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Entenda a crescente tensão racial e violência nos EUA

Embora condenada pelo presidente Barack Obama, a violência policial já é um horror comum para os cidadãos americanos. Mais ainda para a comunidade negra

Tensão racial: levantamento mostra que negros têm até três vezes mais chances de ser mortos por policiais do que brancos (Mark Wallheiser / Getty Images)

Luísa Granato

Publicado em 24 de julho de 2016 às 07h00.

Última atualização em 25 de novembro de 2016 às 15h45.

São Paulo - Alton Sterling e Philando Castile: esses são mais dois negros mortos por policiais nos Estados Unidos (EUA) no começo de julho. Seus nomes se juntam a outros 160 mortos somente em 2016 e a mais 346 casos semelhantes em 2015. Estes dados são do “Mapping Police Violence”, um site que compila dados colaborativos sobre a violência policial nos EUA.

Embora condenada pelo presidente Barack Obama, a violência policial já é um horror comum para os cidadãos americanos, ainda mais para a população negra .

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Com os três anos do começo do “Black Lives Matter”, movimento social focado na luta contra a violência que foi criado após a absolvição do segurança que matou o adolescente de 17 anos Trayvon Martin em 2013, o cenário de desconfiança e tensão racial cresce no país, estimulado pelo número cada vez maior de mortes de negros, a impunidade dos policiais na justiça e a falta de políticas eficazes para acabar com esse problema.

O clima se tornou ainda mais inflamado com os ataques que mataram três policiais em Baton Rouge, no estado de Louisiana, no último dia 17, e mais cinco em Dallas, no estado do Texas, na semana anterior. As investigações mais tarde revelaram que os atiradores, ambos com histórico no serviço militar, teriam buscado vingança da força policial.

O descontentamento da comunidade negra não é infundado. Segundo os levantamentos do “Mapping Police Violence”, negros têm até três vezes mais chances de serem mortos por policiais do que brancos. Em casos de mortes em que a vítima não estava armada, essa possibilidade é até cinco vezes maior.

Os relatórios avaliaram os dados sobre todas as mortes relacionadas às abordagens policiais no país e seus números ajudam a derrubar alguns mitos sobre a violência nos EUA. Um deles é a relação entre essas mortes e o comportamento criminoso. O site constatou que menos de um em cada três negros mortos nesses casos era suspeito de crime violento ou de estar armado.

De acordo com o site, os negros representam 26% dos mortos por policiais, o que traz à tona uma disparidade em relação a sua proporção na população, que é de aproximadamente 12%.

As análises mostram ainda que a população negra é a mais vulnerável, pelo menos é esse o cenário nas cem maiores cidades do país, onde um homem negro desarmado tem seis vezes mais chances de ser morto pela polícia que um branco. E em 17 dessas cidades, homens negros tem mais probabilidade de serem mortos pela polícia do que o americano médio tem se ser morto por qualquer pessoa.

Novo racismo

A vulnerabilidade das vidas negras não é um fenômeno que tem origem somente nas ruas. Para Flávio Francisco, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em História dos EUA, o racismo no país é institucionalizado e é resultado de uma evolução observada após o final do segregacionismo em 1964.

Até então, a lei permitia a segregação racial, excluindo negros de locais e serviços públicos em favor dos brancos e atuando com descriminação e opressão. Com o fortalecimento do movimento dos direitos civis nas décadas de 50 e 60, a comunidade se organizou em protestos, pedindo por direitos iguais. Lideranças como Martin Luther King chamavam a comunidade para boicotes a serviços públicos e para marchas pacíficas contra violência policial.

“O racismo anterior (que culminou nos movimentos dos direitos civis da década de 60) estava na lei, agora está no aparato da guerra às drogas e nas instituições, com o perfil racial, prisões privadas que lucram com o sistema e uma justiça mais severa com os negros e latinos”, explica o pesquisador.

A partir do fim dessa fase da história americana e da conquista de direitos pela população negra, nota-se então o surgimento de uma nova era onde a regra é a negação da raça. “Porém”, explica o historiador “persiste o discurso de que o negro não faz parte da cultura americana, mas de uma cultura de gueto, que não é compatível como o ideal do trabalho duro e do ‘self-made man’. ”

Esse pensamento ganhou força no governo de Ronald Reagan, entre os anos de 1981 e 1989, com a diminuição das políticas sociais e o aumento nos investimentos relacionados ao aparato da segurança nacional, especialmente focado na chamada guerra às drogas . Esses dois elementos acabaram acentuando a perfil equivocado do negro como potencial criminoso.

Desilusão Obama

Se há uma decepção que a gestão Obama deixará para seus eleitores, é a sua relutância em solucionar as distorções trazidas pelo novo racismo. “Havia grande expectativa dos negros de que o presidente negro tivesse um compromisso maior com a questão racial”, comenta o pesquisador. “Ele fez falas públicas e problematizou, mas não instalou uma política para as causas da violência”.

Somente no final do seu mandato, no começo desse ano, é que Obama visitou prisões e falou sobre aliviar as penas para pequenos delitos envolvendo drogas.

Em 2008, 58% dos presos eram negros ou latinos, segundo os dados da organização NAACP, organização pelos direitos civis fundada em 1909. Ainda segundo os dados da entidade, negros são até dez vezes mais presos do que brancos por uso de drogas, embora os brancos representem um grupo até cinco vezes maior de usuários de substâncias ilegais.

A eleição do primeiro presidente negro da história foi ainda marcada por uma forte reação da oposição republicana junto ao “Tea Party”, movimento conservador autônomo que pede a redução do papel do estado, e que tentou a todo custo deslegitimar as ações de Obama e enfraquecê-lo politicamente. Um exemplo é a disseminação do boato de que ele não seria um cidadão americano.

Para Francisco, a atuação de Obama sobre os direitos de minorias pode ser muito mais eficaz fora da Casa Branca que um dia foi durante os seus oito anos no poder. Sem a necessidade de prezar pelo equilíbrio e pela diplomacia, o historiador avalia que ele pode se transformar em uma liderança dentro dos movimentos sociais, aproveitando um momento de boa popularidade.

Trump x Hillary

Para o futuro, nas eleições presidenciais, a escolha dos jovens negros e ativistas traz incerteza, já que o voto não é obrigatório no país. O tema da violência policial contra negros, porém, deve ser central no debate presidencial. “Esses jovens conseguem estabelecer a agenda do debate, mas não sabemos se eles vão às urnas”, comenta Francisco.

Entre Hillary Clinton e Donald Trump, os rivais que disputarão o pleito em novembro, nenhum deles tem boa aceitação entre os ativistas do “Black Lives Matter”, que em sua maioria simpatizavam com a agenda do Bernie Sanders.

“O movimento tem críticas pesadas à Hillary, por sua relação com o ex-presidente Bill Clinton, e também por discursos em que ela culpou as famílias negras por não educar bem seus filhos”, explica o pesquisador da USP.

No que diz respeito ao empresário republicano, que conseguiu ter 0% de apoio dos eleitores afro-americanos em Ohio em uma pesquisa feita pela NBC e o Wall Street Journal no início de julho, Francisco avalia que a sua candidatura traz uma perspectiva negativa para o contexto de violência policial nos Estados Unidos.

E isso nota-se desde logo no slogan escolhido por Trump , “Make America Great Again”, onde, segundo o historiador, ele “retoma uma nostalgia de uma época de supremacia branca e racismo. “

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