Golpe no Níger: militares avaliam processar presidente deposto, e bloco da África Ocidental reage
Junta no poder disse que reuniu evidências para processar Mohamed Bazoum por 'alta traição' e por 'minar a segurança' nacional, provocando críticas da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental
Agência de notícias
Publicado em 14 de agosto de 2023 às 20h06.
Os autores do golpe de Estado no Níger contra o presidente Mohamed Bazoum anunciaram, em um comunicado lido na TV nacional no domingo, a intenção de processar o líder deposto por "alta traição" e por "minar a segurança" do país.
"O governo nigerino reuniu, no dia de hoje (...), evidências para processar o presidente deposto e seus cúmplices locais e estrangeiros junto às instâncias nacionais e internacionais competentes por alta traição e por minar a segurança interna e externa do Níger", declarou o coronel Amadou Abdramane.
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A junta militar no poder sustenta suas acusações com base nos supostos "intercâmbios" de Bazoum com "cidadãos, chefes de Estado estrangeiros e dirigentes de organizações internacionais".
O que dizem os locais e os militares?
A respeito do presidente deposto, os militares disseram que nunca tomaram o controle da residência presidencial, onde Bazoum está, e que ele é livre para se comunicar com o mundo exterior.
Bazoum, de 63 anos, permanece na residência presidencial desde o golpe de Estado de 26 de julho, acompanhado do filho e da esposa. Em entrevista a várias meios de comunicação, ele assegurou que é mantido refém, sem acesso a eletricidade e obrigado a comer exclusivamente arroz e massas. Os militares garantiram que ele "recebe regularmente a visita de seu médico". Segundo um conselheiro do presidente, uma consulta foi realizada no sábado.
"Após esta visita, o médico não revelou nenhum problema sobre o estado de saúde do presidente deposto e dos membros de sua família", acrescentaram os militares.
No comunicado, o regime militar também denunciou "as sanções ilegais, desumanas e humilhantes da Cedeao (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental)", adotadas após uma cúpula da organização, em 30 de julho, em retaliação ao golpe.
Segundo o coronel Abdramane, a população nigerina está sendo "duramente atingida pelas sanções ilegais, desumanas e humilhantes impostas pela Cedeao", que "chegam a privar o país de produtos farmacêuticos, alimentícios", além do "fornecimento de eletricidade". De acordo com os militares no poder, "todas as medidas urgentes estão sendo tomadas para atenuar ao máximo o impacto das sanções".
Governo detido
A respeito das pessoas próximas ao governo deposto detidas após o golpe de Estado, os militares acrescentaram que "reafirmam seu firme desejo de respeitar (...) os compromissos do Níger no tema dos direitos humanos".
A Cedeao condenou nesta segunda-feira a ameaça dos militares nigerinos de iniciar um processo judicial contra Bazoum, acrescentando que recebeu a notícia com espanto.
"A Cedeao condena esta medida, que considera uma nova provocação, e que contradiz a vontade declarada pelas autoridades militares de restaurar a ordem constitucional por vias pacíficas", disse o bloco em nota.
Abertos à democracia
As declarações ocorreram poucas horas depois de mediadores religiosos nigerianos se reunirem com o líder dos militares no poder, general Abdourahamane Tiani, que alegaram que o regime estava aberto a um avanço diplomático.
Tiani "disse que suas portas estavam abertas para explorar a diplomacia e a paz para resolver a questão", disse o xeque Bala Lau, à frente da missão de religiosos muçulmanos, que chegou no sábado a Niamei, capital do Níger.
Segundo Lau, o general "afirmou que o golpe foi bem-intencionado" e que os conspiradores "agiram para dissipar uma ameaça iminente que teria afetado" tanto a Nigéria quanto o Níger. No entanto, Tiani qualificou como "doloroso" que a Cedeao tenha dado um ultimato para restituir Bazoum ao poder, sem escutar "sua versão sobre o assunto", acrescentou.
Os líderes religiosos foram a Niamei com o aval do presidente nigeriano, Bola Tinubu, que também preside o bloco da África Ocidental. A Cedeao cortou as transações financeiras e o fornecimento elétrico e fechou as fronteiras com o Níger — um país sem litoral —, bloqueando as exportações de que a nação, uma das mais pobres do mundo, tanto precisa.
Novo primeiro-ministro
O primeiro-ministro nomeado pelos militares, Ali Mahaman Lamine Zeine, afirmou em uma entrevista ao jornal alemão Deutsche Welle que o Níger é capaz de contornar as sanções.
"Acreditamos que, embora este seja um desafio injusto que nos foi imposto, devemos ser capazes de superá-lo. E vamos fazer isto", afirmou Zeine ao comentar as medidas tomadas pela Cedeao.
Em 30 de julho, a Cedeao deu um ultimato de sete dias para que Bazoum retornasse ao poder sob o risco de uso da força, mas o prazo expirou sem que os militares tenham voltado atrás. O bloco cancelou uma reunião de crise sobre o golpe, que devia ter sido realizada no sábado, em Accra, capital de Gana, por "razões técnicas".
A perspectiva de uma intervenção militar para restituir Bazoum dividiu os membros da Cedeao e suscitou advertências de potências estrangeiras, como Rússia e Argélia. Mali e Burkina Faso, vizinhos do Níger — e também governados por militares que tomaram o poder mediante golpes de Estado —, afirmaram que uma intervenção equivaleria a declarar guerra contra eles. Embora Senegal, Benin, Nigéria e Costa do Marfim estejam dispostos a enviar tropas para o Níger, eles enfrentam fortes críticas internas.