Espanha vive momento difícil após declaração confusa da Catalunha
Presidente da Catalunha tem até segunda-feira para esclarecer se declarou independência ou não
Da Redação
Publicado em 14 de outubro de 2017 às 08h55.
Última atualização em 14 de outubro de 2017 às 11h33.
Em seu ambíguo pronunciamento de segunda-feira 9, o presidente da Catalunha, Carles Puigdemont, declarou independência mas adiou seus efeitos, à espera de mediação externa para uma negociação com o governo espanhol. Pois bem. O primeiro-ministro Mariano Rajoy definiu o tempo de Puigdemont. Ele tem até as 10 horas (6 horas no horário de verão de Brasília) desta segunda-feira 16, para esclarecer se declarou independência ou não.
Se o presidente catalão não recuar da separação da Espanha, Rajoy ameaça acionar a chamada “opção nuclear”, o artigo 155 da Constituição espanhola, que segundo sua interpretação lhe permite apear Puigdemont do cargo, dissolver o Parlamento regional e suspender temporariamente a autonomia da Catalunha, intervindo em sua administração.
Rajoy, no entanto, ofereceu uma saída honrosa para Puigdemont e para si mesmo. Em reunião na noite de terça-feira com o líder da oposição, Pedro Sánchez, do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), o primeiro-ministro aceitou formar uma comissão, que terá seis meses de prazo para propor uma reforma constitucional acerca da ordenação territorial do país. A ideia seria conceder mais autonomia à Catalunha e ao País Basco.
Foi uma concessão. A criação da comissão era uma proposta antiga do PSOE, muito mais tolerante com as aspirações por autonomia regional do que o Partido Popular, de Rajoy, politicamente vinculado à centralizadora ditadura de Francisco Franco (1939-75). Rajoy se recusou a dar esse passo antes do plebiscito de 1.º de outubro, no qual 43% dos catalães compareceram e, desses, 90% votaram a favor da independência.
A comissão conta com o apoio de todas as bancadas da Câmara dos Deputados, com exceção de dois partidos, por razões opostas: a Esquerda Republicana Catalã (ERC), grupo radical que pressiona pela independência imediata, e o Cidadãos, legenda de centro-direita surgida na Catalunha em 2005, que depois se espalhou pelo país e é contrária à separação.
Rajoy se equilibra sobre uma corda bamba. Líderes separatistas catalães têm tentado articular a derrubada do primeiro-ministro espanhol, cujo PP tem apenas 134 deputados, em uma Câmara de 350 cadeiras. Segundo fontes ouvidas pela agência Bloomberg, os separatistas conseguiram o apoio do partido de centro-esquerda Podemos (terceira maior bancada, com 67 deputados) para formar uma nova coalizão com o PSOE (segunda força, com 84). Com o apoio de bascos e separatistas catalães, formariam uma maioria de 172 deputados.
O PSOE, no entanto, não concordou (ainda) com essa virada de mesa. E a razão é óbvia: o partido não quer assumir o governo da Espanha em um momento tão difícil. Prefere usar a ameaça da dissolução do governo de minoria para pressionar Rajoy a aceitar suas demandas, como está ocorrendo em relação à reforma territorial.
O próprio Rajoy contempla, segundo fontes do governo, a possibilidade de convocar novas eleições, acreditando estar com prestígio por sua luta contra a independência catalã.
Do outro lado do espectro, o Cidadãos, a quarta bancada com 32 deputados, de cujo apoio Rajoy depende, pressiona o primeiro-ministro a acionar imediatamente o artigo 155.
Se Rajoy caminha na corda bamba, Puigdemont está sobre o fio da navalha. A ambiguidade de seu pronunciamento reflete as divisões internas na frente de grupos que apoiaram o plebiscito. Uma parte dos militantes do Junts pel Sí pede cautela e tempo para a negociação.
Outra parte dessa frente, assim como a Candidatura da Unidade Popular (CUP), considera que é preciso seguir adiante sem hesitar, considerando que mais de 700 prefeitos e outros funcionários da administração regional sofrem processos por terem apoiado a realização do plebiscito e 800 pessoas ficaram feridas pela repressão da Polícia Nacional e da Guarda Civil no dia da votação.
“Só sei que estamos em dívida com os que puseram o corpo e o coração por isso na rua”, tuitou Gabriel Rufián, deputado nacional pela ERC. “Até o fim.”
Um grupo de 72 deputados (de um total de 135) do Parlamento catalão firmou uma declaração de independência depois do pronunciamento de Puigdemont. Está marcada para essa segunda-feira uma audiência no Parlamento, na qual Josep Lluís Trapero, o comandante dos Mossos d’Esquadra, a polícia regional, assim como outras personalidades, discursarão em favor da independência imediata.
Essas correntes argumentam que a independência blindaria a Catalunha contra a “opção nuclear”, e facilitaria o envolvimento de mediadores externos. “Se pretendem seguir aplicando as previsões do artigo 155 da Constituição espanhola, que o façam com a república já proclamada”, propõe um comunicado do grupo separatista Assembleia Nacional Catalã (ANC). Segundo a ANC, a declaração de independência faz mais sentido ainda diante da “recusa de Rajoy de negociar”. Entretanto, a posição do primeiro-ministro é de não negociar enquanto for mantida a declaração de independência.
A União Europeia (UE), no entanto, não demonstra o menor interesse em mediar esse conflito, e muito menos em aceitar uma Catalunha independente como membro do bloco. A direção da entidade segue a chamada “doutrina Prodi” (referência ao italiano Romano Prodi, que presidiu a Comissão Europeia entre 1999 e 2004), segundo a qual, se uma região se separa de um país membro, fica de fora do bloco, e tem de iniciar o longo processo de ingresso, sem nenhuma garantia de que conseguirá. Se for um “divórcio litigioso”, o país ao qual a região pertencia pode barrar o ingresso.
“Se a Catalunha se torna independente, outros fariam o mesmo, e não quero uma UE de 98 Estados”, exagerou na sexta-feira o luxemburguês Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, o braço executivo da organização. “Já é difícil com 28, com 27 (depois da saída do Reino Unido) não será fácil, mas com 98 seria impossível.” O bloco toma decisões por consenso, ou seja, se um discorda, não se aprova uma proposta.
A maior parte dos países da UE tem regiões com aspirações separatistas, como o norte da Itália; a Córsega, na França; Flandres, a região de língua holandesa da Bélgica; a Bavária, na Alemanha; além da Escócia, que deve deixar de ser um problema europeu em 2019, com a saída do Reino Unido.
“Apelo à responsabilidade de todos os atores afetados, e gostaria de explicar que a Comissão não vai interferir”, continuou Juncker. “Recebemos pedidos para exercer o papel de mediadores. Mas não vamos fazê-lo, porque isso poderia provocar sérias rupturas na UE.” Ao mesmo tempo em que considera a crise catalã um “assunto interno” da Espanha, o dirigente europeu admitiu que vem pressionando o primeiro-ministro espanhol, embora não tenha usado esse verbo: “Há dias que peço a Rajoy que tome medidas para que a situação não se descontrole. Foram feitas coisas, mas há muito a fazer.” Se ao menos Rajoy soubesse o quê…