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Covid mata mais no Brasil que na Índia, mas motivo é desconhecido

Brasil registrou o dobro de mortes da Índia, que tem 1,4 bilhão de habitantes. Divergência confunde cientistas

Teste rápido feito em Mumbai, na Índia: alta de casos nas últimas semanas (Dhiraj Singh/Bloomberg)

Teste rápido feito em Mumbai, na Índia: alta de casos nas últimas semanas (Dhiraj Singh/Bloomberg)

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Bloomberg

Publicado em 17 de abril de 2021 às 08h00.

Última atualização em 17 de abril de 2021 às 13h17.

Com um aumento repentino de casos de Covid-19, a Índia mais uma vez registra o segundo maior surto do mundo, tendo ultrapassado o Brasil depois de o país ter ocupado a mesma posição em março. Mas por trás do sobe e desce nas estatísticas está um enigma epidemiológico sobre por que o impacto do patógeno tem sido muito mais devastador no Brasil.

Quando se trata da escala de infecções, os dois países mostram números semelhantes, com casos em torno de 14 milhões e hospitais de Mumbai a São Paulo sob pressão crescente com o aumento das hospitalizações.

É a divergência no total de mortes que confunde cientistas. O Brasil, com quase 214 milhões de habitantes, registrou mais de 365.000 mortes por Covid-19, mais que o dobro da Índia, com uma população de 1,4 bilhão.

Embora as mortes na Índia tenham começado a subir e possam aumentar ainda mais, a disparidade no nível macro permanece e é emblemática das diferentes maneiras como a pandemia se manifesta nas regiões. Especialistas dizem que esse aspecto precisa ser mais bem compreendido e decodificado para controlar o surto, bem como para evitar futuras crises de saúde pública.

As taxas de letalidade por Covid no Sul da Ásia, incluindo a Índia, são consistentemente mais baixas do que as médias globais, enquanto na América Latina são consistentemente mais altas, o que leva virologistas a oferecerem uma série de teorias sobre por que a Covid causou mais mortes do Brasil à Argentina.

“Não estamos comparando maçãs com maçãs, estamos comparando maçãs com laranjas”, disse Bhramar Mukherjee, professora de bioestatística da Escola de Saúde Pública da Universidade de Michigan. Por enquanto, os dois países apresentam um “quebra-cabeça intrigante, um mistério epidemiológico que precisa de um Sherlock Holmes ou Miss Marple em ação”.

Funeral por morte após covid-19 em Nova Delhi, na Índia: com mais de 1 bilhão de habitantes, controle da pandemia exige esforço hercúleo (Bloomberg/Bloomberg)

O Brasil foi atingido por várias ondas, matando um número alarmante de jovens e com recorde diário de 4.000 óbitos por Covid-19 na semana passada. Já na Índia, as mortes diárias ficaram acima de 1.000 nos últimos dias, mas bem inferiores ao nível da semana passada. As mortes no país asiático como percentual dos casos confirmados são de 1,2, contra 2,6 no Brasil, segundo dados compilados pela Bloomberg.

Variação de idade

Vários fatores podem estar em jogo para a lacuna na taxa de letalidade, incluindo as diferenças na média de idade: 26 anos na Índia, e 33,5 anos no Brasil.

Especialistas têm criticado as estatísticas gerais de mortes na Índia, especialmente em áreas rurais. Antes da pandemia, cerca de uma em cada cinco óbitos não era registrado, de acordo com Mukherjee, da Universidade de Michigan. Mas isso não explica por que a taxa de letalidade no Brasil é maior do que nos países ocidentais com maior população idosa que também foram duramente atingidos pela pandemia.

Aplicação de vacina da Sinovac no Rio de Janeiro: se não aumentar ritmo da vacinação, Brasil levará mais de um ano para imunizar 75% da população (Bloomberg/Bloomberg)

“A taxa de mortalidade no Brasil se torna ainda mais absurda porque nossa população é muito mais jovem do que a de alguns países europeus”, disse Alberto Chebabo, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia.

O aumento de casos e mortes coincide com o maior ritmo de vacinação de ambos os países no último mês, após um começo lento. A Índia conseguiu administrar mais de 117 milhões de doses, em comparação com quase 33 milhões no Brasil que, no entanto, imunizou uma proporção maior da população.

Imunidade cruzada

Outras teorias por trás da divergência entre Brasil e Índia giram em torno dos diversos ambientes e experiências com doenças de ambos os países.

Alguns cientistas dizem que a exposição generalizada a uma série de doenças na Índia pode ter ajudado os cidadãos a desenvolverem uma resistência natural contra os coronavírus, como o que causa a Covid-19.

Shekhar Mande, presidente do Conselho de Pesquisa Científica e Industrial da Índia, está entre os que examinaram essa tendência e foi coautor de um estudo sobre o assunto. Sua pesquisa encontrou correlações onde cidadãos de países com baixa higiene tendem a enfrentar melhor a Covid-19.

“Nossa hipótese, e esta é estritamente uma hipótese, é que, como nossas populações estão continuamente expostas a muitos tipos de patógenos, incluindo vírus, nosso sistema imunológico não hiper-reage a qualquer nova variação que apareça”, disse Mande em entrevista.

Muitos especialistas reconhecem que a genética ou a imunidade cruzada podem estar em jogo, já que outros países do sul da Ásia, como Bangladesh e Paquistão, também registram muito menos mortes do que o Brasil.

Cerca de 87% dos brasileiros vivem em áreas urbanas, mas dois terços dos indianos moram em zonas rurais, com mais espaço e ventilação, o que pode ser outro motivo, de acordo com Mukherjee, da Universidade de Michigan.

Cepas

Além disso, o Brasil possui uma das mutações do coronavírus mais potencialmente letais, a variante P.1, que foi identificada em dezembro. Juntamente com as variantes vistas pela primeira vez na África do Sul e no Reino Unido, estudos sugerem que essas cepas são mais contagiosas.

“Só o fato da variante P.1 aumentar muito o número de casos rapidamente, e isso levar ao colapaso no atendimento, seria o suficiente para haver excesso de mortalidade”, disse Chebabo, da Sociedade Brasileira de Infectologia. O Brasil enfrenta uma “tempestade perfeita”, acrescentou, com falta de liderança política na implementação de medidas de restrição mais duras, agravando a crise de Covid.

Cemitério de Vila Formosa: Brasil chegou a ter mais de 4.000 mortes diárias em abril (Bloomberg/Bloomberg)

Com a propagação rápida e sustentada da variante no Brasil, o sistema de saúde não teve espaço para respirar, ao contrário da pausa entre as ondas nos últimos meses de 2020 na Índia, que ajudou hospitais e profissionais da linha de frente a se recuperarem e planejarem com antecedência.

A Índia pode estar diante de uma onda acelerada por uma cepa que seria pior do que o primeiro surto, embora seja difícil dizer, já que o país asiático fez o sequenciamento do genoma para menos de 1% dos testes positivos para Covid.

A Índia estuda a nova variante do vírus, mas não está imediatamente claro se a cepa é responsável pelo salto de casos de Covid-19, disse Aparna Mukherjee, cientista do Conselho Indiano para Pesquisa Médica, em entrevista à Bloomberg TV.

Complacência e segunda onda

A má gestão e fadiga da Covid também são mencionadas como fatores para a propagação desenfreada e pelo aumento das mortes em ambos os países. O presidente Jair Bolsonaro tem criticado as restrições e entrou em conflito com governadores sobre as medidas de mitigação de pandemia, além de ridicularizar o uso de máscaras.

“O Brasil é um desastre completo em termos de liderança política, e a Índia se tornou complacente após a queda inicial de casos”, disse Madhukar Pai, líder de pesquisa do Canadá em epidemiologia e saúde global na Universidade McGill, em Montreal.

É muito cedo para dizer se a Índia pode manter sua taxa de mortalidade mais baixa do que a do Brasil. Embora algumas partes do país tenham decretado lockdowns direcionados, cinco estados realizam eleições com milhares de eleitores aglomerados em comícios, além da peregrinação hindu de um mês que leva multidões às margens do Rio Ganges.

“Ambos os países precisam aumentar muito a cobertura de vacinação e trabalhar mais para implementar outras medidas de saúde pública”, disse Pai. “O que importa é que cada país precisa trabalhar muito mais para conter a epidemia.”

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