TRUMP DISCURSA EM MIAMI: disputa na Flórida é decisiva para as pretensões de ambos os candidatos / Carlo Allegri/ Reuters
Da Redação
Publicado em 6 de novembro de 2016 às 07h58.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h44.
Lourival Sant’Anna, de Miami
Na manhã deste sábado, o auxiliar médico cubano Juan Córdoba pegou um ônibus no sudoeste de Miami para ir votar pela primeira vez na vida. Juan, de 49 anos, chegou aos Estados Unidos em 2002, e poderia ter adquirido a cidadania havia muito tempo, mas só agora fez isso, motivado pelo desejo de barrar Donald Trump: “Não me interessava. Agora que o louco quer ser presidente, quero votar”. Juan, que além de latino, é negro, pode salvar Hillary Clinton.
Os eleitores negros estão comparececendo em menor número na votação antecipada do que em 2008 e em 2012, quando saíram em números recordes para votar no primeiro presidente negro. Em contrapartida, muitos latinos estão votando pela primeira vez. A campanha de Hillary espera que essa maior participação de latinos compense a falta dos negros. De fato, as pesquisas mostram que os latinos tendem mais a votar na candidata democrata.
Em 2012, Barack Obama obteve 60% dos votos latinos, e em 2008, 57%. A votação antecipada na Flórida começou no sábado, 29. Na segunda-feira, os latinos já haviam enviado pelo correio ou depositado pessoalmente 507 mil votos — 97% do total de 2012. E ainda havia cinco dias de votação antecipada. Segundo pesquisa encomendada pela CNN, Hillary está vencendo Trump na Flórida por 49% a 47%. O Estado é considerado vital, por ter o maior número de cadeiras no colégio eleitoral (29) entre os que não são dominados por um dos dois partidos.
Com 4,3 milhões de pessoas, os latinos representam 23% da população da Flórida. Desses, 29% são de origem cubana, seguidos por 20% de porto-riquenhos (que não são imigrantes) e 15% de mexicanos.
Mas nem todos os latinos que estão votando pela primeira vez têm a mesma motivação que Juan. O caso de Jennifer Toledo, de 25 anos, é o oposto. Filha de mãe equatoriana e de pai dominicano, ela praticamente não fala espanhol, mas traz consigo os princípios católicos. “Voto em Trump pelas questões que são importantes para mim, como (a proibição do) aborto. Eu não ia votar em nenhum dos dois, mas num candidato independente. Não gosto da arrogância de Hillary, que se coloca como se fosse superior às outras pessoas. Sei que Trump também não se comporta da melhor maneira. Mas no final, pensei que, dos dois, melhor Trump. Essa eleição é muito importante.” O próximo — ou próxima — presidente escolherá até três juízes da Suprema Corte, hoje com quatro conservadores e quatro liberais, podendo reinterpretar a Constituição em temas como aborto, casamento de homossexuais (ambos legais hoje) e controle de armas (atualmente frouxo).
Confirmando a alta rejeição a ambos, o cubano Omar Amartori, de 32 anos, diz que também não gosta de nenhum dos dois. “Mas escolhi Hillary, a menos ruim. Donald Trump é um empresário. Não acho que se pode administrar um país como um negócio”, pondera Omar, que é engenheiro de produção. “Não só isso. Ele não sabe se comportar. Age de forma irracional.” Além disso, diz Omar, falando em inglês, “como latino, depois de tudo o que ele falou sobre os imigrantes, como se pode pensar em ter essa pessoa como seu representante?” Omar votou em Obama há quatro anos, mas não se considera democrata: “Não acredito em partidos, mas em pessoas. Há gente boa nos dois”.
Mas Omar, que veio de Cuba aos 12 anos, rejeita a política de embargo contra Cuba apoiada pelos republicanos: “Tivemos isso durante 50 anos, e não funcionou. Só as pessoas comuns é que sofrem com isso. O pessoal do regime continua tendo tudo.” Obama normalizou as relações diplomáticas com Cuba, e Omar acha que “já tinha passado do tempo” de fazer isso.
Como Juan, José Fernández, de 54 anos, também é cubano e também se tornou cidadão só agora, motivado pela eleição — mas para votar em Trump. “Porque é uma pessoa próspera, que quer trazer prosperidade para o país”, elogia José, que mora nos Estados Unidos desde 1994 e tem um cargo de chefia de operações na Shell. José acha que o que se diz sobre Trump a respeito dos imigrantes (embora tenha sido ele mesmo que tenha falado em expulsar os 11 milhões de ilegais e construir um muro na fronteira com o México) é campanha de seus adversários, “para que os hispanos não o apoiemos”. “Creio que ele trará um bom futuro para este país, e para os imigrantes. Penso que quem vem com desejo de trabalhar e de lutar neste país, é preciso dar oportunidade a todos.”
Essa visão positiva do empreendedorismo, e de um ambiente favorável de negócios, associada a Trump, é mais importante para uma parcela significativa dos cubanos, que têm trauma do comunismo em seu país de origem. “Com Hillary, vamos nos tornar comunistas”, diz Carmen Díaz, de 77 anos, que veio de Cuba em 1967. Para provar que vive de seu próprio esforço, e não do Estado, Carmen diz que, mesmo aposentada, trabalha até hoje fazendo serviços internos em um escritório de advocacia, e que a única coisa que ganhou, ao chegar aos EUA, foi um estojo da Cruz Vermelha, com sabonete, uma pasta e uma escova de dentes. Seus filhos nem sequer estudaram em escola pública. Ela e seu marido, que abriu nos EUA uma marcenaria de móveis de cozinha, optaram por colocá-los numa escola católica, para que ela pudesse trabalhar o dia todo, organizando festas.
“Muitos imigrantes são folgados, e apoiam Hillary porque querem ganhar do governo cupons de comida, remédios, escola e transporte escolar grátis, sem trabalhar”, diz Carmen. “Chegam aqui sem saber fazer nada, com quatro filhos. Que país aguenta isso? Sustentamos isso com nossos impostos.”
Outro aspecto importante, para Carmen, é a “defesa da família”. “Que Trump ponha três conservadores na Corte Suprema. Se Hillary puser três liberais, acabou a Constituição”, diz ela, citando a permissão do aborto e o controle de armas, como duas medidas às quais se opõe. “Dizem que Trump é louco”, continua Carmen. “Se não der certo, o tiramos daqui a quatro anos. Agora, se entrar uma comunista, não sai mais. Veja o caso de Cuba, Venezuela.”
Carmen preenche bem o estereótipo do cubano da primeira geração, que perdeu tudo para a Revolução de 1959. Ela conta que era professora primária em Cuba, e seu marido, contador público. Quando pediram para deixar o país, o governo forçou o marido a trabalhar por cinco anos nos canaviais, antes de liberar sua saída — como era praxe, na época. Seu filho Pete Díaz, que trabalha em uma empresa de informática, lançou no sábado 29 um livro contra o regime cubano, com suas lembranças de infância. Carmen conta que ele não a consultou sobre nada, e que ela lhe perguntou como ele se lembrava de tudo: “As lembranças daquele período estão cravadas na minha alma”, respondeu Pete, que saiu de Cuba aos nove anos.
“Os cubanos que apoiam Trump são ressentidos com os governos de Cuba e daqui”, analisa José Córdoba, o auxiliar de médico. “Saíram de lá e deixaram aquele regime. Agora querem mudar tudo. Eu, quando nasci, já estava o regime.”
Felizmente para Hillary, esse não é o sentimento predominante entre os latinos com direito a voto — considerando que os 11 milhões de imigrantes ilegais, ameaçados por Trump, não votam.
“Votei em Hillary não porque goste dela, pois ela cometeu erros, mas a política é assim, cheia de erros, feita por um grupo fechado de pessoas que dominam o mundo todo”, afirma a peruana Marcela Ávila, corretora de imóveis de 60 anos, há 20 nos Estados Unidos. “Mas Trump é um menino mimado, que não passou dificuldades, não entende o povo”.
Marcela, de 60 anos, apoia o Obamacare, implantado pelo presidente, que obriga todos os americanos a ter um plano de saúde. A lei é criticada, por ter provocado elevação de 22% nos preços dos planos de saúde, com o aumento da demanda. Mas, como não atinge a renda mínima definida pelo governo para pagar o seu plano integralmente, Marcela paga menos de 120 dólares por mês. O restante é bancado pelo governo. Antes, custaria 360 dólares. Por isso, ela nunca teve convênio.
Em 2008, Marcela votou em Obama para evitar a eleição de John McCain. “Ele era militar, e eu não queria que os Estados Unidos continuassem fazendo inimigos no mundo”, diz ela, embora seu marido, americano, seja oficial retirado da Força Aérea — e vote em Trump, para apoiar os militares e o combate ao terrorismo. Em 2012, Marcela votou em branco: “Achei que Obama não apoiou muito os imigrantes. Muitos deles ainda sofrem. Não fez nada ou não deixaram. Mais uma vez confirmei que a política é dominada por um grupo de pessoas. Não importa quem é presidente.”
Mas “alguém” será eleito na terça-feira. E os dilemas dos latinos são, em grande medida, os de todos os americanos.