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Democratas em Chicago: chegou a hora de abrir as portas da esperança

OPINIÃO | Terminado o trem da alegria das convenções de Milwaukee e Chicago, estão abertas as portas da campanha de verdade. E o tempo é curto

A vice-presidente dos EUA e candidata do partido democrata nas eleições dos EUA durante discurso no qual aceitou a nomeação do partido (AFP/AFP)

A vice-presidente dos EUA e candidata do partido democrata nas eleições dos EUA durante discurso no qual aceitou a nomeação do partido (AFP/AFP)

Publicado em 23 de agosto de 2024 às 01h31.

Última atualização em 23 de agosto de 2024 às 12h30.

“Porta da Esperança” era um quadro do “Programa Silvio Santos”, onde participantes selecionados por cartas enviadas ao SBT (Sistema Brasileiro de Televisão) tinham a chance de ver seus desejos realizados ao vivo. Com a famosa frase “Vamos abrir as portas da esperança”, o recém falecido Silvio Santos revelava se o sonho do participante se tornaria realidade ou não. Infelizmente, esse ícone da comunicação brasileira não está mais entre nós. Mas a “porta da esperança” ilustra bastante o que foi a Convenção Democrata em Chicago. E alguns aprendizados desse evento, que indicou oficialmente a vice-presidente Kamala Harris como candidata oficial do partido, merecem ser compartilhados.

Em primeiro lugar, o sonho comum de todos os delegados democratas é derrotar Donald Trump. Não há tema mais consensual entre as diversas alas intra-partidárias do que a rejeição ao republicano.

A reunião dos delegados partidários na cidade do vento, ao contrário da Convenção Republicana, foi uma combinação de diversas alas com diferentes agendas, ideias, origens e aspirações. Se o candidato Trump apresentou em Milwaukee uma legião altamente energizada e monolítica de seguidores pessoais, a atual vice-presidente terá de administrar diversas pontas dentro do mesmo partido. Se a heterogeneidade ideológica interna é um desafio político, a diversidade de lideranças que desfilaram em Chicago é o maior ativo eleitoral dos democratas. Nos palcos do United Center desfilaram em abundância inúmeras lideranças femininas, pretas, asiáticas, indígenas, latinas, LGBT - e principalmente jovens. Ao se retirar da disputa, Joe Biden também abriu as portas (da esperança) para uma necessária renovação geracional. Deu espaço a um verdadeiro “show de calouros”.

Todavia, e o segundo ponto importante, há uma percepção generalizada de que, por mais tentador e simplista que seja, não basta viver de anti-trumpismo em uma campanha eleitoral complexa como a de 2024.

Para isso, a convenção serviu essencialmente, e de maneira inédita, para apresentar ao grande público (e aos democratas também) os ativos e argumentos centrais para tentar eleger a dupla Kamala Harris e Tim Walz.

Sendo honesto, por exemplo, quem realmente conhecia o governador Walz, de Minnesota, no mês passado? Político experiente, mas certamente um calouro perante os jurados da opinião pública nacional.

Historicamente, a convenção era simplesmente o coroamento de uma campanha extensa realizada durante as primárias de cada partido. Quando do momento da indicação oficial, já se conheciam as propostas, identidade e narrativa da candidatura exitosa. Não dessa vez.

Os delegados foram brindados, pelos seguidos discursos e eventos paralelos, com um tutorial de como defender a dupla Harris-Walz nas ruas a partir de agora. A apresentação de currículo e história de vida de ambos foi o ponto forte desse “curso intensivo”. A própria essência do esperado discurso de Harris seguiu essa linha.

Da maneira que foi exposta a situação nesses quatro dias, de um lado se apresenta a mulher promotora de justiça e defensora de direitos, e do outro, o condenado egoísta. De um lado, a candidata do futuro, do outro, o oponente do passado.

Além disso, também teremos de um lado o professor de escola pública, técnico de futebol americano e atirador Tim Walz, ou seja, o protótipo do americano “comum”. Do outro, a escolha pessoal de Trump, o senador JD Vance, executivo de Venture Capital e dono de declarações bastante peculiares e controversas. As declarações, atuais e antigas, de Vance seguem gerando orgasmos entre os estrategistas democratas. No puro sentido de comparação político-eleitoral, a convenção de Chicago teve o êxito em estabelecer, pelo prisma democrata, as diferenças óbvias entre as duas chapas.

Resta saber se a dupla vai conseguir realmente engajar os eleitores independentes e indecisos com essas comparações pessoais. Não custa lembrar que se a eleição for, no imaginário da opinião pública, um referendo se os americanos querem ou não a volta de Donald Trump (e seu pacote de caos político e pessoal), esse será um cenário favorável aos democratas.

O ex-presidente segue sendo o candidato de oposição mais rejeitado da história americana (mais da metade dos eleitores dizem que nunca votariam no republicano).

Por outro lado, a reunião na terra de Oprah, Michael Jordan e Al Capone, em pouco (ou quase nada) educou os participantes e eleitores do que será um potencial governo Kamala Harris.

A superficialidade sobre sua plataforma de campanha (e de governo) é um ponto bastante frágil para a chapa. Será um governo de continuação (em que áreas e políticas), ou de mudança (quais mudanças?).

Afinal, o governo Biden-Harris é uma gestão mal avaliada pela maioria da opinião pública norte-americana. Se a eleição for essencialmente sobre continuidade da atual gestão, o trumpismo tem grandes chances de triunfar. Essa dinâmica de defender o governo Biden, porque fez parte, e ao tempo se distanciar dos temas impopulares é um enorme desafio para a ex-senadora da Califórnia.

A campanha, para ser vitoriosa entre eleitores independentes e indecisos, vai exigir menos elucubração de valores e mais respostas sobre como resolver problemas que não foram bem equacionados nos últimos quatro anos.

Kamala Harris (à esq.) e Tim Walz (ao centro): plataforma de propostas da chapa foi apresentada de maneira superficial, escreve Mauricio Moura

Portanto, não ficou evidente “qual é a música” dessa chapa em diversos temas críticos. Na economia, ainda que de maneira superficial, o que se percebe é um flerte com populismo econômico por parte da atual VP. A candidata, em seu discurso, prometeu melhorar as condições econômicas da classe média, mas passou longe de explicar como.

Nesse sentido, as campanhas de ambos os partidos ignoram temas delicados da economia americana, como por exemplo a trajetória do déficit público.

Republicanos e Democratas aderiram fortemente ao “quem quer dinheiro” como mantra e abandonaram qualquer debate sobre restrição orçamentária.

Terminado o “tem da alegria” das convenções de Milwaukee e Chicago, estão abertas as portas da campanha de verdade. E o tempo é curto. As próximas semanas irão testar as fortalezas e fraquezas da nova candidata presidencial Kamala Harris. A largada, do lado democrata, está carregada de muita esperança.

Mas como todos sabemos, na política e na vida, somente esperança não é estratégia.

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