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A distante revolução da celulose

Grande aposta da política energética americana, a produção em larga escala do etanol celulósico passa por dificuldades - e deve levar mais tempo do que o previsto

Laboratório da Verenium, nos Estados Unidos: parceria com a British Petroleum em biocombustíveis de segunda geração (.)
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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.

O governo dos Estados Unidos reconheceu, no início de fevereiro, que a produção de etanol celulósico do país será irrisória em 2010. Apenas 24 milhões de litros deverão ser produzidos neste ano. Pelo andar da carruagem, vai ser muito difícil, para não dizer impossível, atingir a meta de 61 bilhões de litros em 2022, o que representaria mais de 40% da oferta de combustíveis renováveis no mercado dos Estados Unidos. Nas políticas energéticas elaboradas pelo governo americano, o etanol celulósico, ou de segunda geração, sempre teve posição de destaque. A aposta na tecnologia foi - e continua sendo - uma marca da política energética americana. Eis o que diz a teoria: toda e qualquer matéria orgânica contém açúcar e, portanto, pode ser transformada em etanol combustível. E pode mesmo. A questão é como fazê-lo. Centenas de milhões de dólares, de fundos de investimento privados e de programas oficiais, já foram despejados em empresas que pretendem transformar em realidade o sonho de obter combustível de grama, lascas de madeira e até mesmo do lixo. Mas, até agora, não surgiu uma alternativa economicamente viável e que possa ser aplicada na escala necessária. O etanol de celulose, uma das grandes promessas para reduzir a dependência do petróleo, por enquanto segue sendo apenas isso: uma promessa.

Os combustíveis renováveis, especialmente aqueles de nova geração, estão sujeitos a inúmeras variáveis, do preço do petróleo, que tem influência direta na atratividade econômica, aos avanços da ciência. Mas um fator especialmente sentido nas tentativas de tornar viável o etanol celulósico foi a crise financeira global do fim de 2008. Investidores fugiram de todo e qualquer tipo de risco, e isso não foi diferente com a segunda geração de biocombustíveis. O montante de investimentos caiu de 538 milhões de dólares em 2008 para 180 milhões no ano passado, de acordo com um levantamento da Bloomberg New Energy Finance (NEF), consultoria que acompanha as movimentações da área de energias renováveis. A nascente indústria passou a depender ainda mais dos incentivos públicos para que seus negócios não perdessem musculatura financeira. Mas os incentivos concedidos pelos departamentos de Energia e de Agricultura, ambos do governo federal americano, são condicionados à coparticipação de investidores privados. Ou seja: muitos dos projetos foram duramente afetados pela seca de capital. "Mesmo antes da crise, não estava fácil para as empresas conseguir recursos no mercado financeiro", diz Andrew Herndon, da New Energy Finance. "Agora, então, assegurar recursos para financiar os projetos tem sido um dos mais duros desafios para muitas companhias."

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Nesse cenário, duas peças serão cruciais para impedir que o progresso da tecnologia seja interrompido em razão da falta de crédito e de investimentos de risco. Um deles é o interesse cada vez maior das grandes petrolíferas. A BP, empresa britânica de petróleo, tem muitos investimentos no setor. Um de seus mais importantes compromissos com a nova tecnologia são duas joint ventures com a Verenium, umas das empresas mais importantes da segunda geração de biocombustíveis nos Estados Unidos. Uma delas visa desenvolver a tecnologia por meio da Galaxy Biofuels, que recebeu 90 milhões de dólares da BP. A outra parceira, a Bercipia Biofuels, atuará na comercialização do celulósico e tem como finalidade prioritária construir uma usina desse tipo de combustível na Flórida. Com previsão de início das obras ainda neste ano, a Verenium aguarda há meses pela aprovação de apoio financeiro do Departamento de Energia. A modalidade de apoio esperado pela Bercipia diz muito sobre o comprometimento do governo americano para tornar realidade o etanol celulósico: trata-se de um empréstimo garantido. Se, por alguma razão, a empresa não conseguir saldar as dívidas contraídas para financiar a instalação das usinas, o Departamento de Energia assumirá as obrigações com os credores.


Empurrão do governo

Outra via de apoio público são os financiamentos a fundo perdido - desde que haja alguma contrapartida de investidores privados. Apesar de toda a promessa de ajuda governamental, ela tem demorado para se materializar. Dos 15 projetos de etanol celulósico selecionados em 2007 pelo Departamento de Energia para receber um total de 615 milhões de dólares, somente dois haviam sido aprovados até fevereiro passado.

Se a participação do governo é imprescindível para tornar real o novo produto, não menos importante é a batalha para cortar custos, ainda muito altos quando comparados ao que ocorreu na fase áurea do etanol de milho. Segundo estimativas da NEF, o custo de construção de uma usina de etanol celulósico pode ser até 30 vezes superior ao gasto para instalar usinas de etanol de milho em 2006 e 2007, embora haja muitas variações conforme a tecnologia empregada. De qualquer maneira, mesmo que se utilizem as tecnologias mais econômicas, o custo para construir uma unidade de celulósico é superior ao das usinas de etanol de milho em pelo menos 50%. Além disso, os custos de extração do açúcar de novas matérias-primas orgânicas ainda não estão nem remotamente perto dos que existem hoje para o milho. Mas há notícias animadoras.

As companhias dinamarquesas Novozymes e Danisco anunciaram recentemente que foram bem-sucedidos os testes em novas enzimas que poderão baratear significativamente a produção do etanol celulósico na via bioquímica (há outras formas de produção, como a termoquímica e a hidrólise ácida). Conforme divulgou a Novozymes, suas duas novas enzimas seriam capazes de reduzir os custos a um padrão similar ao do etanol de milho e dos derivados de petróleo. Outro ganho pode vir de novos modelos de negócios para o setor de etanol, que integrem o máximo possível a indústria às fazendas de onde vem grande porção da matéria-prima para as usinas. Nos Estados Unidos, diferentemente do que ocorre no setor sucroalcooleiro no Brasil, as operações agrícola e industrial na área de milho são separadas. Isso significa que muitas vezes a usina está muito distante da fazenda que fornece o milho utilizado na produção do etanol. A mesma dificuldade está afetando os custos de transporte dos resíduos de milho para as fábricas que testam a viabilidade econômica e tecnológica do celulósico.

Diante dos problemas que afetam o ritmo de crescimento da nova tecnologia, as empresas brasileiras visualizam uma brecha para exportar etanol celulósico de cana- de-açúcar para os Estados Unidos em um futuro próximo. Há, porém, três complicadores importantes para que o negócio se torne realidade para o Brasil. Um deles é o protecionismo que cerca o setor americano de etanol de milho. Embora esteja claro para todo mundo que o produto brasileiro é muito mais barato e ambientalmente mais benéfico que o álcool de milho, a barreira tarifária continua de pé, impedindo que a produção brasileira tome conta do mercado americano de combustíveis renováveis. Outro empecilho é de ordem tecnológica: o Brasil está bem atrás dos Estados Unidos na corrida para viabilizar a utilização comercial do celulósico em larga escala. Os projetos brasileiros ainda tentam encontrar uma maneira mais fácil e rápida de converter a celulose em açúcar, na fase inicial da produção do álcool celulósico, a etapa mais difícil na tecnologia.


Três projetos destacam-se no país. Enquanto a pioneira Dedini insiste na hidrólise ácida para transformar o bagaço da cana em açúcar, o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) e a Petrobras preferem a via bioquímica, com a utilização de enzimas. "O etanol celulósico de cana será mais barato que o americano", diz Jaime Finguerut, gerente de desenvolvimento estratégico industrial do CTC. "O Brasil começou a pesquisar a tecnologia ainda na década de 80, praticamente emparelhado com os centros de pesquisa americanos", afirma José Luiz Olivério, vice-presidente de tecnologia e desenvolvimento da Dedini. Desde então, entretanto, perdeu terreno para laboratórios americanos e europeus. Na Dedini, sediada em Piracicaba, no interior de São Paulo, a produção do celulósico já foi dominada, mas o projeto foi suspenso no fim de 2007, à espera de ajustes na engenharia dos equipamentos utilizados na hidrólise ácida da celulose. "Vamos instalar a usina demonstrativa ainda neste ano, com capacidade para produzir 50 000 litros por dia, dez vezes mais que a da planta piloto", diz Olivério.

Já o CTC firmou em 2009 um acordo de cooperação com a Novozymes, da Dinamarca, para utilizar as enzimas da empresa em seus testes, realizados desde junho passado em uma pequena usina piloto. O CTC espera tornar real a utilização comercial de etanol celulósico até 2012. Finalmente, o terceiro limitante é a oferta de matéria-prima. Cerca de 80% das usinas brasileiras possuem caldeiras de baixa pressão. Como são ineficientes, elas consomem mais bagaço para produzir a mesma quantidade de energia gerada nas usinas mais modernas. Ou seja: sobra pouco bagaço para a produção do etanol de celulose. Mas as usinas mais modernas otimizam o uso dos restos da cana.

O etanol celulósico do Brasil, se viabilizado tecnológica e comercialmente, será certamente mais barato que o similar americano. Mas quem continuará liderando e está mais perto de colocar bilhões de litros do novo combustível no mercado ao longo desta década são os Estados Unidos. Contudo, a recuperação econômica do país é fundamental para trazer de volta à tecnologia os investimentos de risco que evaporaram em 2009. Como a Agência de Proteção Ambiental americana manteve em fevereiro as metas anuais totais para a utilização de combustíveis renováveis até 2022, o Brasil bem que poderia acelerar o desenvolvimento do celulósico de cana para preencher lacunas na produção dos Estados Unidos.

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