Espionagem, motim, tortura: os bastidores do poder de Nicolás Maduro
Desertor-chave do regime de Nicolás Maduro conta como foi chefiar a temida agência de inteligência da Venezuela
Gabriela Ruic
Publicado em 31 de julho de 2019 às 16h40.
Última atualização em 31 de julho de 2019 às 16h46.
Dias depois de ser nomeado chefe da temida agência de inteligência da Venezuela no ano passado, o general Manuel Ricardo Cristopher Figuera foi chamado pelo presidente Nicolás Maduro, que lhe perguntou onde estava o inimigo.
"Não entendo a pergunta", teria respondido Figuera.
"Quero um relatório a cada duas horas sobre o que a oposição está fazendo", Maduro respondeu, listando alguns dos 30 políticos cujo paradeiro e atividades deveriam ser vigiados. Os relatórios, segundo Figuera, deveriam ser enviados não apenas para Maduro , mas também para sua esposa, Cilia Flores, e para a vice-presidente Delcy Rodríguez.
O monitoramento envolveu planilhas com fotos, escutas de ligações celulares e turnos de 24 horas das equipes de quatro agentes em campo observando movimentos e reuniões.
Figuera, o desertor venezuelano mais importante das últimas duas décadas, está nos Estados Unidos oferecendo detalhes do governo cada vez mais autoritário de Maduro e dos esquemas pelos quais o presidente, sua família e associados apropriam-se dos lucros do petróleo, ouro e outros tesouros nacionais de um país, outrora rico, com 30 milhões de pessoas que mergulharam no caos e na fome.
Em mais de cinco horas de entrevistas com a Bloomberg em um hotel de Miami e em um bar de esportes nas proximidades, Figuera, um homem corpulento de 55 anos treinado em Cuba e Belarus, afirmou que os serviços de inteligência venezuelanos se infiltraram no aparato de segurança da Colômbia.
Com isso, no início do ano, os venezuelanos rastrearam os movimentos de um importante desertor, o coronel Oswaldo García Palomo, que teria sido capturado, torturado e interrogado depois de cruzar a fronteira colombiana para ajudar a organizar uma rebelião.
“Um membro do serviço de inteligência colombiano estava em contato com um dos nossos e deu a Palomo um telefone”, disse. "Com esse telefone, ele foi seguido." Figuera afirmou que a tortura de Palomo não ocorreu no Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (SEBIN), sob seu comando, mas na DGCIM, especializada em contrainteligência militar. Figuera disse que Palomo, que ainda está na prisão do SEBIN, é um amigo cujos maus tratos o horrorizaram.
A presidência e o Ministério da Defesa da Colômbia não responderam a pedidos de comentário por escrito.
Grande parte da narrativa de Figuera se apoia na afirmação de que o abuso, a corrupção e o autoritarismo encontrados por ele depois de assumir o cargo o chocaram.
A declaração foi recebida com ceticismo por líderes da oposição, que destacaram o fato de que Figuera passou uma década como chefe-adjunto da DGCIM antes de assumir o controle do SEBIN e que ele certamente parecia totalmente integrado aos elementos mais brutais do aparato de segurança antes de desertar.
Figuera comentou a crítica, dizendo: “Compartilho a responsabilidade pela permanência de Maduro no poder, como qualquer funcionário que tenha feito parte desse projeto criminoso. Mas, se alguém tiver provas contra mim, não tenho medo de enfrentar a Justiça.”
A situação de Figuera nos EUA é temporária. Eliminado de uma lista de oficiais venezuelanos sancionados ao desertar, ele recebeu permissão para permanecer no país, mas não para ser residente. Sua esposa, Barbara Reinefeld, tem um visto de longo prazo porque tem uma irmã e um filho que moram nos EUA.
O casal está morando com a família em Miami enquanto tenta definir os próximos passos, embora Figuera diga que quer apenas retornar à Venezuela o mais rápido possível. Ele acredita que Maduro não dura até o fim do ano. Uma autoridade dos EUA disse que, se Figuera quiser ficar, terá que pedir residência ou asilo.