamento. Os ataques terroristas do Hamas causaram muita cizânia, porque o França Insubmissa tem uma posição muito forte contra a islamofobia, e eles demoraram em chamar o atentado do Hamas de terrorista. Isso abriu um flanco para que eles fossem chamados de antissemitas. O Partido Socialista declarou uma moratória da união que tinham e aí cada partido resolveu sair com sua chapa para as eleições europeias. A esquerda precisava de tempo para curar estas feridas. Eles pensavam que haveria até 2027 para reestabelecer um diálogo. Mas Macron transformou três anos em três semanas. Menos até, porque as candidaturas precisam ser depositadas até dia 16, e precisam definir quem serão os candidatos em cada distrito. Isso é muito difícil. Ao pegar o seu adversário de calça curta, Macron tem uma certa vantagem.

Como avalia as chances do plano de Macron dar certo?

É difícil que ele saia por cima nessa história. Ele está fazendo uma aposta muito arriscada. Os partidos de direita tradicional e de centro esquerda já anunciaram que não fariam composições com Macron. Não vai ser agora que eles vão querer, ainda mais com um governo tão contestado. Ele vai jogar um pouco a carta do “ou eu ou o caos”, mas muita gente está escolhendo o caos. O mais provável é que ele saia numa posição tão desconfortável ou pior do que agora. Se o bloco parlamentar dele conseguir manter o tamanho que tem, já seria para ele comemorar.

Quais as principais razões para o avanço da direita e da extrema-direita nesta eleição europeia?

Não acho que a imigração seja um problema real. A Europa precisa de mão de obra e os imigrantes nada mais são do que um bode expiatório e racista para extrema direita. Mas há um problema estrutural. Fiz meu doutorado sobre o movimento dos coletes amarelos [manifestantes que fizeram grandes protestos em 2019]. Fiz entrevistas com manifestantes. Para muitos deles, no interior da França, há uma dificuldade de inserção econômica. O desemprego está baixo, mas o emprego não é lá essas coisas. A inflação foi grande, está controlada, mas o nível de preços continua elevado e há perda de poder de compra sentido por esta população.

Como Macron reagiu a isso?

Houve também uma precarização do trabalho. Projetos de reforma de Macron vão nesse sentido, ao dar mais poder para o empregador e menos aos trabalhadores. As reformas da aposentadoria aumentam o tempo de contribuição. E houve um enfraquecimento dos vínculos de solidariedade. Muitos comércios locais fecharam. Isso cria angústia, que pode ser canalizada pelo discurso da direita. O Macron tem um estilo que não é conciliador, mas sim de fazer reformas de cima para baixo, sem muita negociação. A França tem uma tradição de protestos, e isso cria antipatia. Neste momento de insatisfação, ser um partido “da ordem” não ajuda. As pessoas têm uma demanda de ruptura, de transgressão, que a esquerda não tem conseguido [atrair] porque ela está, em alguma medida, presa a alguns modelos de gestão do mundo tal como ele está. Isso explica também um pouco da força da extrema-direita, mas é um fenômeno mais global.

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