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Após Trump ameaçar tomar Groenlândia, Dinamarca diz "estar aberta ao diálogo" sobre Ártico

Reino dinamarquês inclui a Dinamarca continental, a Groenlândia e as Ilhas Faroé

Agência o Globo
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Publicado em 8 de janeiro de 2025 às 13h25.

Última atualização em 8 de janeiro de 2025 às 13h53.

A Dinamarca está “aberta ao diálogo” com os Estados Unidos para salvaguardar seus interesses no Ártico, disse o ministro das Relações Exteriores da Dinamarca nesta quarta-feira, depois que o presidente eleito Donald Trump não descartou o uso da força para tomar o território autônomo dinamarquês.

O reino da Dinamarca, que inclui a Dinamarca continental, a Groenlândia e as Ilhas Faroé, está “aberto a um diálogo com os americanos sobre como podemos cooperar, talvez até mais estreitamente do que já fazemos”, disse Lars Løkke Rasmussen.

Geograficamente parte da América do Norte, a Groenlândia tem uma área de quase 2,2 milhões de quilômetros quadrados — equivalente a quatro vezes o tamanho da Espanha —, dos quais cerca de 80% estão cobertos por uma camada de gelo. O vasto território, situado entre o Atlântico e o Ártico, tem apenas 57 mil habitantes, sendo uma das regiões menos densamente povoadas do planeta. No entanto, a ilha desempenha um papel vital na defesa dos EUA.

A maior ilha do mundo é banhada pelo Oceano Glacial Ártico, interposta entre a Rússia e a América do Norte. Uma posição "muito importante do ponto de vista geoestratégico", afirma o coronel da reserva Paulo Roberto da Silva Gomes Filho, mestre em Ciências Militares.

"Os americanos sabem dessa importância há muito tempo, tanto que, em 1951, os Estados Unidos assinaram um tratado com a Dinamarca para poder utilizar o território da Groenlândia", explica Gomes Filho.

A ilha desempenha um papel vital na defesa dos EUA. A Base Espacial Pituffik (anteriormente conhecida como Base Aérea de Thule), localizada no noroeste da Groenlândia, a menos de 1.600 quilômetros do Polo Norte, é a base mais ao norte das Forças Armadas dos Estados Unidos, e suas instalações de radar constituem um importante centro de alerta antecipado para o sistema de defesa antimísseis americano, explicam Heather A. Conley e Jon Rahbek-Clemmensen em artigo publicado pelo Centro de Estudos Internacionais e Estratégicos (CSIS, na sigla em inglês), com base em Washington.

"Se você olhar um mapa-múndi com o Polo Norte no centro, você vai ver que a maior parte dos mísseis balísticos intercontinentais que podem ser lançados da Rússia em direção aos EUA, ou dos EUA em direção à Rússia, vão acabar sobrevoando a Groenlândia", diz Gomes Filho.

Segundo Conley e Rahbek-Clemmensen, "os aeroportos e portos baseados na Groenlândia podem se tornar pontos de apoio cruciais para patrulhas marítimas e aéreas no Atlântico Norte, enquanto os sistemas de detecção de submarinos podem ser instalados ao longo da costa".

A Groenlândia também está localizada na rota mais curta da América do Norte para a Europa. E a possibilidade de usá-la como rota de navegação devido ao derretimento de suas geleiras reduziria em 40% o tempo de viagem entre a Ásia e a Europa, poupando cerca de 14 dias aos navios, afirma Danilo Marcondes, professor da Escola Superior de Guerra Naval.

Além disso, possui reservas significativas de petróleo e recursos naturais ainda inexplorados, como hidrocarbonetos e terras raras, o que faz com que muitos a chamem de "tesouro do Ártico". Estima-se que a região abrigue 13% das reservas de petróleo não descobertas do mundo, o que significa que a região pode conter até 90 bilhões de barris de petróleo, 47,2 bilhões de metros cúbicos de gás natural e 44 bilhões de barris de gás natural liquefeito (GNL), segundo o Serviço Geológico dos Estados Unidos.

"Também têm aparecido reservas de terras raras na Groenlândia, que podem ser aproveitadas na fabricação de chips e placas solares", comenta Gomes Filho.

À medida que o aquecimento global derrete o gelo do Ártico, empresas comerciais e potências globais reivindicam essa região polar, “tornando-a a mais nova fronteira na batalha pelo controle das águas compartilhadas da Terra e dos preciosos recursos naturais que se encontram sob o mar congelado”, aponta uma análise publicada pelo Council on Foreign Relations (CFR) em março do ano passado.

“Com o aquecimento do Ártico, essas valiosas commodities se tornaram mais extraíveis, proporcionando um poderoso incentivo financeiro para aqueles dispostos a desbravar as novas águas navegáveis”, afirma o relatório do CFR. “Para países como os Estados Unidos e a Rússia, o Círculo Polar Ártico poderia se tornar um local tático para expandir as operações navais e nucleares. Enquanto isso, países como a Rússia e a China estão ansiosos para reduzir custos navegando pelas novas rotas marítimas do Ártico.”

Na visão de Ronaldo Carmona, professor de Geopolítica da Escola Superior de Guerra, as manifestações territorialistas de Trump — que também incluem a retomada do Canal do Panamá, a incorporação do Canadá como o 51º estado americano e a mudança de nome do Golfo do México para "Golfo da América" — "revelam um presidente bastante consciente da centralidade da geografia como base de seu projeto de renovação da condição de grande potência pelos EUA".

"A visão geopolítica revelada por Trump é indissociável de seu projeto "MAGA"", afirma Carmona, referindo-se ao movimento Make America Great Again (Torne os EUA Grandes de Novo), a ala mais radical do trumpismo.

Com essas declarações, Trump, "que já declarou adorar mapas, revela-se um adepto das teorias clássicas originais da geopolítica, que preconizam que um potência nunca está satisfeita territorialmente, e por definição, sempre buscam a expansão territorial", explica Carmona.

Desde 1979, a Groenlândia é uma região autônoma dentro do Reino da Dinamarca. A ilha conta com seu próprio Parlamento e tem um pequeno movimento pró-independência, mas é extremamente dependente de Copenhague, que financia mais da metade de seu Orçamento. O primeiro-ministro Mute Egede reagiu aos comentários de Trump dizendo que a Groenlândia não está à venda.

"A Groenlândia é nossa. Não estamos, e nunca estaremos, à venda. Não perderemos nossa longa luta pela liberdade", disse em comunicado.

No início do mês, o governo dinamarquês também anunciou um investimento de pelo menos € 1,3 bilhão (R$ 6,3 bilhões) para reforçar a defesa da ilha. E o rei Frederico da Dinamarca lançou uma versão atualizada do brasão real, na qual a Groenlândia e as Ilhas Faroé ganharam mais destaque.

No entanto, este quadro pode mudar caso Trump insista no uso da força para controlar a ilha, já que, como lembrou Carmona, "a Dinamarca é um pequeno país, com diminuta força política e militar".

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