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Como o Chile obteve a maior frota de ônibus elétricos da América Latina

Em conversa com a EXAME, Paola Tapia, diretora de Transportes de Santiago, diz que há espaço para empresas brasileiras participarem da transição lá

Ônibus elétrico em Santiago, no Chile (Red Movilidad no X)
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 28 de dezembro de 2023 às 08h48.

Chile e Colômbia são os países mais à frente na América Latina na adoção de ônibus elétricos a bateria. Em Santiago, já são cerca de 2.000 deles, com planos de comprar mais mil a partir do ano que vem.

A cidade já tem até ônibus elétricos de dois pisos, como os usados em Londres.

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Enquanto isso, o Brasil tem apenas 127 desses novos coletivos rodando, segundo dados do porta E-bus Radar, desenvolvido pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). O modelo do Chile pode trazer boas lições ao Brasil de como avançar. Uma delas é que o governo federal criou modelos de contrato separados para operação e frota, e dá garantias para o financiamento da compra dos novos veículos, um dos gargalos do processo de transição.

"Uma lei estabeleceu que os ônibus fiquem ligados à concessão, o que é um elemento muito importante no modelo de negócio. Se mudarem os operadores, os ônibus são mantidos. E o governo do Chile, através do Ministério do Transporte, participa para dar as garantias de pagamento", disse Paola Tapia, diretora de Transportes de Santiago, à EXAME, durante visita a São Paulo.

Tapia veio com uma pequena delegação para buscar parcerias com empresas brasileiras no tema da mobilidade elétrica, no fim de novembro. O Brasil já é um grande fornecedor de ônibus a diesel ao Chile, e agora as fábricas daqui, que começam a produzir elétricos, podem fazer parte dessa transição.

A seguir, mais trechos da entrevista:

Como está a implantação dos ônibus elétricos em Santiago?

Estamos vivendo um processo de consolidação depois de seis anos da vinda dos primeiros ônibus elétricos. Hoje em dia temos 2.200 deles. Neste ano, incorporamos os primeiros ônibus elétricos de dois pisos, os primeiros na América Latina, e no próximo ano vamos realizar uma licitação para incorporar mil novos ônibus elétricos. Com isso, esperamos que nossa frota seja 50% elétrica ainda durante este governo.

Quais são os principais desafios enfrentados durante esta implantação da nova frota?

Como toda política pública, a eletromobilidade deve ser um processo gradual. Os primeiros desafios, em 2017, foram contar com ferramentas estratégicas de política pública e se gerou a primeira estratégia de eletromobilidade em 2017. Depois houve uma nova estratégia em 2021, envolvendo os governos de distintas posições políticas, mas mantendo como prioridade esta política de Estado.

Na etapa atual, temos o desafio de atrair e diversificar a indústria. Também é muito importante conseguir novas fontes de financiamento, para ter melhores condições econômicas nos contratos. A isso se soma tudo o que se relaciona com infraestrutura. Já temos 24 eletroterminais na capital, com disponibilidade de energia de 77 mil KW, e há o desafio de obter todas as permissões para instalá-los. A recarga é feita nos terminais, uma ou duas vezes ao dia. Estamos começando a ter ônibus com carga para o dia todo.

A autonomia foi um dos paradigmas que tivemos de derrubar. No começo, se dizia que os ônibus não iam ter autonomia suficiente, que não iam ter as condições de segurança. Por isso, o marco normativo foi fundamental. Ele permite uma padronização. Nossos ônibus atualmente têm autonomia que supera os 280 km, inclusive os articulados, que estamos testando. O de dois pisos tem uma autonomia ainda maior. Isso permite aos operadores ter autonomia para todos os percursos diários e fazer a recarga de noite, que tem preços mais baixos.

Ônibus em Santiago, no Chile (Red Movilidad no X)

E como é feito o financiamento dessa transição?

Há subsídio estatal, estabelecido por uma lei aprovada em 2009, que se soma à tarifa paga pelos usuários mas, indistintamente, os investidores  têm a garantia de que receberão os pagamentos todos os meses, de forma prioritária. As empresas de ônibus, que buscam os fabricantes, e o governo do Chile, através do Ministério do Transporte, participa para dar as garantias de pagamento.

A lei também estabeleceu que os ônibus fiquem ligados à concessão, o que é um elemento muito importante no modelo de negócio. Se mudarem os operadores, os ônibus são mantidos.

Há planos para que outras cidades do Chile também adotem ônibus elétricos?

O ministro dos Transportes, Juan Carlos Muñoz, está liderando um processo de transformação ao redor do país. Recentemente, foi anunciado que a cidade de Antofagasta, no norte do Chile, vai contar com seus primeiros 40 ônibus elétricos.

Há espaço para que empresas brasileiras participem deste processo?

Estamos chamando investimentos estrangeiros, e o investimento brasileiro em particular nos parece muito atrativo. Em nossa frota, temos 4.000 ônibus que vieram do Brasil. Desde 2016, temos a tecnologia Euro 6 [um padrão de emissão de motores diesel], e boa parte dos ônibus com ela são do Brasil. Em segundo lugar, há a possibilidade de que brasileiros possam participar das novas licitações,  assim como dos processos para gestão de frota, bilhetagem, informação ao usuário e programação de operação.

Na direção contrária, o Chile tem ajudado o Brasil no processo de transição para os ônibus elétricos?

Temos tido reuniões com diversas autoridades do governo brasileiro, sobre boas práticas. Além da eletromobilidade, também queremos somar no tema da igualdade de gênero, que é muito importante e tem alto impacto econômico, do ponto de vista da participação feminina no trabalho, que é fortemente masculinizado no transporte público. Precisamos conhecer a experiência de Sâo Paulo com as paradas noturnas.Fizemos também um convite para trabalharmos no primeiro Observatório Latinoamericano de Agências de Transporte Público, que traz a possibilidade de trabalhar em conjunto.

Tem alguma sugestão para as cidades brasileiras que estão começando a adotar frotas elétricas?

A gradualidade é um princípio que deve estar sempre presente. Em segundo lugar, contar com um marco normativo sólido e eficiente, que conte com ferramentas flexíveis. E flexibilidade para que os modelos econômicos se adaptem e que se consolidem como um modelo de parceria público-privada.

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