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Linda Gordon, da NYU: o extremismo americano elegeu um presidente

Para historiadora, ideais do movimento pela supremacia branca KKK estão hoje presentes em uma série de outros movimentos que se espalharam pelos EUA

LINDA GORDON: Ideais racistas e xenófobos permearam a eleição – e as políticas – de Trump, presidente eleito nos EUA em 2016 (Acervo Pessoal/Reprodução)

LINDA GORDON: Ideais racistas e xenófobos permearam a eleição – e as políticas – de Trump, presidente eleito nos EUA em 2016 (Acervo Pessoal/Reprodução)

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Camila Almeida

Publicado em 13 de dezembro de 2017 às 21h22.

Última atualização em 13 de dezembro de 2017 às 21h23.

Este ano, a historiadora Linda Gordon, professora da New York University, publicou o livro The Second Coming of KKK [O segundo levante do KKK, em tradução livre], que conta a história de como o movimento Ku Klux Klan, surgido no final do século 19 após o fim da escravidão americana, ressurgiu nos anos 1920 com os mesmos ideais supremacistas.

Em entrevista a EXAME, Gordon explicou quem eram os extremistas americanos, o que queriam, como se organizavam e como caíram. A conversa também ajuda a lançar luz sobre as razões que estão fazendo movimentos extremistas se articularem novamente não só nos Estados Unidos, mas no mundo.

Em agosto deste ano, extremistas que se diziam parte do KKK entoaram ideais racistas pelas ruas da cidade americana Charlottesville, numa clara retomada da agenda de supremacistas brancos. Para a historiadora Linda Gordon, “[o movimento] nunca é exatamente o mesmo, mas há certamente uma continuação da mesma corrente de intolerância”. Ela lança um alerta: hoje, o Ku Klux Klan é apenas um dentre muitos movimentos brancos nacionalistas e de extrema direita. Os ideais estão vivos, disseminados e presentes na política do presidente eleito Donald Trump.

Como o movimento surgiu?

Nós historiadores falamos sobre o primeiro e o segundo clãs. O primeiro cresceu imediatamente após a Guerra Civil e a emancipação dos escravos. E teve um único propósito, que era manter a supremacia branca e manter a população afroamericana de avançar em qualquer sentido, fosse econômico ou político. E teve uma grande mensagem, que foi violência. Bater, humilhar, mais de 40.000 pessoas foram linchadas. O segundo clã foi um animal bem diferente. Tornou-se muito forte no Norte, um movimento de massa, onde o primeiro clã nunca conseguiu se tornar tão grande, porque o grupo de inimigos foi ampliado; enquanto continuou a atacar pessoas negras, também começou a atacar católicos e judeus bem como outras pessoas de cor nos Estados Unidos como mexicanos, africanos, chineses. Essa é a diferença estrutural entre os dois clãs.

Eles estavam sempre contra algo, não era movimentos propriamente propositivos?

Eles estavam propondo coisas contra aqueles contra quem eles estavam. Eles eram contra imigração de qualquer grupo, exceto brancos protestantes. Essa foi a principal demanda. Também eram antimiscigenação, propondo leis que impediam casamentos entre pessoas brancas e não-brancas. Eles queriam criar leis que proibissem a criação de escolas católicas. Então tinha propostas, mas baseadas na intolerância.

Qual era o contexto econômico e político por trás desses movimentos?

Sempre houve extremo nativismo nos Estados Unidos; desde os tempos mais remotos nós vemos evidência de pessoas que eram hostis com aqueles que estavam chegando se eles não parecessem com as pessoas que eles consideravam ideais. Mas, mais imediatamente: no começou dos anos 1880, houve uma grande imigração em massa para os Estados Unidos, e a maioria dessas pessoas não era de protestantes. Eles eram judeus da Europa oriental, católicos do sul da Europa, ortodoxos, muçulmanos… Nos anos 1920, foi uma resposta a esse movimento migratório, assim como o primeiro clã foi uma resposta à abolição da escravidão. Mas então, mais imediatamente, logo depois da Primeira Guerra Mundial, nos Estados Unidos, houve uma poderosa e ampla repressão aos dissidentes políticos e muitos eleitores anarquistas, comunistas foram deportados do país. Esse período estabeleceu um padrão em que as pessoas eram convencidas de que eles eram esses radicais tentando destruir o país e eles tinham que ser impedidos de fazê-lo. Então, criou-se esse clima que era propício à atuação do clã.

Quem eram os supremacistas brancos? Eram a elite? Pessoas ricas que temiam perder privilégios?

Não. Tem duas coisas que podemos dizer sobre as pessoas que compunham o segundo clã. Primeiro, eram protestantes evangélicos. Tinha uma fala que eles gostavam de usar que era: “Se Jesus estivesse vivo hoje, ele seria um homem do clã” [If Jesus was alive today, he would be a klansman]. Segundo, eles eram majoritariamente pessoas de classe média. Havia poucas pessoas muito ricas, e também havia umas poucas pessoas pobres – mas poucos pobres podiam participar do clã, porque eles cobravam uma taxa de inscrição de 10 dólares, e isso era equivalente a mais de 100 dólares hoje, então não era possível que pessoas de muito baixa renda fizessem parte do grupo. Apesar de o clã não incluir muitos dos super-ricos, as políticas estavam inteiramente favoráveis aos ricos. Eles se diziam populistas, mas nunca apoiaram nada que poderia ser bom para os 99% da população do país. Então, era um movimento de classe média, mas eles ressentiam um medo de que esses brancos fossem perder seu status nos Estados Unidos.

Nós podemos dizer que o movimento foi derrotado?

Eu gostaria de poder dizer que ele foi derrotado, mas ele ruiu por conta de suas próprias contradições internas. O segundo Ku Klux Klan era uma corporação que visava lucro, e eles estavam constantemente querendo arrumar jeitos de fazer os membros pagarem mais dinheiro para quitar dívidas, para comprar vestes, para comprar mais memorabília. As pessoas ficaram de saco cheio disso, eles perderam muitos membros. Houve também escândalos; esse foi um período nos Estados Unidos de proibição do álcool e, teoricamente, essas pessoas não deveriam estar bebendo, mas é claro que muitas delas bebiam. Mas houve um escândalo bem grave, na segunda metade dos anos 1920, em que o líder do clã em um dos estados foi acusado de sequestrar, estuprar, torturar e matar sua assistente. Esse caso chamou atenção ao redor do país inteiro, e muita gente entrou em desilusão com o clã por isso.

O movimento que nós vimos surgir em Charlottesville, em agosto deste ano, tem a mesma proposta do KKK do passado? É o mesmo movimento surgindo novamente ou é outra forma de manifestação?

Nunca é exatamente o mesmo, mas há certamente uma continuação da mesma corrente de intolerância. Hoje, entretanto, o clã é apenas um dentre muitos movimentos brancos nacionalistas e de extrema direita. Então, nesse sentido, é bem diferente.

O KKK morreu em algum momento ou continua vivo?

Ele não morreu, mas está muito menor. O ponto é que esses movimentos baseados no extremismo, na intolerância, no racismo são algo que vêm permeando os Estados Unidos por muito tempo. E, agora, há muitos outros movimentos como esse por aí, que não são o KKK.

Por que agora esses movimentos ressurgem agora com tanta força?

Obviamente, Trump teve um tremendo papel na reativação desses movimentos. Mas é também verdade que essa é uma resposta ao período em que Obama esteve no poder. Há muitas causas, não uma razão específica.

Esses movimentos no passado tinham comunicação com movimentos extremistas ao redor do mundo ou eram focados nos Estados Unidos?

Nos anos 1920, eles eram completamente focados nos Estados Unidos. Eles não estavam interessados em conexões internacionais – é o que chamamos de isolacionistas. Eles acreditavam que os Estados Unidos não tinham nada a ver com as questões de outros países.

Mas há algo que possa explicar o fato de estarmos vendo movimentos como esse surgirem em várias partes do mundo?

Sim, é uma realidade global. Em muitos casos, tem a ver com desindustrialização e globalização. A massiva crise de refugiados também contribui. Mas é também verdade e importante notar que há muita resistência se desenvolvendo nesse país. Resistência não só à extrema direita, mas às políticas da administração de Trump. É uma batalha de duas vias.

Os movimentos tinham apoio da mídia e mobilizavam muita gente?

O clã publicou aproximadamente 150 jornais e outras publicações, então eles tinham muita mídia própria para suportar suas ideias. O clã era composto por uma minoria, mas as pessoas que concordavam com as ideias do clã eram possivelmente uma maioria. Os movimentos de hoje também têm algum apoio midiático porque agora eles têm espaço em meios tradicionais como a Fox News, por exemplo.

Os ideais extremistas podem ter o mesmo alcance que tiveram antes?

Os movimentos de hoje e os dos anos 1920 têm muito em comum. Eles têm a mesma demagogia e também se valem de fake news para inventar realidades. São estratégias semelhantes.

Eles têm o mesmo poder para ganhar aderência junto às pessoas se quiserem?

Certamente estão tentando, e estão tendo grandes sucessos. Bom, conseguiram eleger um presidente.

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