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Uma geração nova e engajada no agronegócio

A crescente pressão sobre produtores brasileiros está provocando uma mudança na maneira tradicional de fazer negócios no setor

Rodrigues, presidente da Ipanema Coffees: quatro certificações ambientais permitem a exportação de café especial para os mercados mais exigentes (.)

Rodrigues, presidente da Ipanema Coffees: quatro certificações ambientais permitem a exportação de café especial para os mercados mais exigentes (.)

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.

O carioca Marcelo Vieira, sócio e diretor da Adecoagro, dedicou boa parte de seu tempo nos últimos 24 meses a acompanhar a construção da recém-inaugurada usina Angélica, em Mato Grosso do Sul. Sócio do investidor húngaro George Soros desde 2006, Vieira vai erguer outras duas usinas na região até 2012.

O projeto deverá consumir 1,2 bilhão de dólares e poderá se tornar um dos maiores pólos de etanol do estado. A construção da usina, porém, marca algo mais do que a agressiva fase de expansão da Adecoagro. Em sua concepção, o projeto segue regras solenemente ignoradas pelo setor sucroalcooleiro até pouco tempo atrás. Questões como manejo socioambiental, proteção de recursos hídricos e conservação de ecossistemas foram tão importantes quanto aspectos de engenharia da estrutura industrial da nova unidade da empresa. Mais que investir em boas práticas socioambientais, a usina Angélica foi concebida para atender a regras de sustentabilidade que ainda nem existem no setor — mas que podem ser estabelecidas no futuro. Uma das preocupações de Vieira foi construir a usina numa área que permitisse 100% de colheita mecanizada, evitando assim a contratação de mão-de-obra temporária na lavoura — por isso, foi escolhida uma área com topografia plana, adequada para receber grandes máquinas. O objetivo é que a usina sul-mato-grossense seja uma das primeiras a receber a certificação de etanol no Brasil, selo que deverá ser lançado em 2009 pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora). "Essas exigências serão cada vez mais comuns, porque o consumidor dos países ricos quer saber como foi feito aquele produto", diz Vieira, de 56 anos.

Integrante da terceira geração de produtores de café e cana no interior de Minas Gerais, Vieira é um dos exemplos de uma nova geração de empresários do agronegócio brasileiro que levam em conta demandas sustentáveis na hora de arquitetar a expansão de suas empresas. Se no passado o uso de queimadas e acusações de trabalho escravo eram corriqueiras, hoje elas são duramente condenadas pelo mercado. Esse novo grupo entendeu a mudança e agora prega que as boas práticas socioambientais são o principal passaporte para conquistar investidores, clientes em outros países e até mesmo valorizar suas marcas dentro do mercado local. Trata-se de uma geração que passou a ver a sustentabilidade, sobretudo, como uma forma de gestão de risco. "O investidor estrangeiro não colocará seu dinheiro em um empreendimento que pode ser tachado de não-sustentável", diz Luis Fernando Guedes Pinto, secretário executivo do Imaflora.


Um dos primeiros redutos do agronegócio em que é possível encontrar empresários voltados para os lucros da sustentabilidade é o de cafés especiais. A produção de bebidas consideradas gourmet começou a adotar há pouco mais de uma década técnicas de manejo que utilizam menos defensivos em campo e, portanto, agridem menos o meio ambiente. A Ipanema Coffees, de Minas Gerais, já detém quatro certificações ambientais que a habilitam a comercializar seus grãos nos mercados mais exigentes. A empresa é uma das maiores produtoras de cafés especiais, com vendas de 35 milhões de dólares em 2007.

É também a única fornecedora brasileira da rede de cafeterias americana Starbucks. "Fazemos até os fertilizantes para ter a garantia do que estamos colocando no solo", diz o engenheiro Washington Rodrigues, presidente da Ipanema, empresa na qual trabalha há 20 anos. Sem terras para expandir sua atuação, a Ipanema Coffees fechou parcerias com quatro fazendas da região para negociar seus cafés no exterior. O acordo prevê que as propriedades sigam os mesmos padrões de sustentabilidade adotados pela empresa. "As novas gerações de cafeicultores estão mais abertas a essas práticas", diz Rodrigues, que exporta 90% do café produzido.

Aos poucos, essa nova maneira de pensar no agronegócio começa a se espalhar por várias regiões do país. Um exemplo é um grupo de pequenos produtores gaúchos de arroz, que seguem um conjunto de regras para que a lavoura tenha o menor impacto ambiental possível. Tradicionalmente, o cultivo de arroz é um voraz consumidor de recursos hídricos. No passado recente, eram necessários 3 litros de água para produzir cada quilo do grão. Hoje, essa equação está mais equilibrada: 1 litro para cada quilo colhido. Os arrozeiros do litoral norte gaúcho querem ir além. Para isso, eles já contam com um fator favorável — as características do clima local. "O vento constante nessa região diminui a incidência de fungos na planta, exigindo assim menores doses de fungicidas", diz o produtor Geraldo Azevedo, que faz parte da terceira geração de uma família de produtores de arroz. Ele cultiva 1 500 hectares do grão na cidade de Mostardas e testa há um ano uma inusitada técnica de manejo — 2 000 marrecos-de-pequim percorrem a plantação com a missão de combater pragas e plantas invasoras, fazendo com que menos defensivos agrícolas sejam usados no campo. A técnica milenar foi criada na China e importada pelo Instituto Rio Grandense do Arroz. Azevedo e outros 500 produtores da região pleiteiam agora um certificado de origem do produto. O selo avaliará apenas a qualidade final do grão, mas o processo de cultivo traz implícitas características ambientais que podem garantir um atrativo extra ao produto, hoje vendido apenas no mercado interno.


O custo é o mesmo

A experiência dos produtores de arroz do litoral norte gaúcho derruba um mito: a agricultura sustentável sempre envolve custos mais altos que a tradicional. Segundo Azevedo, o custo de produção por saca é praticamente o mesmo do cultivo tradicional — embora eles gastem um pouco mais com funcionários, economizam com defensivos. "Boa parte das soluções sustentáveis é simples e não custa nada", diz o produtor.

Azevedo acredita, no entanto, que o certificado de origem permitirá que os agricultores gaúchos briguem pelo mercado de exportação e, conseqüentemente, por preços melhores. "Temos qualidade e valor ambiental para vender", afirma.

O agronegócio cada vez mais desperta para a necessidade de vender suas qualidades ambientais. "Existem muitas ações fragmentadas nos mais diversos segmentos, mas é importante articular e mostrar essas iniciativas", diz Meire Ferreira, superintendente do Instituto para o Agronegócio Sustentável (Ares), entidade fundada há cerca de um ano. O próprio Ares está desenvolvendo um grande banco de dados sobre os temas considerados mais sensíveis ao setor, como a questão de reservas legais e agricultura na Amazônia. Quem está instalado nessas regiões — e sente de perto o calor da pressão — tem corrido para se enquadrar nas novas demandas. Inspirada no exemplo da cidade de Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso, que promoveu a regularização ambiental de todos os seus produtores rurais, a Associação dos Produtores de Soja do Estado de Mato Grosso (Aprosoja) pretende replicar o modelo nos 6 milhões de hectares dedicados à cultura do grão no estado. A entidade diagnosticou que 35% dos fazendeiros já procuraram a Secretaria do Meio Ambiente e têm interesse em corrigir as falhas de suas propriedades. Um trabalho semelhante deverá ocorrer entre os pecuaristas mato-grossenses, que, no momento, estão levantando os dados sobre a atividade. A Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat) contratou uma consultoria para fazer o mapeamento por satélite de toda a área dedicada à criação de gado. "Não sabemos a dimensão do impacto ambiental da pecuária na região, mas a idéia é corrigir o que está errado", diz Luciano Vacari, superintendente da Acrimat. Os dados levantados também vão ajudar a associação a tentar se proteger das críticas que o setor recebe diariamente. "Estamos na linha de tiro e, por isso, precisamos nos defender", afirma Vacari.


Responsabilidade no campo

A receita da nova geração de produtores rurais para lidar com problemas socioambientais históricos do setor
 
Uso de menos defensivos agrícolas: Produtores estão reavaliando a quantidade de defensivos agrícolas que despejam no solo. Nas lavouras de arroz do Rio Grande do Sul, por exemplo, alguns já utilizam marrecos-de-pequim no combate a pragas — e reduzem o consumo de produtos químicos. A medida evita a contaminação do solo e dos recursos hídricos

Aposta na mecanização: Boa parte das novas usinas de cana-de-açúcar já é concebida para trabalhar com a colheita mecanizada. A técnica dispensa a queima da lavoura e a contratação de temporários — fonte de problemas trabalhistas e sociais. Novas usinas, como as do grupo Adecoagro, já prevêem uma colheita 100% mecanizada

Cobrança por mais reservas legais: Em regiões como Mato Grosso, as próprias associações de produtores de soja e criadores de gado estão mapeando as fazendas para identificar quem está descumprindo a lei que determina que cada agricultor deve resguardar uma parte da propriedade agrícola para preservar a vegetação nativa

Em favor do etanol

O setor sucroalcooleiro sai em defesa do álcool combustível - uma resposta às acusações que o produto vem recebendo mundo afora
 
Nos últimos dois anos, os usineiros brasileiros vivem uma batalha diária em defesa do etanol nacional. Todos os dias surgem estudos científicos e declarações de ambientalistas — sobretudo europeus — que questionam o caráter socioambiental do biocombustível produzido no país. Boa parte das vezes o etanol brasileiro recebe por tabela críticas direcionadas a outros combustíveis verdes, como o etanol de beterraba e o biodiesel de colza, produzidos na Europa e bem menos eficientes do ponto de vista ambiental. Para conter os estragos da contra-propaganda, a União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica) abriu um escritório em Bruxelas, capital da União Européia, no começo de 2008. No ano anterior, a entidade já havia designado o consultor Joel Velasco, que foi assessor do ex-vice-presidente americano Al Gore, para representá-la em Washington. Os dois escritórios atuam junto à mídia internacional, às ONGs e aos governos locais, em reuniões e eventos que debatem a sustentabilidade do etanol em relação a outros biocombustíveis. "A discussão deixou de ser técnica e migrou para o campo político. Por isso, temos de atuar em diferentes frentes", diz Márcio Nappa, assessor técnico da Unica.


Uma das frentes mais visíveis dessa movimentação é uma inédita campanha global em favor do álcool combustível, que inclui anúncios nos Estados Unidos (na Califórnia e na Flórida) e na Europa. No Brasil, a Unica também lançou campanhas publicitárias direcionadas ao consumidor local. Por aqui, a idéia é conscientizar a população do valor ambiental do etanol — boa parte dos motoristas só utiliza o álcool quando o preço da gasolina dispara. "O objetivo da campanha é convencer o consumidor brasileiro que, ao usar etanol, ele estará contribuindo para a preservação do meio ambiente", diz José Eustáquio, vice-presidente da Talent, agência que elaborou as peças publicitárias.

A Unica também atacou no campo acadêmico. No começo de outubro, uma missão de cientistas brasileiros foi bater às portas das principais instituições européias para apresentar estudos que mostram que o etanol de cana não desmata a floresta Amazônica e ainda reduz a emissão de gases de efeito estufa. "A idéia é que os dados gerados no Brasil influenciem os cientistas e ativistas europeus em relação ao etanol brasileiro", diz André Nassar, diretor do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais, que apresentou um trabalho sobre a expansão do cultivo de cana. A missão ocorreu justamente na fase final de discussões dos critérios de sustentabilidade para a importação de biocombustíveis pela União Européia. A proposta deverá ser lançada até o final de 2008.

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