"Foi uma tacada arriscada", diz Zylbersztajn sobre Belo Monte
Ex-diretor da ANP diz que a ousadia do consórcio formado por Chesf e Queiroz Galvão não pode virar no futuro uma conta a ser paga pelo governo ou pelo consumidor
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h37.
São Paulo - O ex-diretor da Agência Nacional de Petróleo (ANP) David Zylbersztajn espera que as empresas ganhadoras do leilão da usina hidrelétrica de Belo Monte tenham feito corretamente a análise de risco da obra e se comprometam a perder na margem de lucro caso as contas do projeto não fechem
Exame.com:No consórcio vencedor de Belo Monte, a estatal Chesf terá participação de quase 50%. Como o sr avalia a presença estatal na hidrelétrica?
David Zylbersztajn: O leilão de Belo Monte foi uma decisão estratégica. Tinha que acontecer. E dificilmente sairia sem a participação de uma estatal. A princípio, não vejo problema do estado ser sócio de uma obra desse tamanho. Mas o importante é que a Chesf e a iniciativa privada dividam igualmente a responsabilidade pelo projeto. O que não pode acontecer é a conta recair sobre o governo caso os custos extrapolem o que foi acertado. É preciso tomar cuidado para que Belo Monte não se transforme numa enorme obra com subsídios públicos.
Exame.com:O preço da energia de Belo Monte foi fixado em 77,97 reais por megawatt hora, o que dá um deságio de 6,02% em relação ao preço teto. Como o senhor avalia esse resultado?
David Zylbersztajn: Se comparado com bases históricas, é um valor baixo. Considerando-se ainda que é uma obra de difícil execução, foi sim uma tacada arriscada. Agora, espera-se que as empresas ganhadoras tenham feito a análise de risco desse projeto e se comprometam em perder na margem de lucro caso as contas não fechem. Novamente, o que não pode acontecer é que o ônus seja repassado para o governo ou para o consumidor, na forma de aumento da energia ou novos impostos na conta de luz.
Exame.xom:Existe o risco do custo da usina ser muito maior do que foi estimado, hoje em 19 bilhões de reais?
David Zylbersztajn: É uma obra difícil, numa região remota do país e com riscos naturais. O fato de a Odebrecht e a Camargo Corrêa, as duas construtoras que têm mais experiência em projetos hidrelétricos no país, terem saído do leilão é algo relevante. E não foram só as duas. Muitas empresas se recusaram a participar porque temiam que o valor da obra seria muito maior no final. Isso não significa, no entanto, que a obra esteja destinada a dar problema. Por isso, é preciso blindar desde já Belo Monte para evitar surpresas no futuro.
Exame.com:Como o senhor avalia os riscos ambientais de Belo Monte?
David Zylbersztajn: Sinceramente os riscos sociais me preocupam mais do que os ambientais. Já estive na região de Altamira, no Pará, e a situação lá é bastante violenta e complicada. O que vai acontecer depois de uma explosão demográfica gerada pela obra? Não se pode repetir o que ocorreu com a construção da hidrelétrica de Balbina, no Amazonas. A obra deixou um rastro de miséria na região. Lá, aconteceu o que geralmente acontece com as populações desassistidas: o tráfico de drogas e a prostituição tomam conta. Não se pode esperar o fim da obra para se preocupar com o que vai acontecer com as pessoas depois da usina pronta. É preciso desde já pensar no impacto social e no futuro do entorno de Belo Monte.