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Decretos de Trump testam equilíbrio entre poderes nos EUA

Questão é se os poderes tem capacidade de conter, com eficácia, um presidente determinado a exercer sua autoridade como o CEO de uma empresa

Donald Trump: o ex-presidente Obama também viu um decreto ser levado à Justiça e bloqueado por um juiz (Kevin Lamarque/Reuters)

Donald Trump: o ex-presidente Obama também viu um decreto ser levado à Justiça e bloqueado por um juiz (Kevin Lamarque/Reuters)

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AFP

Publicado em 7 de fevereiro de 2017 às 08h42.

A suspensão pela Justiça federal, neste fim de semana, do decreto anti-imigração de Donald Trump, assim como a forte mobilização dos opositores do republicano, ilustram o vigor do sistema de pesos e contrapesos nos EUA, onde os presidentes veem seus projetos com frequência obstaculizados.

Existe, porém, um acalorado debate sobre a capacidade dos Poderes Legislativo e Judiciário de conseguirem conter, com eficácia, um presidente determinado a exercer sua autoridade como o CEO de uma empresa.

Ao longo de suas duas primeiras semanas no poder, o bilionário já concretizou diversas promessas de campanha com base em decretos. Alguns deles estão no âmbito de sua autoridade, como a retirada dos EUA da Parceria Transpacífico (TPP), mas o juiz federal James Robart suspendeu a aplicação do decreto que determina o fechamento das fronteiras aos refugiados e a cidadãos de sete países considerados perigosos.

Enquanto Trump atacava o juiz, criticando-o pessoalmente, os agentes federais obedeciam às ordens judiciais, reabrindo as fronteiras do país.

Em novembro de 2014, o ex-presidente Barack Obama também viu um decreto que criava um programa de regularização de imigrantes em situação clandestina ser levado à Justiça e bloqueado por um juiz.

Naquele momento, os republicanos denunciaram o "rei" Obama por estar ultrapassando seus poderes constitucionais. Agora, o quadro se inverteu.

"Por enquanto, podemos considerar que o sistema de pesos e contrapesos funciona corretamente", explica à AFP o professor de Ciência Política Robert Shapiro, da Columbia University de Nova York.

Há mais exemplos que apoiam essa tese.

Alguns congressistas republicanos, como o senador John McCain, ou o presidente da Câmara de Representantes, Paul Ryan, mantiveram-se intransigentes em sua vontade de investigar os ciberataques atribuídos a Moscou durante a campanha eleitoral, assim como de sancionar a Rússia de Vladimir Putin.

Apesar das reservas de Trump, foram lançadas investigações preliminares.

E, enquanto um projeto de decreto sinalizava para a eventual reabertura das prisões secretas da CIA no exterior, parece que a Casa Branca decidiu suspendê-lo, como noticiou o jornal The Washington Post nesta segunda-feira.

Além de a aplicação caótica do decreto anti-imigração ter mostrado os limites das ordens executivas preparadas sem consulta, esse episódio prova que governar sozinho é, na prática, bastante difícil.

Independência do Congresso

As lideranças republicanas e o atual inquilino da Casa Branca estabeleceram um pacto de concessões mútuas: em troca de uma relativa autonomia dos congressistas na redação das leis gerais de reforma fiscal e do sistema de Saúde, os legisladores protegem o chefe do Executivo. Paul Ryan evita comentar os tuítes de Trump.

"Seria mais sensato não criticar os juízes", sugeriu Mitch McConnell, homem forte do Senado.

Os juízes "estão em uma situação desconfortável, porque, quanto mais questionarem o que ele (Trump) faz, mais vontade ele terá de se opor a eles", explica Robert Shapiro.

A oposição democrata exigiu condenações mais vigorosas desde que Trump atacou o juiz Robart, chamando-o de "suposto juiz".

"Estamos em uma democracia. Não é um show de um homem só. Não é outra empresa Trump", advertiu o senador democrata Bernie Sanders.

"É fundamentalmente um ataque contra a separação de poderes", afirma o professor de Direito Bruce Ackerman, da Universidade de Yale.

Segundo esse autor, que em 2010 previu a chegada de um "demagogo do século XXI", os "contrapoderes" se "erodiram" nos Estados Unidos há algumas décadas, sobretudo, com a polarização do xadrez político.

À direita, um ex-jurista de George W. Bush, John Yoo, muito criticado na sua época por ter redigido ditames apoiando a legalidade de técnicas de interrogatório "intensas", acusou Trump de não conhecer o perímetro constitucional do Poder Executivo.

John Yoo cita como exemplo sua ameaça de renegociar o Nafta (o Acordo de Livre-Comércio da América do Norte) unilateralmente, âmbito no qual o Congresso também tem algo a dizer.

Para Bruce Ackerman, a solidez do sistema se poria realmente à prova em caso de guerra, ou de atentado terrorista maior, suscetíveis de "desencadear reações de urgência que fariam as de George Bush parecerem irrisórias", após o 11 de Setembro.

Naquele momento, somente alguns vazamentos de informação confidencial permitiram revelar a extensão dos programas secretos de Inteligência postos em prática.

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