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Discurso de Lula à plenária do Fórum Econômico Mundial

Pronunciamento do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ao Fórum Econômico Mundial Davos-Suíça, 28 de janeiro de 2005 Senhor Klaus Schwab, fundador e presidente do Fórum Econômico Mundial, Meus amigos e minhas amigas, Volto ao Fórum Econômico Mundial de Davos depois de dois anos. Como da primeira vez, venho diretamente do Fórum Social […]

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Da Redação

Publicado em 12 de outubro de 2010 às 18h39.


Pronunciamento do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ao Fórum Econômico Mundial

Davos-Suíça, 28 de janeiro de 2005

Senhor Klaus Schwab, fundador e presidente do Fórum Econômico Mundial,

Meus amigos e minhas amigas,

Volto ao Fórum Econômico Mundial de Davos depois de dois anos. Como da primeira vez, venho diretamente do Fórum Social Mundial. Em Porto Alegre discuti iniciativa da sociedade civil para viabilizar as Metas do Milênio contra a forme e a pobreza. Lá, como aqui, carrego a mesma agenda de desafios em busca de uma ordem social mais justa. Não se trata de ignorar as diferenças ideológicas, mas de reconhecer que há problemas no mundo que afetam a todos. O Brasil está fazendo a sua parte.

Resgatar o elo perdido entre o crescimento e a justiça social é a premissa estratégica do meu governo. O Brasil conquistou a estabilidade e retomou o seu crescimento.

Eu me lembro de que quando estive aqui, em janeiro de 2003, tinha um misto de medo, de incertezas, do que um torneiro mecânico poderia fazer na Presidência do seu país. E, ali, nós anunciamos alguns compromissos. A primeira coisa que nós fizemos no Brasil para que as coisas começassem a melhorar foi fazer algumas reformas que entendíamos necessárias e importantes para que acontecessem as coisas do jeito que o Brasil precisava. Fizemos duas reformas importantes: a reforma tributária e a reforma previdenciária. Mais recentemente, aprovamos um projeto de lei de Parceria Público-Privada; aprovamos o projeto de reforma do Poder Judiciário; aprovamos uma nova Lei de Falências; aprovamos uma nova Lei de Patentes e aprovamos uma nova Lei de Inovação. Concomitantemente, fizemos os marcos reguladores no setor de energia elétrica e no setor de saneamento básico.

O resultado dessa política significou, depois de muitos anos, a economia brasileira crescer 5,3%; o risco-Brasil ser o menor dos últimos sete anos, a inflação, que era de 12,5% em 2002, para 7,2% em 2004; a dívida do setor público reduzir-se de 55% do PIB, em 2002, para 53,7% em 2004. Tivemos um recorde de exportações, 96 bilhões de dólares, com superávit recorde de 33 bilhões de dólares. As exportações brasileiras cresceram em dois anos 60%, tendo atingido os 96 bilhões de dólares.

A produção industrial, de janeiro a novembro de 2004, cresceu 8,3%; os investimentos estrangeiros diretos, em 2003, 10 bilhões, 140 milhões de dólares; em 2004, 18 bilhões, 160 milhões de dólares.

Tomamos a decisão de fazer com que o Brasil assumisse a responsabilidade de ter uma forte política de infra-estrutura para dar vazão ao crescimento que nós imaginamos que o Brasil vai ter daqui para a frente. Priorizamos para este ano a questão das nossas ferrovias, das nossas rodovias, dos nossos portos e aeroportos, sem os quais a nossa produção não consegue escoar nem internamente e, muito menos, do Brasil para outros países.

O dado mais importante é que esse crescimento econômico permitiu que o desemprego caísse de 12,9% em 2003, para 9,6% em 2004, e foram gerados, neste período, dois milhões e 100 mil novas vagas em dois anos. Mas, o mais importante é que quando eu vim aqui lancei o programa de combate à fome, anunciei que seria prioridade. E criamos no Brasil um programa chamado Bolsa Família, que faz parte do programa Fome Zero, e terminamos, no dia 31 de dezembro de 2004, atendendo a seis milhões e meio de famílias, o equivalente a mais de 20 milhões de pessoas. Até dezembro deste ano, nós chegaremos a 8,7 milhões de famílias, e até o final de 2006, se Deus permitir, nós chegaremos ao total das famílias abaixo da linha da pobreza que o Instituto de Pesquisas, o IBGE, afirma ter no Brasil.

Tivemos algumas medidas que foram muito interessantes, algumas experiências muito ricas, que colocaram a economia brasileira para funcionar mais rápido. Milhões de brasileiros, que nunca tinham tido acesso à conta bancária, passaram a ter uma conta bancária com um programa de bancarização que nós fizemos, sobretudo, para pequenos correntistas.

Fizemos uma política de financiamento para os trabalhadores com empréstimos a menos de 50% do que habitualmente ele estava acostumado a pagar, com desconto em folha.

E, mais recentemente, tivemos o privilégio, o prazer de anunciar 118 mil bolsas de estudo em convênio com as universidades privadas do meu país.

Mas o mais importante de tudo que aconteceu nesses dois anos de governo, é que nós também assumimos um compromisso de tentar mudar a geografia comercial do mundo. E quando falamos isso, alguns imaginavam que nós iríamos brigar com os Estados Unidos ou que nós iríamos brigar com a União Européia. E nós afirmávamos que, primeiro, não tinha porque brigar com a União Européia, que é um grande parceiro comercial. Segundo, não tinha porque brigar com os Estados Unidos que, individualmente, é o nosso parceiro comercial. O que nós tínhamos era que criar novas parcerias e novas realidades no mundo dos negócios.

Por conta disso, em apenas dois anos de governo, eu viajei por 35 países: visitei todos os países da América do Sul, visitei dez países da África, visitei sete países do Oriente Médio, visitei a Índia, visitei a China e visitei alguns da América do Sul mais de uma vez, além de alguns países da Europa que eu visitei.

Estabelecemos uma política chamada "política da assimilaridade", a política daqueles que têm praticamente as mesmas condições e que, muitas vezes, têm um comércio exterior menor do que aquele que ele poderia ter. E com isso nós pudemos chegar no final de 2004 com o nosso comércio com alguns países do Oriente Médio crescendo a 70%, e o nosso comércio com a América do Sul crescendo 60%, e com a União Européia crescendo 30%, numa política vigorosa, desmontando uma doutrina que existia no Brasil de que só era para se exportar o excedente. Ora, a gente fazia uma política grande de exportação, ora a gente deixava de exportar e fazia uma política interna, e o Brasil nunca definia que era possível conviver, ao mesmo tempo exportando bem e fazendo o mercado interno crescer bem.

Fizemos uma coisa muito importante que foi o processo de recuperação do Mercosul. O Mercosul que estava fragilizado, o Mercosul que alguns falavam que ia acabar, hoje está mais vigoroso e, mais importante, todos os países da América do Sul, até a Comunidade Andina, participam ativamente como sócios do Mercosul e, mais recentemente, na cidade de Cuzco, nós criamos a Comunidade Sul-americana de Nações, numa demonstração de que a gente pode continuar olhando o mundo todo, mas nós temos que cuidar do nossos vizinhos com uma política de integração sólida, não a integração teórica, mas a integração de ferrovias, de rodovias, de hidrovias, de telecomunicações. E, por isso, o Brasil tem feito bons investimentos para ajudar, junto com a CAF, que está aqui, junto com o BNDES brasileiro, projeto de infra-estrutura em países como o Peru, como a Venezuela, como a Bolívia, como a Colômbia, como o Equador, Argentina, Uruguai e Paraguai, porque nós entendemos que, como maior país do Continente, o Brasil tem obrigação de fazer com que essas obras de infra-estrutura sejam, muitas delas, às vezes financiadas pelo Brasil através do seu Banco de Desenvolvimento.

O resultado disso é que nós geramos uma esperança, uma expectativa muito importante na América do Sul. E geramos uma expectativa muito mais do que na América do Sul, com os países africanos que o Brasil praticamente tinha abandonado, ou seja, o Brasil normalmente olhava para os Estados Unidos e olhava para a Europa passando os olhos por cima da África. E nós resolvemos que tínhamos uma dívida histórica com a África, tínhamos que pagar essa dívida. E para pagar essa dívida era preciso restabelecer as relações políticas com a África. Por isso nós visitamos muitos países africanos, por isso melhoramos a nossa parceria com Angola, por isso melhoramos a nossa parceria com Moçambique, por isso melhoramos a nossa parceria com alguns países da África, inclusive os países de língua portuguesa.

Eu posso dizer que o Mercosul hoje é mais sólido, o Mercosul hoje está em melhores condições para fazer acordo com a União Européia, e nós sabemos que é um acordo difícil, mas necessário, para que a gente possa estabelecer essa relação comercial.

Temos uma forte parceria com a Argentina, que passou a (inaudível), temos uma forte parceria com a Índia, temos uma forte parceria com a África do Sul (inaudível), que quanto mais (inaudível) nós temos de evitar (inaudível) um momento de crise no mundo (inaudível) possa (inaudível). E pretendemos este (inaudível) que o Furlan entende que a gente deve atingir.

Mais importante ainda é que essa política de mudar, de criar uma nova geografia comercial no mundo, ela se fortaleceu muito quando nós constituímos o G-20 a partir daquela reunião de Cancún e que poderá, depois, mostrar a força, em Genebra, e poderá mostrar mais força ainda nas negociações dentro da OMC este ano ainda, se Deus quiser.

Por isso, eu poderia dizer para vocês que o Brasil, finalmente, está tendo a possibilidade de vir a Davos, depois de dois anos, e dizer que, finalmente, o Brasil tomou a decisão de ter um ciclo de crescimento sustentando, de permitir que o Brasil possa crescer por 10, 15 ou 20 anos, sem que o Brasil faça nenhuma aventura de crescer um ano e decrescer cinco ou seis anos seguidos. E nós estamos provando que é possível ter uma forte política fiscal e, ao mesmo tempo, uma forte política social.

Nesses dois anos já foram alfabetizados cinco milhões de jovens e adultos; nesses dois anos já criamos farmácias populares para vender remédio mais barato; nesses dois fizemos um grande programa de saúde bucal no nosso país; nesses dois anos assumimos o compromisso de acabar com hanseníase no Brasil e nesses dois anos nós, certamente, só para se ter uma idéia, no Orçamento da educação deste ano, nós colocamos verbas que vão recuperar 75% da diminuição de verbas que o Estado brasileiro teve nos últimos dez anos.

Eu poderia dizer, portanto, Presidente, e por isso vim a Davos, porque amanhã tem uma grande reunião com empresários do setor, com investidores, para mostrar o que o Brasil tem a oferecer, quais são as oportunidades que o Brasil pode oferecer a quem queira investir, tanto do ponto de vista da estabilidade fiscal, quanto do ponto de vista da estabilidade econômica. E, ao mesmo tempo, nós sabemos que com a estabilidade econômica, com a garantia de que o Brasil vai ter um crescimento sustentado, é muito mais fácil, será muito mais fácil nós podermos resolver os problemas sociais que se acumularam ao longo de mais de um século no nosso país.

Portanto, eu volto, aqui, dois anos depois, vindo de Porto Alegre, mais otimista, muito mais otimista, com muito mais certeza de que o Brasil não jogará fora essa oportunidade que o momento histórico e político lhe deu. Que o Brasil vai continuar crescendo, vai continuar gerando empregos, vai continuar fazendo com que haja aumento da massa salarial, vai continuar distribuindo renda e vai continuar a criar essa força internacional para que a gente possa ter muito mais peso nas negociações comerciais, com muito mais parceiros pensando da mesma forma, agindo da mesma forma para que possamos nos proteger, muitas vezes, do poderia econômico dos parceiros que negociam conosco, sobretudo na OMC.

É por isso que eu, depois de dois anos, estou aqui. Estou aqui para dizer ao Presidente, para dizer aos meus amigos brasileiros, para dizer aos empresários, para dizer aos interessados, de que podem acreditar que o Mercosul hoje é uma realidade mais forte do que já foi em qualquer momento; que a integração da América do Sul é mais forte do que já foi em qualquer outro momento. E, muito mais do que isso, de que a solidez do Brasil é muito mais forte do que já foi em qualquer outro momento.

Por isso, volto feliz aqui, volto alegre, e me coloco à inteira disposição para aqueles que queiram fazer perguntas para que a gente possa esclarecer ainda mais. E os empresários que quiserem participar amanhã, vamos ter um grande debate sobre a economia brasileira, com vários ministros fazendo exposição: ministro da Economia, ministro da Indústria e Comércio, ministro da Casa Civil falando sobre infra-estrutura. E quem tiver curiosidade de conhecer o potencial do Brasil, amanhã, de manhã, estaremos aqui, no Belvedere, fazendo esse debate.

Muito obrigado.


Respostas a perguntas feita ao presidente Lula


Primeira Pergunta


Presidente: Eu disse, no dia 1º de janeiro de 2003, que se ao terminar o meu mandato, todos os brasileiros estivessem tomando café da manhã, almoçando e jantando, eu já estaria realizado, já poderia morrer tranqüilo.

Eu penso que eu tive um pouco de sorte, nesses dois anos. Primeiro, porque montei uma equipe de governo com companheiros da mais alta competência e lealdade. Segundo, porque não só tive a oportunidade de vir a Davos, como seis meses depois tive a oportunidade de ser convidado para ir a Evian, no encontro do G-8 mais 12, onde 20 países participaram. E foi, mais uma vez, onde eu tive a oportunidade de colocar a questão da fome e da miséria em debate, porque há muitos anos eu me convenci que, se nós não transformarmos o problema da miséria e da fome num problema político, não tem solução. Nós vamos ter empresário colaborando, nós vamos ter governante fazendo medidas aqui, medidas ali, nós vamos ter igreja colaborando, mas não vai ter mudanças estruturais para que a gente sonhe, daqui a trinta anos, não ter mais ninguém morrendo de desnutrição ou não ter ninguém passando fome no mundo.

Isso fez com que eu tivesse uma projeção naquele momento. Depois nós tomamos uma decisão de criar uma espécie de nova geografia. Não era arrogância, não, era que eu percebia uma coisa que tinha aprendido no sindicato, ou seja, se você tem um adversário ou um negociador muito forte, não adianta você lamentar para ele, você tem que ter força para negociar com ele.

Então, o que eu fiz foi tentar constituir um bloco que representasse, no seu conjunto, parte da força da União Européia, parte da força dos Estados Unidos, para que a gente pudesse negociar. E eu acho que nós avançamos muito. Aumentou a relação de respeito entre os países. Aqueles que tinham medo de mim passaram a me respeitar, aqueles de quem eu não gostava, passei a respeitar como governante e como chefe de Estado. E agora nós almejamos, efetivamente, democratizar as Nações Unidas, porque se a ONU fosse mais democratizada e mais países estivessem no Conselho de Segurança da ONU, certamente, a gente não teria tido a guerra do Iraque, como tivemos, por decisão unilateral de um país.

Então, eu acredito que Brasil, Japão, Alemanha e Índia podem participar do Conselho de Segurança. Há países da África do Sul que podem participar, há países da América Latina que podem participar. O que não dá é para a instituição Nações Unidas ficar funcionando como ela foi organizada no pós-guerra, ou seja, já se passaram 60 anos, tudo mudou no mundo, também as Nações Unidas têm que mudar na sua organização e no seu centro de decisões.

Portanto, eu sonho, se voltar aqui no ano que vem ou no outro ano, de voltar, quem sabe, já com a certeza de dizer para vocês que nós estamos participando das Nações Unidas. Se for aprovada a reforma, estamos reivindicando participar da OMC, porque achamos que o Brasil é um país que tem importância, e tudo que for organismo internacional onde nós pudermos influir para que funcione melhor, podem ficar certos de que nós vamos participar, ou seja, o Brasil passou a ser um agente político muito ativo. Nós não perdemos uma reunião, nós iremos a tantas quantas formos convidados e onde tivermos oportunidade de falar das coisas do nosso país, de mostrar as coisas do nosso país, podem ficar certos de que lá nós estaremos.


Segunda Pergunta


Presidente:
Só virei se tiver boas notícias. As más notícias vocês ficarão sabendo pela imprensa. 

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