O indiano Vinod Khosla: Meio bilhão de dólares do próprio bolso para empresas verdes (.)
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h37.
O indiano Vinod Khosla não acumulou um patrimônio superior a 1 bilhão de dólares fazendo apostas erradas. Nascido em Nova Délhi há 54 anos, Khosla se tornou um dos mais celebrados investidores do Vale do Silício, um especialista em descobrir, dentre milhares de empresas em gestação, aquelas que serão as gigantes da década seguinte. Ele foi escolhido pela revista Fortune o mais bem-sucedido investidor de risco da história. Nos últimos anos, Khosla partiu para aquela que é a sua mais ousada empreitada - decidiu apostar, e apostar pesado, em empresas verdes. Estima-se que Khosla tenha tirado mais de meio bilhão de dólares do próprio bolso para financiar empreendedores e suas ideias aparentemente malucas para diminuir o consumo de energia ou encontrar substitutos limpos para o petróleo. A lista é enorme: são dezenas de empresas. Não se deve, no entanto, confundir o investidor indiano com um bilionário ambientalista excêntrico que joga dinheiro fora. Pelo contrário. A ideia de Khosla é multiplicar a própria fortuna no processo. Como ele costuma dizer, a solução de problemas gigantescos requer "uma pitada de ganância". E, para Khosla, o setor de energias renováveis é o lugar certo para quem quer ganhar dinheiro no século 21. "Essas empresas valerão centenas de bilhões de dólares num futuro muito próximo", disse Khosla a EXAME.
Nos últimos dois anos, dezenas de investidores e centenas de empreendedores se juntaram a Khosla na busca pelo Google da energia verde - a empresa que transformará o mundo da energia como o Google mudou a internet e a Microsoft, a computação pessoal. Em 2009, a energia limpa foi o setor que mais atraiu dinheiro dos fundos de venture capital americanos, aqueles que financiam empresas em seus estágios iniciais de desenvolvimento. Por trás desse fenômeno estão os mesmos investidores que catapultaram as maiores empresas de tecnologia do mundo. Entre eles, por exemplo, está John Doerr, do fundo Kleiner Perkins, conhecido por ter feito apostas certeiras em empresas como Google e Amazon. Nos últimos dois anos, fundos como os de Khosla e Doerr investiram mais de 14 bilhões de dólares em empresas de energia limpa - e, após uma queda acentuada no primeiro trimestre de 2009, os números voltaram a crescer a partir da segunda metade do ano. Foram mais de 1 000 negócios no total. Até mesmo Warren Buffett, o segundo homem mais rico do mundo, decidiu separar 230 milhões de dólares para fazer sua aposta na chinesa BYD, fabricante de carros elétricos. "As oportunidades são enormes", afirma Dallas Kachan, diretor da empresa de pesquisas Cleantech Group. "Há cinco anos, a energia limpa atraía apenas 3% dos investimentos de fundos de venture capital. Hoje, são 25%."
Nenhum desses investidores, no entanto, tem a agressividade de Vinod Khosla. Seu envolvimento com o setor começou no início da década, quando ainda era sócio de Doerr no Kleiner Perkins. Surgiu, então, um problema. Khosla queria investir em empresas com tecnologias incipientes, mas revolucionárias. E era impossível fazer isso num fundo tradicional, que usa dinheiro dos outros. Em 2004, ele deixou o Kleiner e fundou a Khosla Ventures. Com o próprio dinheiro, claro, ele poderia fazer o que bem entendesse. Khosla começou, então, a investir em algumas ideias consideradas - por ele mesmo - "loucas, mas que podem transformar mercados inteiros se derem certo". Entre elas, por exemplo, está uma tecnologia para a fabricação de cimento que, em vez de emitir, sequestra carbono. Segundo Khosla, a Calera, fundada por um cientista de Stanford, tem 10% de chance de dar um retorno de 100 vezes para o investimento, e 90% de chance de quebrar. "Aceitamos esse risco", diz Khosla. Hoje, seu fundo tem investimentos relevantes em 35 empresas do setor. Em setembro do ano passado, quando a energia limpa já estava na moda, levantou mais de 1 bilhão de dólares com investidores para criar dois fundos dedicados a comprar participações em empresas de energia limpa. O maior deles procurará projetos mais maduros. Com o outro, estimado em 300 milhões de dólares, a meta é continuar financiando ideias que ninguém tem coragem de apoiar.
Por que esse setor vem atraindo tanto dinheiro? O que motiva Khosla e investidores como ele é a certeza de que só a tecnologia pode combater a escassez de recursos naturais num século em que a população mundial pode chegar a 9 bilhões de pessoas. "A demanda por energia e recursos naturais vai aumentar muito, particularmente nos países emergentes", diz Joe Muscat, diretor da consultoria Ernst&Young. "E novas tecnologias serão necessárias para atender essa explosão na demanda." Claro, o aumento da preocupação dos governos com o aquecimento global também está impulsionando novos investimentos privados. Nos Estados Unidos, governos estaduais estabeleceram metas para a produção de energias renováveis, e o governo de Barack Obama fez empréstimos vultosos a algumas das empresas mais conhecidas do setor. A montadora de carros elétricos Tesla, por exemplo, obteve um financiamento de quase meio bilhão de dólares para produzir um sedã na Califórnia. O mesmo aconteceu com fabricantes de baterias, por exemplo.
A busca pelo Google verde é global, e os Estados Unidos não saíram na frente. Na primeira onda, amplamente impulsionada por incentivos estatais, países como Alemanha e, mais recentemente, a China, se destacaram. Das cinco maiores fabricantes de turbinas de energia eólica, apenas uma é americana - a General Electric. O país também é uma força menor em setores como energia solar e produção de baterias. Mas a esperança dos investidores é que as grandes rupturas tecnológicas - que, como preza Khosla, podem transformar setores inteiros sem depender da muleta estatal - surjam nos Estados Unidos. Os centros de pesquisa de universidades americanas como o Massachusets Institute of Technology (MIT) ou Stanford são o maior nascedouro de empresas de energia limpa de alta tecnologia. A Amyris, considerada uma das mais promissoras fabricantes de biocombustíveis do mundo, nasceu no laboratório de microbiologia da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Um grupo de estudantes de Ph.D. desenvolveu uma bactéria que produzia uma droga para a malária. "Em 2006, percebemos que a mesma tecnologia poderia ser usada para produzir combustíveis", diz Jack Newman, um dos fundadores da Amyris, que já recebeu mais de 150 milhões de dólares de investidores como Khosla e Doerr. Os micróbios da Amyris usam o açúcar para produzir um biocombustível que, segundo a empresa, é muito semelhante ao petróleo. A empresa já fez parcerias com as principais usinas de açúcar e álcool brasileiras, como São Martinho e Cosan. "Vamos começar a vender diesel em 2011", diz Newman.
A substituição do petróleo por biocombustíveis mais baratos e menos poluentes é considerada a empreitada com mais chances de gerar retornos bilionários. Não chega a surpreender que as grandes empresas petrolíferas estejam entre os principais investidores nesse segmento. Fundada por pesquisadores de Harvard e Berkeley, a californiana LS9 produz um biodiesel 85% menos poluente que o diesel comum e recebeu investimentos da americana Chevron em 2009. A anglo- holandesa Shell tem acordos com cerca de 70 empresas de energia alternativa. Finalmente, a americana Exxon anunciou no ano passado um dos maiores investimentos da história da energia limpa. A empresa vai investir até 600 milhões de dólares na Synthetic Genomics, empresa do cientista americano Craig Venter, que desenvolve uma tecnologia de produção de combustíveis de algas. Venter, considerado um dos homens mais influentes do mundo pela revista Time, ganhou fama mundial em sua corrida para decodificar o genoma humano. E acha que o dono do Google verde será ele mesmo. Sua pesquisa é, realmente, fascinante. As algas desenvolvidas por seu time de cientistas produzem combustíveis consumindo dióxido de carbono e luz solar. Segundo Venter, a tecnologia será viável comercialmente dentro de cinco a dez anos. O objetivo da Synthetic Genomics é "substituir a indústria petroquímica".
As oportunidades criadas pela energia limpa atraem dezenas de empreendedores que, como Craig Venter, nunca haviam tido a mais singela relação com causas ambientais ou pesquisas energéticas - é gente querendo ganhar muito dinheiro, mesmo. O fundador da montadora de carros elétricos Tesla, Elon Musk, ganhou centenas de milhões de dólares ao vender a processadora de pagamentos eletrônicos Paypal para o gigante eBay. Com o dinheiro no bolso, decidiu fundar a Tesla. Já Andrew Perlman, um empreendedor nascido em Boston, criou e vendeu duas empresas antes de fundar a GreatPoint Energy (levou 200 milhões de dólares pela primeira e uma quantia não divulgada pela segunda). Em 2001, ao analisar a lista de problemas ambientais que precisavam de uma solução que fizesse sentido econômico, Perlman chegou à conclusão óbvia - o carvão, maior poluidor de países como China e Estados Unidos, era o pior deles. "Defini que precisava transformar carvão em energia limpa, só não tinha a menor ideia de como fazer isso", diz. Ele e seus sócios, que nada têm de cientistas, começaram, então, a procurar ideias. "Fuçamos todas as publicações acadêmicas, fomos para Rússia, Japão e Índia, até que chegamos a uma tese de doutorado de 1974." A tese, de um professor americano, mostrava que era possível transformar carvão em gás natural, um combustível muito mais limpo. O processo foi redesenhado por um grupo de cientistas e patenteado. Após receber quase 150 milhões de dólares em investimentos de fundos e de empresas como Dow e AES, a Great-Point Energy inaugurará sua primeira fábrica em 2010. Segundo Perlman, seu combustível será mais barato que o gás natural disponível hoje.
Para investidores de fundos de venture capital, transformar a energia limpa em centro das atenções é um movimento de alto risco. Quando eles se dedicavam a empresas de internet, o risco era menor, já que a necessidade de capital dessas empresas era pequena. O Google precisou de 25 milhões de dólares em investimentos para ficar pronto para sua abertura de capital. Em empresas como de energia limpa, a distância entre a fundação e a simples comercialização de seus produtos é de pelo menos sete anos e, para desenvolver suas tecnologias, essas companhias precisam de muito capital. Para tornar a coisa ainda mais complexa, ninguém tem a menor ideia de quando elas estarão prontas para emitir ações no mercado, abrindo uma porta de saída para os investidores. E enquanto o dinheiro está lá empatado, é sempre grande a chance de que a empresa não aguente o tranco e quebre. Khosla já tem alguns fracassos no currículo (ele foi um dos investidores da usina de etanol brasileira Brenco, que passou por uma grave crise ano passado).
Para amenizar esses riscos, os investidores têm procurado empresas de energia limpa que precisam de menos capital. Um segmento que se encaixa nessa categoria é formado por empresas que ajudam a reduzir o consumo de energia - são tecnologias que precisam de menos dinheiro que as algas de Craig Venter, por exemplo. Em 2009, essas companhias responderam por 18% do total de investimentos de fundos de venture capital, duas vezes mais que em 2008. A Silver Spring Networks equipa medidores elétricos com sistemas que podem ajudar a reduzir o consumo de energia em até 15%. Em 2003, quando a Foundation Capital investiu na companhia, foi impossível convencer outros fundos a fazer o mesmo. "Eu me sentia nadando sozinho no meio do mar", diz Warren Weiss, sócio da Foundation Capital. Nos anos seguintes, a sensação se manteve. Quem investia em tecnologias limpas só queria saber das promessas de novas fontes de energia, e ignorava uma empresa dedicada a reduzir seu consumo. Hoje, a situação mudou. A Silver Spring já recebeu investimentos do Kleiner Perkins e dos donos do Google. Em janeiro, foram mais 100 milhões de dólares. "Se nosso objetivo é criar o próximo Google ou a próxima Microsoft, acho que a Silver Spring é uma forte candidata", diz Weiss. A empresa deve faturar 200 milhões de dólares em 2010.
Tamanha excitação leva à inescapável pergunta - existe uma bolha no setor de energias limpas? Há diversos indícios que recomendam certa cautela. Existem, hoje, mais de 50 empresas dedicadas a fazer combustíveis de algas. Há dezenas de novas montadoras prometendo virar a indústria automotiva de pernas para o ar com seus carros elétricos ou híbridos. Diversas tecnologias diferentes competem para encontrar um biocombustível barato. "Uma depuração virá, com certeza", diz Andrew Perlman, fundador da GreatPoint Energy e ele mesmo um investidor especializado em energias verdes. Mesmo empresas de destaque ainda precisam provar que seus negócios são viáveis. A fabricante de baterias A123 fez um bem-sucedido IPO no ano passado, mas ainda não deu lucro. As dúvidas sobre a viabilidade de carros elétricos ainda são enormes (estima-se que eles custem pelo menos 7 000 dólares a mais que os similares movidos a gasolina). Afinal de contas, se há tanto espaço para o surgimento de empresas de energia limpa, por que o Google verde ainda não deu as caras? Para Vinod Khosla, é questão de tempo. A corrida, diz ele, começou há menos de quatro anos. "Há 15 anos, quase ninguém imaginava que teria internet em casa", afirma Khosla. "Nos próximos 20 anos, toda a infraestrutura da sociedade mudará. E muita riqueza será criada no caminho."