Faixa de Gaza: 59 palestinos, incluindo vários menores de idade, foram mortos pelos israelenses, de acordo com autoridades locais (Ibraheem Abu Mustafa/Reuters)
AFP
Publicado em 15 de maio de 2018 às 17h43.
Israel enfrentava nesta terça-feira (15) uma onda de condenações e apelos a favor de uma investigação independente depois do banho de sangue da véspera na Faixa de Gaza, onde quase 60 palestinos foram mortos por tiros israelenses.
No dia seguinte ao dia mais mortífero do conflito entre Israel e palestinos desde 2014, Reino Unido, Alemanha, Bélgica e Suíça expressaram apoio à ideia de uma investigação independente proposta pelo secretário-geral da ONU, Antonio Guterres.
Mas Israel também recebeu o apoio de seu grande aliado americano no Conselho de Segurança da ONU.
O Estado hebreu, para quem a segunda-feira foi um dia de comemorações com a inauguração da embaixada dos Estados Unidos em Jerusalém e o 70º aniversário de sua criação, enfrentava nesta terça as consequências diplomáticas da crise em Gaza.
As relações já complicadas com a Turquia pioraram, com Ancara pedindo ao embaixador israelense que retornasse ao seu país e Israel respondendo da mesma maneira. O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, e o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, se acusaram mutuamente de ter as "mãos sujas de sangue", palestino para o segundo e curdo para o primeiro.
A Liga Árabe pediu ao Tribunal Penal Internacional (TPI) que abra uma investigação sobre "os crimes da ocupação israelense".
A procuradora do TPI, Fatou Bensouda, garantiu nesta terça que tem acompanhado de perto a violência em Gaza e prometeu "adotar as medidas apropriadas", caso seja verificado que houve crimes que poderiam ser da alçada de seu órgão.
Já na segunda-feira à noite, Turquia e África do Sul haviam decidido convocar seus respectivos embaixadores. A Bélgica fez o mesmo com a embaixadora Simona Frankel, depois que a diplomata descreveu como "terroristas" todas as vítimas de Gaza, segundo Bruxelas.
O Conselho de Direitos Humanos da ONU e a Anistia Internacional chegaram a denunciar "crimes de guerra". O organismo das Nações Unidos vai se reunir em caráter especial na sexta-feira para discutir "a deterioração da situação dos direitos humanos nos Territórios palestinos ocupados".
Netanyahu voltou a justificar o uso da força pela necessidade de defender as fronteiras israelenses. Israel "tenta por todos os meios" não-letais afastar os palestinos da fronteira, "quando isso não funciona nos resta escolhas ruins (...) você visa no joelho, mas, às vezes, não funciona", declarou à rede americana CBS.
Para a embaixadora americana na ONU, Nikki Haley, Israel agiu com moderação em resposta à provocação do movimento palestino Hamas, que controla o enclave. "Nenhum país nesta câmara agiria com mais moderação do que Israel", disse ao Conselho de Segurança.
Temia-se um novo derramamento de sangue nesta terça-feira na Faixa de Gaza, dia em que os palestinos comemoraram a "Nakba" (a "catástrofe", em árabe), que relembra a criação do Estado de Israel em 1948, sinônimo de um êxodo para centenas de milhares deles.
Mas apenas distúrbios esporádicos foram registrados na fronteira até o final da tarde.
Dois palestinos foram mortos por tiros israelenses a leste do campo de refugiados de Al-Bureij, informou o Ministério da Saúde de Gaza.
Manifestações também ocorreram na Cisjordânia, a poucas dezenas de quilômetros de Gaza.
Em toda a Faixa de Gaza, dezenas de milhares de palestinos enterraram seus mortos entre a segunda-feira à noite e esta terça-feira.
Enquanto as autoridades israelenses e americanas comemoravam a transferência "histórica" da embaixada dos Estados Unidos em Jerusalém, 59 palestinos, incluindo vários menores de idade, foram mortos pelos israelenses, de acordo com autoridades de Gaza. Uma menina de oito meses faleceu após inalar gás lacrimogêneo.
Centenas de pessoas participaram esta manhã do funeral de Yazan Tubas, de 23 anos.
"Estou feliz que meu filho seja (um) mártir", disse seu pai Ibrahim, de 50 anos, incapaz de controlar as lágrimas. "Ele é um dos que morreram por causa da Palestina e de Jerusalém", acrescentou, assegurando que seu neto Ibrahim assumiria o lugar.
"Uma nova geração vai se levantar, depois outra...", afirmou.
Khalil al-Hayya, um dos líderes do Hamas, grupo islâmico que controla a Faixa de Gaza, garantiu na segunda-feira que o movimento continuaria.
O Hamas, com o qual Israel travou três guerras desde 2008, apoia essa mobilização, mas garante que ela emana da sociedade civil e é pacífica. Seus milhares de combatentes ainda não pegaram em armas, mas Khalil al-Hayya sugeriu que isso poderia mudar.
O Exército israelense, que mobilizou milhares de homens na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, discorda da natureza pacifista e civil do protesto. Ele acusa o Hamas de misturar homens armados em meio à multidão e de colocar dispositivos explosivos ao longo da barreira.
Vinte e quatro moradores de Gaza mortos na segunda-feira eram "terroristas com um passado terrorista reconhecido", e a maioria era membro ativo do Hamas, ou da Jihad Islâmica, declarou o Exército nesta terça.
Israel diz temer o cenário de pesadelo de palestinos forçando a cerca e se infiltrando em seu território, onde poderiam ameaçar populações civis. Ele alertou que usaria "todos os meios" para proteger a fronteira, seus soldados e civis.
A liderança palestina denuncia um "massacre".
A Faixa de Gaza é, desde o dia 30 de março, palco de um movimento de protesto em massa chamado de a "Grande marcha do retorno", que reivindica o direito dos palestinos de retornarem às terras de onde fugiram, ou foram expulsos na criação de Israel em 1948.
O movimento atraiu dezenas de milhares de palestinos, homens, mulheres e crianças, ao longo da fronteira.
Enquanto a maioria dos moradores de Gaza se mantém a distância da barreira de segurança, alguns grupos desafiam a morte atirando pedras, ou rolando pneus em chamas contra soldados israelenses.
Desde 30 de março, 115 palestinos foram mortos. Apenas um soldado israelense foi ferido.
A "Marcha do retorno" deveria terminar com o "Nakba", mas a inauguração da embaixada americana em Jerusalém agitou ainda mais a situação.