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Guerra na Ucrânia deve provocar queda no crescimento do PIB

Robert Kahn, diretor de macroeconomia global da Eurasia, maior consultoria de risco político e econômico no mundo, prevê recessão na Europa e impacto no PIB global

O economista Robert Kahn, da consultoria Eurasia: PIB do mundo vai cair com a guerra (divulgação/Divulgação)
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Carla Aranha

Publicado em 13 de março de 2022 às 09h00.

Última atualização em 13 de março de 2022 às 11h41.

Considerado um dos maiores analistas de risco político e econômico do mundo, o economista americano Robert Kahn, diretor global de macroeconomia da consultoria Eurasia, tem passado boa parte de seu tempo avaliando os acontecimentos na Ucrânia e a reação dos países ocidentais à guerra . Ex-conselheiro sênior do Banco Mundial e professor adjunto da universidade Johns Hopkins, um dos mais respeitados centros de estudos sobre geopolítica nos Estados Unidos, Kahn falou com exclusividade à EXAME sobre os desdobramentos da guerra para a economia e os reflexos na opinião pública. “Com a crise do petróleo desencadeada pelas sanções à Rússia e as consequências do próprio conflito na Ucrânia, o crescimento do PIB do mundo deve sofrer uma queda de 1 ponto percentual”, diz. “E nova alta da inflação que deve se seguir deve ter impacto inclusive na avaliação do governo Biden”. Veja, a seguir, os principais pontos da entrevista.

Em fevereiro, antes do início da guerra na Ucrânia, a inflação chegou a quase 8% nos Estados Unidos. O custo das sanções à Rússia deve agravar a alta dos preços e impactar a avaliação do governo Biden?

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Não há dúvida de que os americanos estão frustrados pelo alto nível de inflação no país, o que acrescenta novas camadas a um sentimento de insegurança econômica. Isso faz com que as pessoas sintam que não estão se beneficiando da retomada econômica e certamente contribui para a frustração com o governo Biden. Presidentes costumam ser culpados em situações como essa. Novas altas de preços da gasolina e da inflação em geral, que são esperadas, terão um forte impacto na opinião pública. Mas ao mesmo tempo, há um sentimento entre os americanos de que a Rússia invadiu um país sem ser provocada para isso e precisamos dar uma resposta à altura.

Do ponto de vista prático, os consumidores americanos podem acabar pagando pelas sanções contra o petróleo russo?

Os Estados Unidos não importam tanto petróleo da Rússia, mas haverá certos deslocamentos importantes no fornecimento de óleo para o país. Isso vai impactar a inflação. O aumento de preços nos postos de combustível vai aumentar a insatisfação da população. Por outro lado, as pesquisas sobre a opinião dos americanos em relação às sanções ao petróleo russo apontam que 70% das pessoas apoiam a medida.

Os americanos devem continuar apoiando esse tipo de política no médio e longo prazo?

Isso depende inclusive da evolução da guerra. Nossa avaliação é que a guerra vai intensificar porque os russos vão adotar uma política agressiva de bombardeamento que vai atingir centros civis, inclusive Kiev. Mas temos que observar como a opinião pública vai evoluir. Hoje, o sentimento é de que as sanções são uma medida importante para a Rússia dar um passo atrás no conflito.

Mas Putin deve parar a guerra por causa das sanções?

Se as sanções tiverem o apoio dos países europeus, podem reduzir dramaticamente o fluxo de recursos para o governo russo. Agora, eu não acho que a Rússia vai desistir da guerra por causa disso. Mas é possível que as sanções criem um ambiente tão duro para a população russa que isso represente um desafio para Putin.

Houve casos de sucesso com a imposição de sanções no passado, em outros países, para provocar uma mudança de regime?

Não. Ditadores não deixam o poder por causa de sanções.

Isso não aconteceu na Venezuela e no Irã, ambos países que estão sujeitos a sanções, certo?

É verdade. Mas no caso do Irã há a questão do acordo nuclear. Talvez em função das sanções o Irã tenha concordado em se sentar à mesa para discutir a questão nuclear. Na Venezuela, foi um fracasso. Se pensarmos no motivo para essas sanções, algumas vezes são para forçar uma mudança de regime e outras vezes representam uma punição. Há um estudo do Instituto Peterson sobre sanções que aponta que só em um terço dos casos as sanções alcançam o resultado esperado. É importante ter um debate sério sobre esse assunto. No caso da guerra na Ucrânia, há a percepção de que a guerra pode criar riscos que precisam ser endereçados de imediato para não repetirmos erros do passado.

O senhor está se referindo à Segunda Guerra Mundial, quando os países europeus demoraram a perceber as reais intenções de Hitler?

Sim. Desde a Segunda Guerra, há a noção de que as fronteiras precisam ser respeitadas. Isso não impediu que coisas horríveis acontecessem, mas esse princípio nos protegeu, especialmente na Europa. Mas hoje vivemos num mundo completamente diferente. Li em algum lugar que essa é a guerra do Tik Tok. É impressionante o papel das mídias sociais nessa guerra.

O impacto econômico deverá ser ainda mais importante, especialmente na Europa, que deve entrar em recessão com a guerra, não?

O conflito deverá reduzir o crescimento do PIB global em cerca de 1 ponto percentual e a Europa deverá ser afetada mais fortemente do que outras regiões do mundo em função da dependência do gás natural e matérias-primas da Rússia. O Brasil, por exemplo, não deverá ser tão afetado, já que depende menos do fluxo comercial com a Rússia. Um país como o Egito recebe uma maior proporção de grãos da Ucrânia e da Rússia. Mas a estimativa de queda mundial do PIB, com reflexos mais fortes na Europa, deve colocar os países europeus em recessão.

Uma queda global no PIB é especialmente preocupante em um contexto no qual o mundo apenas começava a se recuperar da pandemia, não?

Sim. O fato disso acontecer no terceiro ano da pandemia é preocupante.

O senhor acha que estamos vivendo um momento de transição histórica, marcado por guerra, pandemia, mudanças climáticas e também na geopolítica?

Essa é uma pergunta difícil. Poderíamos passar um bom debatendo isso. Mas uma coisa em que todos podemos concordar, ao menos eu imagino, é que o mundo no pós-pandemia vai ser diferente em muitos sentidos. Sem dúvida é um momento desafiador. Um ponto interessante é o nível em que se encontra a liderança mundial.

Como o senhor avalia a liderança americana e mundial hoje?

Vivemos em um mundo que eu chamo de liderança zero. Os Estados Unidos parecem ter dados vários passos atrás em seu papel de liderança e nenhum outro país está interessado ou preparado para assumir esse papel.

E como o senhor vê a recente mudança de atitude dos Estados Unidos sobre a Venezuela em função da corrida pelo petróleo deflagrada pela guerra?

Guerras mudam políticas globais. Mas a questão da Venezuela ainda vai ser bastante desafiadora. Não devemos assumir que haverá uma normalização dos Estados Unidos com a Venezuela, mas você está certa em apontar que o fato de que essas conversas, entre membros do governo americano e da Venezuela, estejam acontecendo, podem representar uma mudança dramática. Foi uma surpresa para nós também.

Voltando à questão da liderança, o que houve com os Estados Unidos nos últimos anos? Tem algo a ver com a atentado de 11 de Setembro?

O atentado mudou a visão geopolítica da América. Vejo uma série de tendências políticas que podem ter uma raiz no 11 de setembro, entre elas o fato de que nossa política ficou mais polarizada e começamos a deixar nosso papel de liderança no mundo.

É mesmo?

Acho que por exemplo Donald Trump capturou uma mudança em parte do eleitorado que vinha se desenvolvendo há um longo tempo. A polarização da política começou há muito tempo e talvez o ataque aos Estados Unidos tenha a ver com isso. De qualquer forma, se tornou um desafio para os Estados Unidos reestabelecer um senso comum no discurso. Entramos em uma era de discursos extremistas, polarizados e desestabilizadores. Talvez tenhamos começado a analisar nossa capacidade em exercer um papel mais abrangente no mundo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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