Aborto: Trump nomeará nesta terça-feira um juiz contrário ao aborto para o posto vago da Suprema Corte, instaurando um novo equilíbrio de poder (Getty Images)
AFP
Publicado em 31 de janeiro de 2017 às 16h24.
Última atualização em 31 de janeiro de 2017 às 16h28.
Os críticos ao aborto sonham em derrotar seu inimigo juramentado, "Roe x Wade", a decisão judicial que estabeleceu o direito das mulheres de interromper voluntariamente a gravidez.
Mas, mesmo contando com o apoio do presidente Donald Trump, sua luta será árdua.
Depois da marcha que levou milhares de pessoas às ruas de Washington na sexta-feira passada, os ativistas "pró-vida" renovaram suas esperanças de conseguir anular esta decisão histórica da Suprema Corte, que legalizou o aborto em todo o país há 44 anos.
Em 22 de janeiro de 1973, o alto tribunal definiu, por sete votos contra dois, um marco limitado dentro do qual, em virtude do seu direito à privacidade, uma mulher pode interromper sua gravidez legalmente.
"Roe versus Wade" marcou o epílogo de um processo judicial que tinha sido iniciado três anos antes no estado do Texas (sul).
Grávida pela terceira vez, Norma McCorvey, uma mãe solteira que teve uma infância difícil, queria abortar, mas o Texas permitia a interrupção da gravidez apenas em caso de risco de vida para a mãe ou o bebê.
Assessorada por duas advogadas feministas, McCorvey decidiu recorrer à Justiça sob o pseudônimo de Jane Roe e enfrentou o promotor de Dallas, Henry Wade.
Seu filho nasceu, mas o caso ganhou vida própria, avançando até chegar à Suprema Corte, e se tornando uma das decisões mais importantes e conhecidas já tomadas pela maior jurisdição dos Estados Unidos.
Ironicamente, mais tarde, McCorvey se tornou uma fervorosa opositora ao aborto e se tornou evangélica, depois católica, antes de declarar ser homossexual e se submeter a uma cirurgia de mudança de sexo.
Assim como sua protagonista, a sentença do caso "Roe x Wade" teve uma existência turbulenta e seu alcance foi sendo reduzido por decisões posteriores da Suprema Corte.
A contribuição principal da sentença sobreviveu, porém, cumprindo seu papel de contenção em momentos em que o direito ao aborto ficou sob ataque de legisladores nos estados de maioria republicana.
A vitória eleitoral de Donald Trump pressupõe uma mudança de conjectura. A Casa Branca e o Congresso agora são controlados pelos adversários da interrupção voluntária da gravidez e, na grande marcha contra o aborto, nasexta-feira, o vice-presidente Mike Pence disse que aquele foi um momento "histórico".
Trump nomeará nesta terça-feira um juiz contrário ao aborto para o posto vago da Suprema Corte, instaurando um novo equilíbrio de poder: quatro juízes progressistas e cinco conservadores.
Em algumas ocasiões, o juiz conservador Anthony Kennedy se uniu aos progressistas em decisões sobre o aborto. Se o presidente americano conseguir nomear mais um juiz durante seu mandato, este equilíbrio seria rompido.
"O direito das mulheres ao aborto está agora seriamente ameaçado, considerando as intenções de Trump e a probabilidade de que haverá ao menos uma aposentadoria no alto tribunal nos próximos quatro anos", disse à AFP Sherry Colb, professora da Faculdade de Direito de Cornell.
"Se um ou mais dos cinco juízes mais liberais em relação ao aborto se aposentarem até o fim do governo de Trump (seja esse de quatro ou oito anos), então provavelmente haveria cinco votos para anular 'Roe x Wade'", acrescentou.
Neste caso, os estados seriam livres para restringir o direito ao aborto, e um Congresso republicano poderia aprovar uma grande lei nacional contra a prática.
"As consequências mais graves seriam sofridas pelas mulheres pobres sem condições financeiras para viajar a lugares onde o aborto é legalizado", adverte Colb.
Nos Estados Unidos, as vias para restringir a interrupção da gravidez são variadas: proibição de certos procedimentos médicos, atraso no prazo espera imposto às mulheres, complicações administrativas para os médicos que realizam abortos, concessão de personalidade jurídica ao feto, etc.
Em um estudo publicado este mês pelo instituto de pesquisa Pew, sete de cada 10 americanos se opõem à anulação de "Roe x Wade".
E de acordo com uma pesquisa da Universidade Quinnipiac, divulgada na sexta-feira, 64% dos americanos opinam que o aborto deve continuar sendo legal, enquanto 31% pensam o contrário.
Michael Dell, especialista legal no assunto, considera que será difícil reverter "Roe x Wade", uma vez que a sentença está firmemente arraigada na doutrina jurídica após mais de quatro décadas de aplicação.
"Inclusive se Trump conseguir designar dois ou três juízes da Suprema Corte, a regra do precedente fará com que seja improvável a eventualidade de que o tribunal anule totalmente 'Roe x Wade'", apontou.
"No entanto, o direito constitucional ao aborto será consideravelmente reduzido", acrescentou.