Os extremistas "realizavam inspeções nas casas para recrutar os jovens à força", disse um fugitivo (Ahmed Saad/Reuters)
AFP
Publicado em 15 de agosto de 2017 às 16h39.
"Todos os jovens de 20 a 30 anos devem se alistar para combater em toda a Síria". Desde que ouviu esta convocação do grupo extremista Estado Islâmico (EI), Mahmud Al Ali fugiu de seu povoado, no leste da Síria, sem olhar para trás.
Encurralada por todas as partes nesse país em guerra, a organização ultrarradical impôs recentemente o recrutamento obrigatório em Deir Ezzor, a última província que controla quase totalmente na Síria, desde 2014.
Assim como Mahmud Al Ali, de 26 anos, os moradores de cidades e aldeias da província saíram correndo para evitar o recrutamento. Muitos se refugiaram em um campo de deslocados da província vizinha de Hassaké, a sete quilômetros da localidade de Aricha.
Em pleno deserto, o campo é um mar de barracas com as siglas do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).
Há mulheres e crianças sentadas, inclusive no chão, sob um sol escaldante, mas o acampamento se diferencia por ser composto em sua maioria por rapazes.
"O EI nos disse que a jihad [guerra santa] agora era o nosso dever", conta à AFP Mahmud Al Ali, que abandonou junto com a sua família a localidade de Al Echara, a sudeste da cidade de Deir Ezzor, capital da província.
"Mas a maioria dos jovens se nega e fugimos aos milhares", acrescenta o rapaz que, como muitos outros, usa uma túnica masculina tradicional e barba longa, o estilo imposto pelo EI.
Tanto os habitantes como o Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH) informaram nos sermões de sexta-feira, com alto-falantes e panfletos, que os extremistas advertiram que os moradores tinham uma semana para se apresentar aos escritórios de recrutamento.
"A situação se tornou dramática", comenta outro deslocado, Salah Al Mohammad, de 28 anos.
Os extremistas "realizavam inspeções nas casas para recrutar os jovens à força", segundo este homem, que fugiu de Mayadin, segunda cidade de Deir Ezzor. Muitos dos que resistem são presos.
Segundo Ahmad Al Abed, também de Mayadin, os recrutados "fazem um treinamento de um mês e depois lutam com o EI por quatro meses".
"Há pessoas que não podem sair. Nós pagamos [os atravessadores] dois milhões de libras sírias [3.300 euros] por 15 membros de nossa família", detalha Ahmad Al Abed, de 23 anos.
Diante da fuga em massa dos moradores, o EI reforçou as medidas de controle na província.
A organização extremista perdeu muito terreno na Síria. Após ter sido expulsa da província de Aleppo, está sendo cercada em Raqa, sua "capital" de fato, enquanto o governo a expulsou totalmente da província de Homs.
Pressionado, parece que o EI quer se mobilizar para defender Deir Ezzor, próxima batalha do governo sírio e de seu aliado russo. Esta província "marcaria o fim da luta contra o EI", segundo Moscou.
Os extremistas disseram "aos jovens: 'queremos que nos apoiem na batalha de Deir Ezzor'", explica Hazem Al Satem, de 25 anos, também da localidade de Al Echara. "Mas ninguém queria se unir a eles", continua.
As milhares de pessoas que conseguiram fugir acabaram em campos que faltam alimentos, água e atenção médica.
O campo de Aricha, criado há dois meses e localizado no perímetro de uma refinaria de petróleo, abriga 7.100 pessoas amontoadas em 400 toldos.
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) indicou na segunda-feira que os deslocados nos 40 campos de Raqa e Hassaké vivem em condições terríveis.
"Essas tendas estão em pleno deserto. As cobras e os escorpiões são uma ameaça diária", denunciou Ingy Sedky, porta-voz do CICV em Damasco. "As crianças brincam com resíduos tóxicos, bebem e tomam banho em águas contaminadas".
Apesar desta situação precária, os deslocados estão felizes de conseguir fugir.
"Pudemos nos salvar", dizia Ibrahim Khaled, de 28 anos. "Para os que ficaram, será impossível sair".