Comerciante vende bandeira da Argentina em Buenos Aires: crise profunda no país (Pablo Piovano/Bloomberg/Getty Images)
Estadão Conteúdo
Publicado em 10 de julho de 2022 às 09h05.
Lojas de comércio popular do bairro Once, em Buenos Aires, demoraram para abrir na última terça-feira, 5, e, quando receberam os consumidores, tinham em suas vitrines cartazes que avisavam que todos os produtos estavam 20% mais caros do que o registrado nas etiquetas.
O atraso para abrir, assim como os cartazes, decorriam do fato de os empresários não saberem mais quanto cobrar dos clientes.
"Ninguém sabia se o dólar ia aumentar ou se ia faltar mercadoria. Na segunda, 4, muitos comércios nem funcionaram porque não tinham mais um preço de referência para as vendas", disse o porta-voz da Confederação Argentina da Média Empresa (Came), Salvador Femenía.
A incerteza já era alta nos últimos meses, mas aumentou após a renúncia, no último dia 2, um sábado, de Martín Guzmán, ministro da Economia desde o início do governo Alberto Fernández.
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Em março, Guzmán havia fechado um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para pagar uma dívida de US$ 44 bilhões entre 2026 e 2034. Como contrapartida, o órgão pediu ao país que reduzisse o déficit fiscal de 3% do PIB, neste ano, para 0,9% em 2024.
A vice-presidente, Cristina Kirchner, porém, se posicionou contra esse acordo, gerando uma crise no governo. Ela venceu a disputa.
Fernández anunciou que Silvina Batakis (próxima de Cristina e tida como mais heterodoxa) substituiria Guzmán só na segunda-feira. "Ficamos um dia e meio sem ministro. Parecia que ninguém queria (o cargo). Isso gerou uma desconfiança gigante", disse o economista-chefe da consultoria argentina EconViews, Andres Borenstein.
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A incerteza vem crescendo desde o início do ano, conforme aparecem sinais de que o governo não vai cumprir o acordo com o FMI, considerado um programa de ajuste relativamente leve para os padrões do órgão. Como resultado, a cotação do dólar no mercado paralelo (257 pesos) já supera o dobro da do mercado oficial (126 pesos).
Para piorar, as reservas internacionais estão em um patamar muito baixo.
Apesar de anunciar que elas chegam a US$ 42,3 bilhões, o governo não dispõe de todo esse volume.
Estimativas do mercado apontam que apenas US$ 3,5 bilhões são reservas líquidas. Isso porque os argentinos podem abrir contas bancárias em dólares no país. Nesse caso, seus recursos não são emprestados e ficam depositados no Banco Central, como um compulsório.
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Como se isso não bastasse, o país precisa de dólares para importar energia, principalmente agora no inverno, quando o consumo cresce devido ao uso de aquecedores. Mas o preço também aumentou com a guerra na Ucrânia.
Assim, para controlar a saída de dólares, o governo tem ampliado as restrições de acesso ao mercado cambial. Na semana passada, proibiu o parcelamento de compras em free shops - recurso que já não era permitido para passagens internacionais.
Na semana anterior, havia determinado que as empresas só terão divisas para importar um volume 5% superior ao de 2021.
Segundo Femenía, da Came, a dificuldade de acesso ao câmbio já resulta na escassez de insumos importados, como matéria-prima para papel e borracha para pneu. Há uma preocupação de que falte itens como café e eletrônicos.
Dono da rede Café Martínez, Marcelo Martínez conta que tem café para as 200 unidades da empresa até setembro. Mas deixou de vender em supermercados. "Temos problemas de estoque e precisamos escolher onde vender."
Foi essa possibilidade de que as mercadorias sumam das prateleiras e de que o dólar dispare mais no mercado paralelo que levou lojistas a atrasarem a abertura de seus comércios na terça. "Ninguém sabe por quanto vender, porque ninguém sabe quando e por quanto vai conseguir repor a mercadoria", diz o economista Dante Sica, que foi ministro da Produção no governo Macri. Para Sica, o país deve viver uma estagflação até o fim de 2023, quando haverá eleições.
Para a economista Paula Malinauskas, da consultoria LCG, como a origem da crise da última semana está na política, uma solução imediata parece difícil. "Uma parte do governo se coloca como oposição. Cristina queria mostrar que ela e uma parte do partido não estavam de acordo com as decisões de Alberto."
Borenstein diz que não há o que fazer para salvar a economia no curto prazo. "A situação de debilidade política faz com que até as boas ideias não avancem. Desvalorizar a moeda e subir a taxa de juros quando houve o acordo com o FMI era uma coisa. Fazer isso agora provavelmente não funcionará, porque não há mais credibilidade."