Lula defende regulação global da IA e mudanças na ONU em discurso em Nova York
Presidente fez discurso de abertura de encontro de líderes mundiais em Nova York
Repórter de macroeconomia
Publicado em 24 de setembro de 2024 às 11h18.
Última atualização em 24 de setembro de 2024 às 12h11.
O presidente Lula pediu que haja uma regulação global da inteligência artificial, para que ela tenha "a cara do Sul global", e mudanças profundas no funcionamento da ONU, em discurso na abertura da Assembleia-Geral da entidade, em Nova York.
Lula defendeu que a inteligência artificial não seja controlada por poucas empresas, e que os países precisam ter formas de definir os rumos da tecnologia, com a criação de um fórum internacional.
"Na área de Inteligência Artificial, vivenciamos a consolidação de assimetrias que levam a um verdadeiro oligopólio do saber. Avança a concentração sem precedentes nas mãos de um pequeno número de pessoas e de empresas, sediadas em um número ainda menor de países", disse Lula.
"Interessa-nos uma Inteligência Artificial emancipadora, que também tenha a cara do Sul Global e que fortaleça a diversidade cultural. Que respeite os direitos humanos, proteja dados pessoais e promova a integridade da informação. E, sobretudo, que seja ferramenta para a paz, não para a guerra. Necessitamos de uma governança intergovernamental da inteligência artificial, em que todos os Estados tenham assento", afirmou.
Lula foi o primeiro líder de um país a discursar na abertura da 79ª Assembleia-Geral da ONU, em Nova York. O encontro anual reúne presidentes, primeiros-ministros e outros chefes de estado e governo de boa parte dos países do mundo. Por tradição, o presidente brasileiro sempre é o primeiro líder estrangeiro a falar no encontro.
O presidente defendeu ainda mudanças no funcionamento da ONU. "A exclusao da América Latina e da África do Conselho de Segurança é um eco inaceitável do passado de dominação colonial. Vamos promover essa discussão de forma transparente, em fóruns como o G77 e o G20. Não tenho ilusões sobre a complexidade de uma reforma como esta. Mas esta é nossa responsabilidade. Não podemos esperar uma tragédia como a Segunda Guerra Mundial para reconstruir as instituições", disse.
Ainda nesta terça, 24, Lula deve se encontrar com Pedro Sánchez, premiê da Espanha, e Emmanuel Macron, presidente da França.
Assembleia Geral da ONU 2024
Década perdida
Lula disse ainda que a América Latina vive um momento difícil na política e na economia, e que as duas crises se retroalimentam.
"Na América Latina vive-se desde 2014 uma segunda década perdida. O crescimento médio da região nesse período foi de apenas 0,9%, metade do verificado na década perdida de 1980. Essa combinação de baixo crescimento e altos níveis de desigualdade resulta em efeitos nefastos sobre a paisagem política", disse, nesta terça, 24, no plenário da ONU, em Nova York.
"É injustificado manter Cuba em uma lista unilateral de Estados que supostamente promovem o terrorismo e impor medidas coercitivas unilaterais, que penalizam indevidamente as populações mais vulneráveis. No Haiti, é inadiável conjugar ações para restaurar a ordem pública e promover o desenvolvimento", afirmou.
Lula, no entanto, não citou a Venezuela, país que vive uma das piores crises políticas do continente, onde o presidente Nicolás Maduro é acusado pela oposição de fraudar a eleição presidencial para se manter no poder.
"No Brasil, a defesa da democracia implica ação permanente ante investidas extremistas, messiânicas e totalitárias, que espalham o ódio, a intolerância e o ressentimento. Brasileiras e brasileiros continuarão a derrotar os que tentam solapar as instituições e colocá-las a serviço de interesses reacionários. No mundo globalizado não faz sentido recorrer a falsos patriotas e isolacionistas", disse.
Ataque a 'ultraliberais'
O presidente também fez críticas ao que chamou de 'experiências ultraliberais' e disse que elas apenas pioram as dificuldades.
"O Estado que estamos construindo é sensível às necessidades dos mais vulneráveis sem abdicar de fundamentos macroeconômicos sadios. A falsa oposição entre Estado e mercado foi abandonada pelas nações desenvolvidas, que voltaram a praticar políticas industriais ativas e forte regulação da economia doméstica",
"O futuro de nossa região passa, sobretudo, por construir um Estado sustentável, eficiente, inclusivo e que enfrenta todas as formas de discriminação. Que não se intimida ante indivíduos, corporações ou plataformas digitais que se julgam acima da lei", disse.
"A liberdade é a primeira vítima de um mundo sem regras. Elementos essenciais da soberania incluem o direito de legislar, julgar disputas e fazer cumprir as regras dentro de seu território, incluindo o ambiente digital.
Pedidos de paz
O presidente brasileiro também comentou as guerras em Gaza e na Ucrânia e fez um apelo por uma mudança de foco.
"2023 ostenta o triste recorde do maior número de conflitos desde a Segunda Guerra Mundial. Os gastos militares globais cresceram pelo nono ano consecutivo e atingiram 2,4 trilhões de dólares.
Mais de 90 bilhões de dólares foram mobilizados com arsenais nucleares. Esses recursos poderiam ter sido utilizados para combater a fome e enfrentar a mudança do clima", disse.
"O que se vê é o aumento das capacidades bélicas. O uso da força, sem amparo no Direito Internacional, está se tornando a regra. Presenciamos dois conflitos simultâneos com potencial de se tornarem confrontos generalizados", disse, sobre Gaza e Ucrânia.
Para a Ucrânia, ele defendeu o avanço de um plano de negociações baseado em seis pontos e defendido por Brasil e China. Sobre Gaza, Lula criticou a reação de Israel.
O que começou como ação terrorista de fanáticos contra civis israelenses inocentes, tornou-se punição coletiva de todo o povo palestino.
"São mais de 40 mil vítimas fatais, em sua maioria mulheres e crianças. O direito de defesa transformou-se no direito de vingança, que impede um acordo para a liberação de reféns e adia o cessar-fogo", afirmou.
Mundo sem lei
Antes de Lula, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, fez um discurso no qual fez um chamado para o combate ao aquecimento global e ao fim das guerras e pediu respeito às leis internacionais.
"Hoje, um número crescente de governos se sentem com o direito de sair da lei internacional. Eles podem violar a Carta da ONU, fechar os olhos para convenções internacionais e decisões de tribunais internacionais. Eles podem invadir outro país, espalhar poluição para todas as sociedades, ou mesmo comprometer o bem-estar de seu próprio povo, e nada vai acontecer", disse Guterres.
O secretário-geral defendeu uma solução de dois estados para Israel e Palestina. Sobre clima, ele exaltou o avanço da energia renovável, para que o mundo cumpra as metas do Acordo de Paris, de redução do aquecimento global.
"Estou honrado de trabalhar ao lado do presidente Lula, do Brasil, e com o G20, para garantir a máxima ambição, aceleração e cooperação. Para este propósito, financiamento é essencial", prosseguiu.