Irã admite quebra de acordo nuclear descoberta pela inspeção da ONU
País também admitiu o uso de centrífugas avançadas de enriquecimento de urânio instaladas em sua usina nuclear subterrânea em Natanz
Estadão Conteúdo
Publicado em 18 de novembro de 2020 às 16h24.
Última atualização em 18 de novembro de 2020 às 17h51.
O Irã admitiu uma nova violação do acordo nuclear de 2015, e o uso de centrífugas avançadas de enriquecimento de urânio instaladas em sua usina nuclear subterrânea em Natanz, informou o jornal britânico The Guardian.
A constatação foi feita pela inspetoria de armas nucleares da ONU, a Associação Internacional de Energia Atômica, e confirmada pelo embaixador iraniano na AIEA.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, considerou na semana passada mas rejeitou um ataque militar em Natanz, ao sul de Teerã, e no principal local de enriquecimento de urânio do país.
Mas o último movimento do Irã pode ser considerado por seu governo como uma provocação que muda seu cálculo de risco, ou o de Israel. O desenvolvimento vem semanas antes de ele deixar o cargo e ser substituído por Joe Biden, que está empenhado em voltar a entrar no acordo nuclear fechado com os iranianos no governo Barack Obama.
Segundo o acordo nuclear de 2015, a República Islâmica só pode acumular urânio enriquecido com máquinas IR-1, de primeira geração, que são as únicas com permissão para operar na usina subterrânea. Mas o relatório da AIEA disse que Teerã estava alimentando hexafluoreto de urânio (UF6) com matéria-prima de gás em máquinas IR-2m avançadas — material que pode ser usado em uma bomba nuclear.
Um relatório anterior da AIEA disse que o Irã instalou as máquinas IR-2m no subsolo. E em seu último relatório, datado de terça-feira, a AIEA afirma: "Em 14 de novembro de 2020, a Agência verificou que o Irã começou a alimentar UF6 na cascata recentemente instalada de 174 centrífugas IR-2m na Planta de Enriquecimento de Combustível (FEP) em Natanz."
O relatório anterior foi baseado em uma visita à planta em 2 de novembro, antes de Biden ser eleito, mas esta última avaliação é baseada em ações iranianas após a vitória de Biden.
O Irã tem violado constantemente os limites estabelecidos no acordo nuclear, no que retrata como uma resposta "calculada e justificada" à decisão dos Estados Unidos de desistir do acordo, impor sanções paralisantes e punir empresas europeias que buscam comercializar com o país.
O Irã já havia informado à agência que iria transferir três máquinas de enriquecimento de urânio de uma planta piloto acima do solo na instalação nuclear de Natanz para a subterrânea. Isso aconteceu depois que a oficina de centrifugação acima do solo explodiu em um aparente ato de sabotagem. A explosão foi atribuída a um incêndio, mas não ficou claro se Israel estava envolvido.
Até agora, o Irã está usando apenas 174 de seus IR-2ms — o país possui mais de 1.000 máquinas do tipo. O acordo permite que o Irã use cerca de 6.000 máquinas IR-1s. Se Teerã mantiver baixo o número de IR-2ms em uso, e mesmo que em algum ponto instale outras centrífugas mais avançadas, mas também mantenha seus números baixos, o país poderia argumentar que está simplesmente tentando restaurar o que tinha acima do solo antes da explosão.
A AIEA declarou na semana passada que as explicações de Teerã eram insatisfatórias sobre como e por que certas partículas nucleares relacionadas ao programa foram encontradas por inspetores da agência em locais onde não deveriam estar presentes.
Em uma longa entrevista publicada na terça-feira, 17, o ministro das Relações Exteriores iraniano, Javad Zarif, esclareceu a abordagem do Irã nas negociações com um governo Biden.
Ele disse: "Se os Estados Unidos implementarem seus compromissos no âmbito da resolução nº 2.231 do Conselho de Segurança da ONU, implementaremos nossos compromissos no âmbito do acordo nuclear. Isso pode ser feito automaticamente e não precisa de negociações. Mas se os Estados Unidos quiserem voltar ao acordo, estaremos prontos para negociar."
A formulação de Zarif sugere que assim que os Estados Unidos suspenderem suas sanções ao Irã, o país voltaria a cumprir o acordo nuclear e pararia de violar os limites de enriquecimento de urânio. Mas Zarif está resistindo a permitir que os EUA voltem ao acordo até que tenha garantias de que os EUA não usarão seu direito de declarar o Irã violador dos termos do acordo e, assim, exigir que a ONU como um todo imponha novas sanções ao Irã.
A disputa com os EUA está sendo travada em um cenário cada vez mais sombrio de mortes crescentes em todo o Irã devido à propagação do coronavírus.
As autoridades de saúde anunciaram na quarta-feira que um recorde de 13.421 novos pacientes foram identificados nas 24 horas anteriores e mais 480 pessoas morreram. O total oficial de mortos é de 42.941. A espiral de novas infecções sugere que o número de mortos continuará a aumentar, pressionando economicamente um país já em dificuldades por causa das sanções americanas.