Há 30 anos, o muro de Berlim caiu e o mundo mudou
Queda do muro tomou de surpresa a Alemanha oriental e mudou o cenário internacional após mais de 40 anos de Guerra Fria
AFP
Publicado em 8 de novembro de 2019 às 10h56.
Última atualização em 8 de novembro de 2019 às 14h18.
O porta-voz da comissão política do Partido Socialista Unificado da Alemanha Oriental (RDA), Günter Schabowski, coça a cabeça confuso, coloca os óculos, duvida, mexe em suas notas manuscritas e parece tentar compreender o que está lendo.
Por fim, afirma: "Até onde eu entendo, isso entra em vigor de maneira imediata, sem demora...".
A bomba acabara de ser lançada.
São cerca de 19 horas do dia 9 de novembro de 1989.
O membro do Partido Comunista da RDA, responsável pela divulgação das informações e integrante da direção do "Estado dos operário e camponeses", anunciava, sem se dar conta do fato, a abertura do Muro de Berlim diante de dezenas de jornalistas estupefatos.
Ele pareceu fazer a declaração de maneira inadvertida, ao final de uma entrevista coletiva e em resposta às perguntas sobre as condições de saída do território para os cidadãos da Alemanha Oriental.
Mas já não havia como voltar atrás.
Passados 30 anos, o debate continua vivo: a brutal queda do Muro de Berlim, que antecedia o que viria a acontecer com todo o bloco comunista, foi um acidente da História? Fruto de um erro da hierarquia comunista mal preparada ou um gesto calculado de parte de uma ditadura de uma RDA esgotada?
Um regime desesperado
Nos corredores do poder em Berlim Oriental, no interior de suntuosas casas de Wandlitz ocupadas por burocratas comunistas, a atmosfera estava pesada havia várias semanas. Como salvar a situação?
A população da RDA, presa atrás da Cortina de Ferro desde 1961, agora escolhe com consciência e desde agosto de 1989 emigra para Alemanha Ocidental passando por outros países do bloco comunista, como Hungria e Tchecoslováquia, que fecham cada vez mais os olhos para isso.
Paralelamente, desde o início de setembro, milhares de alemães orientais se manifestam contra o regime em várias cidades, toda semana, aos gritos de "Somos o povo!" e "Queremos sair!".
A crise chega a um ponto decisivo. E a RDA não pode contar com uma intervenção do grande irmão soviético.
Advertência de Gorbachev
Em Moscou, Mikhail Gorbachev repete à exaustão as palavras "perestroika" e "glasnost".
No início de outubro, o dirigente soviético lança uma advertência profética a Erich Honecker, o homem forte da Alemanha comunista: "A vida castiga os que chegam tarde".
Honecker fica fora da jogada poucos dias depois, em 18 de outubro. O dirigente, que poucos meses antes aplaudia a China pelo "esmagamento da revolta contra-revolucionária" na Praça Tiananmen (Paz Celestial), é substituído por Egon Krenz.
Apresentado como moderado, Krenz pretende salvar a RDA com reformas, como, por exemplo, a liberação das viagens com visto de saída sem regras prévias.
Um erro?
É nesse contexto que Schabowski se vê enviado na noite de 9 de novembro de 1989 com a missão de anunciar ao vivo as medidas de flexibilização decididas no mesmo dia pelo círculo restrito.
A partir daí as versões da história variam.
Egon Krenz até hoje não perdoa Schabowski, a quem acusa de ter levado a RDA a uma situação difícil ao proclamar por iniciativa própria "a entrada em vigor imediata" da possibilidade de saída do país.
Em sua opinião, Schabowski deveria ter se limitado a ler um comunicado anunciando a liberação das viagens a partir do dia seguinte.
A ideia teria sido autorizar saídas controladas com visto obrigatório e manter as instalações na fronteira, e não derrubar o muro de maneira súbita.
Derrubando, no fim das contas, a própria RDA.
Faltou critério por estar sob pressão? Ou foi um gesto calculado? Até sua morte em 2015, aos 86 anos, Günter Schabowski nunca respondeu claramente a essas perguntas.
"Salvando a RDA"
"Ninguém podia deter o movimento que acabava de ser lançado com meu anúncio", analisou ele com simplicidade, querendo parecer, após o ocorrido, um reformador fervoroso.
Segundo sua versão, a abertura das fronteiras foi imposta em 9 de novembro de 1989 de maneira brutal ao comitê central do partido, dominado por uma vanguarda de herdeiros do estalinismo, por parte de um pequeno grupo de reformistas.
"Chegamos à conclusão de que se quiséssemos salvar a RDA era preciso deixar sair as pessoas que queriam fugir", contou Schabowski ao jornal TAZ em 2009.
No entando, o ex-opositor alemão do leste e presidente do Parlamento alemão Wolfgang Thierse tem certeza de que Günter Schabowski nunca imaginou o alcance de seu anúncio.
"Não acredito que soubesse o que ia acontecer. Suspeitávamos que se preparava algo sobre a liberação de viagens porque o Partido Comunista queria diminuir a pressão. Mas Schabowski não imaginava que a explodiria por completo", disse à rádio pública.
Estupefatos
O resultado tomou de surpresa a RDA e mudou o centário internacional após mais de 40 anos de Guerra Fria.
Após ter escutado a mensagem na rádio, na televisão ou por boca a boa, rapidamente milhares de alemães orientais se aglomeram nos postos fronteiriços.
Primeiro prudentes, sem acreditar, foram incentivados ultrapassar pelos berlinenses ocidentais, que já celebravam do outro lado do mundo.
Frente a uma multidão que se animava, logo o controle foi aberto por completo. As primeiras barreiras levantadas em Berlim oriental foram as de Bornholmer Strasse.
Entre os berlineses orientais que viam o oeste como símbolo de liberdade estava Angela Merkel.
A atual chanceler alemã vivia nessa época naquele bairro e tinha acabado de sair da sauna.
"Estávamos mudos e felizes", lembrou em uma entrevista à ARD.
Ela era então uma química pesquisadora da Academia de Ciências da RDA, e festejou de forma modesta bebendo "uma lata de cerveja" junto a amigos no lado ocidental, antes de voltar obedientemente para sua casa.
"A acolhida em Berlim Ocidental foi muito, muito apaixonada", disse em entrevista ao jornal Frankfurter Rundschau.
Logo os postos fronteiriços de Invalidenstrasse e do famoso Check Point Charlie foi abertos. Surpreendidos pelos acontecimentos, a maioria ainda não avisada das decisões do partido, os guardas de fronteira desistiram pouco a pouco das formalidades previstas.
A polícia decidiu recuar.
"Estamos tão perdidos quanto vocês", disse um guarda fronteiriço a uma cidadã igualmente confusa.
"Completamente louco"
Na Câmara dos Deputados alemã, ainda instalada na capital "provisória" Bonn, os parlamentares entenderam desde o início a amplitude do terremoto.
Interrompem sua sessão e começam a cantar espontaneamente o hino nacional, algo nunca visto.
O ex-chanceler Willy Brandt, pai da Ostpolitik, a aproximação com o bloco oriental, tinha lágrimas nos olhos.
Às 22h40, o apresentador mais famoso do telejornal noturno da televisão pública da Alemanha Ocidental, Hanns-Joachim Friedrichs, anuncia: "Berlim Oriental abre o Muro".
O prefeito de Berlim Ocidental, Walter Momper, fala de um dia "histórico". A sorte está lançada.
"O Muro de Berlim já não divide nada", escrevem os jornalistas da AFP, emocionados e conscientes de ver a História sendo feita.
Nessa noite de loucura, os berlinenses de um e do outro lado escalam o Muro diante do Portão de Brandeburgo, símbolo da divisão da cidade.
Alguns usam martelos para destruir a construção de concreto de 160 km de extensão.
Em cada canto, as mesmas cenas de alegria e cujas imagens daraim volta ao mundo, o reencontro de um povo separado desde o final da guerra, se abraçando.
"É algo completamente louco!", foi a expressão que seria repetida por todos muitas vezes naquela noite.
E Günter Schabowski? Para o mensageiro da abertura do Muro, a história terminaria mal: uma condençaão a três anos de prisão por ser um dos responsáveis pela excecução de alemães orientais que tentaram cruzar o Muro de Berlim.