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Desmatamento e ocupação irregular põem Norte e Noroeste no mapa de risco do Rio

Cidades não conseguem impedir expansão de construções em locais sujeitos a enchentes. De 2000 a 2010, estado de emergência se repetiu 72 vezes

Bairro da Caixa D'Água, em Pádua, está alagado (Divulgação/Prefeitura de Santo Antônio de Pádua)
DR

Da Redação

Publicado em 8 de janeiro de 2012 às 12h32.

Rio de Janeiro - Atingida pela maior tragédia natural da história do Brasil, a população do estado do Rio de Janeiro começou 2012 sob tensão, com a ameaça de um novo desastre. O volume de chuva no vizinho estado de Minas Gerais, no entanto, transformou o mapa de áreas em perigo, e as cidades do Norte e Noroeste Fluminense mergulharam no caos.

Se na Região Serrana os problemas em janeiro de 2011 foram os deslizamentos de terra causados pela forte chuva e pela pequena espessura da vegetação nos morros, em cidades como Santo Antônio de Pádua e Campos dos Goytacazes, construídas ao longo de grandes rios, o problema é a vulnerabilidade às enchentes.

A força das águas que chegaram de Minas Gerais deixou, só no Norte e no Noroeste, mais de 7 mil desalojados e 2.300 desabrigados. Pelas seis cidades mais afetadas passam cinco rios, quatro deles com nascente em Minas e um em São Paulo.

Em comum, os municípios afetados têm um histórico de desmatamento e ocupação irregular de margens que cria o pior cenário possível em caso de cheia dos cursos d’água. Com a exceção de Campos dos Goytacazes, maior município do Norte do Rio, as prefeituras da região são pobres, assim como sua população.

Dos 13 municípios do noroeste fluminense, 11 estão entre as 50 piores taxas de IDH, de um total de 91 cidades. Sem recursos, a preferência dos prefeitos é pelas secretarias que ganham verbas através de programas federais ou estaduais. Investir em Defesa Civil, secretaria que só gasta, é um luxo – e uma raridade.

A falta de ajuda financeira do governo na área de prevenção de impactos de tragédias naturais, somada à impopularidade de medidas de remoção, resultam nos milhares de desabrigados e desalojados a cada enchente no Norte e Noroeste.

As águas que chegaram de Minas neste verão não são novidades. De 2000 até o ano de 2010, por 72 vezes foram decretados estado de emergência no Norte e no Noroeste fluminense. Um dos motivos que contribui para tamanha fragilidade dessas cidades é o desmatamento.


Somente 1,5% da região Noroeste têm cobertura vegetal. No município de Aperibé, por exemplo, só há 0,5% de vegetação. A capacidade de a natureza absorver água é mínima. “No verão, por causa do desmatamento a enchente não é escoada e o lençol freático não é abastecido. No inverno, as cidades decretam emergência pela estiagem severa. É um ciclo perverso”, explica o coordenador da Defesa Civil do Noroeste do Rio de Janeiro, coronel Douglas Júnior Paulich.

O cenário que ganhou visibilidade agora em 2012 é conhecido dos moradores das cidades mais afetadas. A frequência do transbordo dos rios tem sido anual. A sequência entre inundação e reconstrução das cidades forma a receita do desastre. “O Sistema Nacional de Defesa Civil responsável por reconstruir não tem dado 1% da verba necessária.

Se há 20 milhões de reais de dano e a cidade recebe 10% desse valor, que é o percentual geralmente repassado nos últimos 10 anos, aumenta a vulnerabilidade para a próxima enchente”, alerta Paulich.

Apesar da repetição dos desastres, os gestores públicos locais parecem não conseguir atuar para minimizar os impactos da cheia. Dois chefes do executivo e um secretário municipal de Defesa Civil ouvidos pelo site de VEJA relatam dificuldades para receber atenção dos governos estadual e federal.

Às prefeituras, cabe fiscalizar a ocupação do solo. Mas, principalmente em cidades pequenas e médias, faltam fiscais e engenheiros. “Como pleitear recurso se não há esse levantamento?”, questiona Paulich.

Mapeamento - Desde a tragédia de 2011 na Região Serrana, o Departamento de Recursos Minerais do estado intensificou o trabalho de mapeamento das áreas de risco. O mapeamento das 31 cidades com situação mais crítica foi concluído em dezembro. Nas próximas semanas, será lançada a licitação para mapear os 18 municípios do Noroeste.

“O que vemos é que a maioria dos municípios não tem recursos, não conseguem controlar o uso do solo. Nos últimos 50 anos, a urbanização da população se deu de forma muito acelerada, e ficou mais difícil controlar a expansão de bairros em áreas com risco de enchentes e deslizamentos”, diz o presidente do DRM, Flávio Erthal.


O único município com mapeamento do solo no Noroeste é Laje do Muriaé. O estudo foi feito pela secretaria estadual do Ambiente há dois anos. Mas as obras propostas nunca começaram. “É uma obra de 30 a 35 milhões de reais. É pouco dinheiro para o tamanho do sofrimento que passamos”, afirma o prefeito de Laje do Muriaé, José Eliézer Tostes Pinto.

Segundo o secretário estadual de Defesa Civil, coronel Sérgio Simões, o governo do Rio fará o mapeamento das cidades afetadas para poder traçar um plano de contenção das enchentes, que inclua a criação de bacias ou canais para escoamento. “É um problema crônico, como a Praça da Bandeira no Rio (que é a primeira a alagar em dias de chuva forte na zona norte)”, explica Simões.

É sabido que reverter um quadro histórico de ocupação de áreas de risco não é algo fácil ou rápido. Mas fechar os olhos para o problema é permitir que a situação se agrave, com chance de repetição de mortes em massa, como em janeiro de 2011, na serra. “Todos temos pressa para a solução. Mas a realidade é que não estamos lidando com um problema que se resolve em dez minutos. Corrigir ocupações irregulares é problema para 10 anos de trabalho”, explica Erthal.

“O momento, agora, é de as prefeituras e o estado atuarem na contingência, retirando as pessoas dos locais perigosos. Em médio prazo, demarcar onde não pode haver moradia. E, permanentemente, para evitar a repetição disso no futuro, os governos devem criar políticas habitacionais”, diz.

Experiente em ações de reassentamento, o professor de engenharia civil Paulo Canedo, coordenador do laboratório de hidrologia da Coppe/UFRJ, chama atenção para outra característica das cidades com bairros em áreas de risco. “A região serrana do Rio é um exemplo de como isso é complexo. Será preciso criar bairros novos, em lugares dignos, com infraestrutura. A tendência é usar a infraestrutura que já existe, onde há esgoto, água, rua. Mas ficou difícil. Algumas dessas áreas não comportam mais gente, ou simplesmente também estão em locais inadequados”, afirma.

Sirenes – Um ano depois da tragédia de Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis, pouco foi feito de concreto. As cidades se atolaram em problemas burocráticos e de corrupção, e o trabalho ficou ainda mais atrasado. Para os moradores de áreas com risco de deslizamento ou inundação, a novidade, em 2012, são sirenes e planos para evacuar bairros inteiros.

É pouco, mas a medida pode fazer a diferença num cenário de risco iminente. Em Italva, onde a inundação chegou no primeiro dia do ano, as sirenes começaram a ser instaladas na quinta-feira.

“Na realidade das cidades brasileiras, que carecem de planejamento e investimento em prevenção, alertar os moradores quando há risco de mortes é um grande passo. É claro que o ideal é fazermos o que ainda é raro no Brasil: planejar”, diz Paulo Canedo.

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Rio de Janeiro - Atingida pela maior tragédia natural da história do Brasil, a população do estado do Rio de Janeiro começou 2012 sob tensão, com a ameaça de um novo desastre. O volume de chuva no vizinho estado de Minas Gerais, no entanto, transformou o mapa de áreas em perigo, e as cidades do Norte e Noroeste Fluminense mergulharam no caos.

Se na Região Serrana os problemas em janeiro de 2011 foram os deslizamentos de terra causados pela forte chuva e pela pequena espessura da vegetação nos morros, em cidades como Santo Antônio de Pádua e Campos dos Goytacazes, construídas ao longo de grandes rios, o problema é a vulnerabilidade às enchentes.

A força das águas que chegaram de Minas Gerais deixou, só no Norte e no Noroeste, mais de 7 mil desalojados e 2.300 desabrigados. Pelas seis cidades mais afetadas passam cinco rios, quatro deles com nascente em Minas e um em São Paulo.

Em comum, os municípios afetados têm um histórico de desmatamento e ocupação irregular de margens que cria o pior cenário possível em caso de cheia dos cursos d’água. Com a exceção de Campos dos Goytacazes, maior município do Norte do Rio, as prefeituras da região são pobres, assim como sua população.

Dos 13 municípios do noroeste fluminense, 11 estão entre as 50 piores taxas de IDH, de um total de 91 cidades. Sem recursos, a preferência dos prefeitos é pelas secretarias que ganham verbas através de programas federais ou estaduais. Investir em Defesa Civil, secretaria que só gasta, é um luxo – e uma raridade.

A falta de ajuda financeira do governo na área de prevenção de impactos de tragédias naturais, somada à impopularidade de medidas de remoção, resultam nos milhares de desabrigados e desalojados a cada enchente no Norte e Noroeste.

As águas que chegaram de Minas neste verão não são novidades. De 2000 até o ano de 2010, por 72 vezes foram decretados estado de emergência no Norte e no Noroeste fluminense. Um dos motivos que contribui para tamanha fragilidade dessas cidades é o desmatamento.


Somente 1,5% da região Noroeste têm cobertura vegetal. No município de Aperibé, por exemplo, só há 0,5% de vegetação. A capacidade de a natureza absorver água é mínima. “No verão, por causa do desmatamento a enchente não é escoada e o lençol freático não é abastecido. No inverno, as cidades decretam emergência pela estiagem severa. É um ciclo perverso”, explica o coordenador da Defesa Civil do Noroeste do Rio de Janeiro, coronel Douglas Júnior Paulich.

O cenário que ganhou visibilidade agora em 2012 é conhecido dos moradores das cidades mais afetadas. A frequência do transbordo dos rios tem sido anual. A sequência entre inundação e reconstrução das cidades forma a receita do desastre. “O Sistema Nacional de Defesa Civil responsável por reconstruir não tem dado 1% da verba necessária.

Se há 20 milhões de reais de dano e a cidade recebe 10% desse valor, que é o percentual geralmente repassado nos últimos 10 anos, aumenta a vulnerabilidade para a próxima enchente”, alerta Paulich.

Apesar da repetição dos desastres, os gestores públicos locais parecem não conseguir atuar para minimizar os impactos da cheia. Dois chefes do executivo e um secretário municipal de Defesa Civil ouvidos pelo site de VEJA relatam dificuldades para receber atenção dos governos estadual e federal.

Às prefeituras, cabe fiscalizar a ocupação do solo. Mas, principalmente em cidades pequenas e médias, faltam fiscais e engenheiros. “Como pleitear recurso se não há esse levantamento?”, questiona Paulich.

Mapeamento - Desde a tragédia de 2011 na Região Serrana, o Departamento de Recursos Minerais do estado intensificou o trabalho de mapeamento das áreas de risco. O mapeamento das 31 cidades com situação mais crítica foi concluído em dezembro. Nas próximas semanas, será lançada a licitação para mapear os 18 municípios do Noroeste.

“O que vemos é que a maioria dos municípios não tem recursos, não conseguem controlar o uso do solo. Nos últimos 50 anos, a urbanização da população se deu de forma muito acelerada, e ficou mais difícil controlar a expansão de bairros em áreas com risco de enchentes e deslizamentos”, diz o presidente do DRM, Flávio Erthal.


O único município com mapeamento do solo no Noroeste é Laje do Muriaé. O estudo foi feito pela secretaria estadual do Ambiente há dois anos. Mas as obras propostas nunca começaram. “É uma obra de 30 a 35 milhões de reais. É pouco dinheiro para o tamanho do sofrimento que passamos”, afirma o prefeito de Laje do Muriaé, José Eliézer Tostes Pinto.

Segundo o secretário estadual de Defesa Civil, coronel Sérgio Simões, o governo do Rio fará o mapeamento das cidades afetadas para poder traçar um plano de contenção das enchentes, que inclua a criação de bacias ou canais para escoamento. “É um problema crônico, como a Praça da Bandeira no Rio (que é a primeira a alagar em dias de chuva forte na zona norte)”, explica Simões.

É sabido que reverter um quadro histórico de ocupação de áreas de risco não é algo fácil ou rápido. Mas fechar os olhos para o problema é permitir que a situação se agrave, com chance de repetição de mortes em massa, como em janeiro de 2011, na serra. “Todos temos pressa para a solução. Mas a realidade é que não estamos lidando com um problema que se resolve em dez minutos. Corrigir ocupações irregulares é problema para 10 anos de trabalho”, explica Erthal.

“O momento, agora, é de as prefeituras e o estado atuarem na contingência, retirando as pessoas dos locais perigosos. Em médio prazo, demarcar onde não pode haver moradia. E, permanentemente, para evitar a repetição disso no futuro, os governos devem criar políticas habitacionais”, diz.

Experiente em ações de reassentamento, o professor de engenharia civil Paulo Canedo, coordenador do laboratório de hidrologia da Coppe/UFRJ, chama atenção para outra característica das cidades com bairros em áreas de risco. “A região serrana do Rio é um exemplo de como isso é complexo. Será preciso criar bairros novos, em lugares dignos, com infraestrutura. A tendência é usar a infraestrutura que já existe, onde há esgoto, água, rua. Mas ficou difícil. Algumas dessas áreas não comportam mais gente, ou simplesmente também estão em locais inadequados”, afirma.

Sirenes – Um ano depois da tragédia de Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis, pouco foi feito de concreto. As cidades se atolaram em problemas burocráticos e de corrupção, e o trabalho ficou ainda mais atrasado. Para os moradores de áreas com risco de deslizamento ou inundação, a novidade, em 2012, são sirenes e planos para evacuar bairros inteiros.

É pouco, mas a medida pode fazer a diferença num cenário de risco iminente. Em Italva, onde a inundação chegou no primeiro dia do ano, as sirenes começaram a ser instaladas na quinta-feira.

“Na realidade das cidades brasileiras, que carecem de planejamento e investimento em prevenção, alertar os moradores quando há risco de mortes é um grande passo. É claro que o ideal é fazermos o que ainda é raro no Brasil: planejar”, diz Paulo Canedo.

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